AOS MEUS MESTRES COM CARINHO
Professor Daniel Adams Boeira
Escola Estadual de Ensino Médio Olindo Flores da Silva
Estou
aqui neste lugar para falar na condição de paraninfo indicado pelos meus
afilhados e formandos e formandas da turma 3N1, em sua formatura do curso de
ensino médio do ano letivo de 2016. Devo saudar a todos, mas em especial, a
minha colega Vanessa Pereira, professora de Física e conselheira da turma a
quem eu substituo de certa forma aqui e que com sua licença carinho e
consideração me concede também este lugar. Quero falar aos meus afilhados da
3N1, mas como esta é uma cerimônia que inclui mais quatro turmas de formandos
dos terceiros anos da manhã, das turmas 3M1, 3M2 e 3M3 que nesta cerimônia forma
um conjunto importante de nossos alunos e alunas que durante os últimos três a quatro
anos soma-se aos alunos e alunas da turma 3N2, de quem fui conselheiro.
É
uma honra estar aqui. Considero sinceramente que fui também amigo, professor e
parceiro de caminhada de longa data para muitos destes alunos e alunas e para
outros mais recentemente, então quero me dirigir a todos os alunos e alunas,
sem tirar tempo ou importância alguma de meus demais colegas paraninfos e
homenageados. Fui também, no último período vice diretor do turno da manhã
nesta querida escola. E nisto tudo tenho tido um certo insight, intuição ou
inside como dizem alguns por ai. Uma intuição sobre a relação nossa com nossos
mestres.
Todos
nós precisamos de líderes, mestres, conselheiros, amigos, editores, médicos e
pessoas que cuidem de nós e nos orientem para muitas tarefas e atividades da
vida. Todas as pessoas que cuidam de nós, nos educam e na maior parte das vezes
acabam nos marcando pelas formas que nos educam e pelo cuidado e a qualidade
com que fazem isto.
Somos
pessoas permeáveis e suscetíveis sim. Somos sensíveis ao carinho, ao gesto, às palavras
e muito sensíveis aos exemplos também. Tenho observado isto na educação e na
vida. Nisso reside o fato de que algumas pessoas nos marcam muito e no meu caso
eu suponho que eu deva sim marcar meus alunos e sou marcado por eles. Estas
pessoas nos marcam são nossos mestres.
Herdei
um pouco disto não da sala de aula, mas do que eu considero talvez a principal filosofia
do meu pai que foi um dos meus primeiros mestres e que era só um eletricista,
mas que tinha técnica e didática também para ensinar a muitos jovens a sua
profissão e transmitir sua experiência. O fato dele ser eletricista nunca foi
pouca coisa para mim, porque ele sabia muito bem como e o que queria fazer da
vida e tinha também um bom controle do que chamamos de energia e força que sem
o governo de nossa inteligência não produzem resultado algum...
Disse
algo assim para mim um dia: "meu filho a gente vem para este mundo para
deixar uma marquinha registrada nele. Pode parecer pequenina para alguns, mas é
a sua marca e uma parte da vida a gente gasta para descobrir qual e aonde e na
outra a gente faz esta marca. Para alguns demora, é difícil e é muito duro,
para outros é mais fácil isso. Sorte e azar entram aqui, mas quem procura
encontra e é por isto que eu te digo isto. Vá procurar a sua marca. Não
desperdice a tua vida sem deixar algo de bom por aqui. O mundo já tem problemas
demais, maldade demais, e nós precisamos mudar isto."
Guiado
por esta idéia geral de encontrar as minhas marcas, eu escolhi ser educador,
escolhi também ser militante político e me dedicar a fazer e a pensar a
política e também escolhi muito cedo lidar e me ocupar com atividades culturais,
como a música, o teatro e muitas outras artes que me interessam. Hoje penso modestamente
que já tenho deixado uma marquinha no mundo através destas três ocupações
extra-familiares. Nestas coisas, por assim dizer externas e públicas, eu continuo
ainda procurando ter uma vida significativa e deixar uma marquinha neste mundo.
Pois,
preciso dizer isto: com estes alunos e alunas que estão aqui hoje, mais do que
com muitos outros de outros tempos tive uma relação muito intensa – devido ao
fato de que estes alunos são os alunos e alunas que mais conheço, com quem mais
convivi em toda minha trajetória de 21 anos na educação. Nos últimos quatro e
três anos todos eles e elas, em especial elas, com quem tive uma relação de
professor, amigo, irmão e às vezes até mesmo um “pai”, com todo respeito aos
pais presentes e que cumprem seu papel. Aprendi muita coisa com eles e em
muitos caos ensinei algo também e houveram muitas trocas.
Nossos
pais nos amam e sabemos bem disto, mas devemos saber também que todas as
pessoas que cuidam de nós precisam nos amar de certa forma e que quando isto
acontece nós consideramos elas nossas amigas com certa naturalidade também.
Tenho imaginado que esta relação revela uma grande verdade. Deve haver uma
extraordinária relação entre amor, amizade e educação. Ou, para pontuar mais
exatamente a questão: entre amor e sabedoria. Apesar de algumas pessoas dizerem
que onde há amor, não há sabedoria, ou que onde há sabedoria não há amor. Não é
exatamente isto que eu penso sobre a filosofia e nem sobre a educação. A busca
da sabedoria é produto do amor a sabedoria, não de uma amizade ou de um mero
gostar. Envolve um desejo, um querer que pode sim ser confessado e publicamente
aceito.
