Filosofar é sempre um jogo ruim.
Ou você se desgraça na entrada ou no final. Você sempre perde alguns coisa e
muda em alguma coisa. A obscuridade de Heidegger me parece até perdoada, mas o
resto não. O seu trabalho sobre O Sofista de Platão me dá medo, confesso.
Porém, ele é deverás surpreendente e é impressionante para mim quando chego a
compreender algumas de suas idéias, as suas leituras dos clássicos ( Nietzsche,
Hölderlin (se eu não botar trema aqui minha mãe me bate) e Heráclito, por
exemplo, são assombrosos) e, também, algo do seu estilo e tratamento
persistente de seus textos que aprece naquela prosa miudinha dele que vai
cerzindo e costurando o texto quase milimetricamente e muito minuciosamente e
algo que muitas vezes nos tira a paciência, porque cansa ver e ler alguém
ruminando e atacando por horas, paginas e até mesmo meses e mais de uma obra
uma espécie de cápsula de idéias. Mas ele, é preciso reconhecer, não dá pulos,
é muito persistente e focado, apesar da tal obscuridade eventual - que pode
significar apenas que você não consegue pensar na terminologia dele ou no seu
jargão como diria Adorno - não é mesmo um filósofo saltitante, porém de vez em
quando vai nos levando naquele ruminar e de repente nos chuta para dentro de um
abismo. De onde, no mais das vezes, não sabemos como sair ou simplesmente
abandonamos a obra e o seu pensar sobre aquilo e tiramos umas férias da
metafísica. Aliás, creio que ele deve ser o teste por excelência de quem
pretende pensar a metafísica sem cordões, redes de salvamento e orientação
espiritual. A fase poética dele eu não leio não. Confesso me sentir bem
inferior a ele em sua leitura. Até a crítica da técnica eu acompanho numa boa,
aquelas obras introdutórias sobre o que é a metafisica e a filosofia são ótimas
para treinar nossa concentração e também para testar nosso raciocínio de
leitor, mas confesso que tenho muita curiosidade sobre seus textos mais
misteriosos e tudo que ele consegue fazer quando mergulha nos pré-socráticos.
(Os textos dele, Nietzsche e Hegel e outros sobre os pré-socráticos naquele
volume da coleção Os Pensadores são muito recomendáveis.) Em biblioteca de um
mestre nosso - a quem devo bem mais do que posso pagar em uma citação - olhei
os fac-similes dos manuscritos dele - hoje você pode ler isto por aqui, só que
texto é em alemão é claro - e aquilo me deixava espantado também. Imagina o
cara dar um passeio na floresta negra pela manhã, voltar para casa sentar e
escrever ou reescrever 100 páginas em um dia. É no dia seguinte refazer tudo e
revisar tudo e manuscrito até a madrugada. A gente pode imaginar, e eu creio
que todo dr. ou dra. o faz. Olhar para obra inteira de um cara destes numa
panorâmica e perceber as ligações entre todos os textos, as chegadas de idéias
novas, as idas e vindas de velhos problemas e também as tais influências e as
revisões de questões que eles perseguem. Nós mesmos, passados alguns anos
voltamos e devemos voltar sobre muitas coisas, como se houvéssemos esquecido
algo, lido muito rapidamente ou passado por cima. Para mim o segundo Heidegger
parece tentar romper com tudo isto. Eu mesmo confesso estar mais interessado em
literatura ultimamente, por um impulso que me parece semelhante. E que não é
bem uma fuga, mas talvez uma contra fuga. Estar mais ocupado com os problemas
da vida e suas diversas versões, suas ficções e narrativas e não tanto em busca
de uma teoria de totalidade que responda às velhas questões de forma basilar ou
conceitualmente explêndida. Me parece que buscamos conceitos de forma diferente
quando damos estes passos. Hoje disse que quando não possuímos conceitos, não
podemos ensinar nada e que então precisamos construir conceitos ou buscar
conceitos prontos em alguém, mas eu creio que as vezes um conceito inacabado e
incompleto é muitas vezes mais interessante. ( Sei e lembro do probleminha dos
juízos sintéticos a priori aqui.) Minha tergiversação aqui, por exemplo, está
ligada a questão mais fundamental de porque lemos estes caras ou estas
abordagens deles? Porque é um jogo de soma zero mesmo e é por isto mesmo, assim
me parece, que nós apostamos alto e o valor da aposta é justamente o nosso
problema. Todo mundo sabe que jogadores perdem muito dinheiro, assim como
filósofos perdem muito tempo até encontrarem um prêmio que poderá adiante ser
impugnado, refutado ou superado. Assim, a nossa força é muito dispendida na
abertura de uma grande dificuldade pedreira acima e adentro. Mas nós parecemos
escolher sempre a pedra mais dura para cortar, cavar e carregar. Eu diria, para
lembrar minha tia que me fez pensar por meses nesta questão: nós não procuramos
o caminho mais curto entre um ponto e outro não. E até mesmo os mais
disciplinados escondem grandes e tortuosas perdas de tempo. A clareza aparece
nas exibições, mas a fabricação ou construção de conceitos deve ser muito pior
do que fabricar linguiças. Bismarck, por exemplo, é um inocente neste ramo de
atuação. O fardo mais pesado é o nosso escolhido, mas é justamente isto que
acaba por nos definir na filosofia e não em outras especialidades tão pesadas
também, mas cujo tereno e lavras parecem estar em boa ordem, ainda que não
existam só certezas nestas outras ocupações. Eu reeditei o texto e tentei
corrigir algo de suas imperfeições porque quando escrevi a primeira versão
estava sonolento, por exemplo, e deixei fora certos detalhes do meu pensamento
sobre Heidegger, a filosofia e nossos desencaminhamentos que me parece
importante também. Se alguém ler isto aqui - este arrazoado posto assim nesta
desordem toda - e gostar, recomendo que fuja da filosofia e não perca tempo com
ela e vá ler algum livro de poesia ou decorar as obras completas dos Beatles em
versões inglesas, francesas e portuguesas, que perderá menos tempo do que
tentando colocar as suas ideias em ordem, ou entender a ordem das minhas. Um
abraço...
Em um comentário inoportuno
talvez, ao meu colega querido Renato Duarte Fonseca que comenta a dificuldade e
obscuridade nas leituras das escrituras de Heidegger.
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