Todos
que buscam alguma forma de conhecimento vivem um momento em sua vida em que
precisam admitir duas coisas bem precisas: de um lado que é isso que querem, de
outro lado, que para atingirem isto precisam reconhecer e aceitar algum mestre
na vida, para avançarem e conquistarem a satisfação nesta busca. E ao fazerem
isto acabam, adquirindo não mestres, mas amigos e mesmo em alguns casos acabam
adquirindo pessoas que por algum tempo representam seja um ideal de amor, seja
um amor real cuja admiração e, também, em alguns momentos decisivos a decepção
e a contrariedade cumprem um papel efetivo na nossa formação. Aqui devemos
dizer que esta a caminhada não é só um mar de rosas mesmo, não foi e não será
depois.
Nossos
melhores mestres são aqueles que conseguem discordar da gente e nos enfrentar
em nossos erros com a máxima qualidade, clareza e precisão.
E
eu já não tenho mais nenhuma dúvida de que ambos – o amor e a amizade, mas
também a luta e a contrariedade - estão presentes na relação entre mestres e
discípulos e em outros casos aparece também a mesma questão. E deve ser do tipo
que mostra que a original assimetria entre um e outro é superada por algo do
tipo de dinâmica ou dialética em que cada um ao seu lado e a partir do seu
lugar tira e dá o melhor de si para o outro, mesmo na diferença e mesmo na contradição.
Em
minha formação filosófica eu tinha uma espécie de fixação harmônica e hoje
acabo reconhecendo que não é somente na concordância que nossos progressos do
conhecimento ou da vida se dão. E na educação esta desarmonia é tão importante
quanto os acordos. Chamava isto de transitividade da compreensão, mas devo
reconhecer que mais recentemente tenho dito que é melhor nós nos desentendermos
com clareza, do que temos um acordo pouco claro sobre as coisas e que devemos
aprender a perder e a ser vencidos por argumentos melhores ou de outras pessoas
e que é exatamente assim que o conhecimento avança e que nós aprendemos com
nossos mestres.
Eu
tinha uma idéia, um pouco ingênua, confesso, de que compreender algo envolve
estar ou se encontrar em simetria ou no mesmo nível e em algum momento ou
posição em relação a este algo. Hoje percebo que este balanço permanente de
compreensão e o esforço permanente em atingir uma compreensão nos joga numa
situação mais dinâmica e menos estática, mais inacabada e menos previsível, e que,
portanto, em meio a esta instabilidade não se esgota nunca o nosso conhecimento
e nem se fecha toda a aprendizagem em um único processo.
Toda
vez que mergulho mais profundamente em biografias de grandes mestres e seus
grandes discípulos encontro este processo de jogo entre nossas compreensões e
assimetrias sendo encenado e reapresentado. Falar disto aqui pode ser um
exagero meu, mas eu creio que uma formatura me parece um momento ideal para
desmistificar isto – até porque alguns dos alunos e alunas que estão aqui serão
educadores, contra todas as adversidades deste mundo e da opinião dos outros. E
eu imagino que grandes professores são aqueles que aceitam os cavacos do oficio
– e existem muitos – mas que tiram grande proveito das adversidades para serem
melhores.
Este
processo também aparece em outras relações que vou chamar de maestria o que
vale aqui também para excelentes editores e excelentes conselheiros em relação
a grandes autores e à grandes líderes - percebo também que um aprende com o
outro e que o nível de arranjo envolve nesta dinâmica um constante de
reciprocidade e nivelamento as vezes temporário e as vezes durador quase
imperceptível externamente, mas que visto mais de perto revela que o discípulo
faz o mestre ser mestre e que o mestre faz o discípulo ser mestre também.
O
único problema mais originário e desafiador aqui é, como sempre, o nosso tempo para
isto tudo e o critério a partir do qual um mestre escolhe ou aceita um
discípulo e um discípulo escolhe ou aceita um mestre. Os acidentes da vida, a
fortuna e o acaso aparecem como atores principais aqui, para além da nossa
vontade. Somos temporários, passageiros e limitados e sabemos, então, que eles tornam
esta mesma dificuldade também comum ao amor e à amizade. Assim, além da nossa
escolha e aceitação é só a sorte e algo que poderia ser chamado de uma visão que
pode levar um estranho a confiar na mão
de outro ou dar à mão para outro. A sorte, o acaso, o encontrão e a matrícula
acidental numa escola, a entrada em um partido, o ingresso para um show, a
aquisição de um livro e mesmo uma canção qualquer intervém ai...nos
apresentando muitas opções e as escolhas que fazemos sobre elas. Lembro muito
destes aspectos correntes e freqüentes em minha juventude.
Fui
longe demais na prosa aqui. Agradeço muito a atenção de quem me escuta ou me lê,
mas especialmente quero agradecer aos alunos e alunas que me dignificaram com
esta distinção de ser paraninfo deles, mas quero também aumentar a
responsabilidade deles na hora da despedida e da saída do ensino médio.
Durante
estes anos eles não souberam disto, mas eu vou dizer e revelar a eles uma
verdade importante: eles foram sim meus mestres e as turmas que se formam neste
ano me ensinaram por demais, no acordo, na contradição, no entendimento e
desentendimento e o único pedido que eu faço a eles é aceitem esta verdade:
sejam mestres dos demais seres humanos e aceitem e escolham seus próprios
mestres de forma consciente e deliberada. Lhes fará muito bem e mais bem fará
aos demais seres humanos também....muito obrigado...meus mestres e meus amigos
e amigas...
Boa
vontade e boa sorte para vocês todos!!!