1. ENTRANDO
NUM SEBO – UM LUGAR DO RELATIVO
Toda vez
que entro em um sebo, que passo por sua porta, após caminhar na
calçada e pensar se entro ou não entro, entro porque sei que posso
encontrar algo que vou gostar.
Algo que
vou passar trabalho para evitar a compra ou que vou ficar pensando
por dias, semanas e até meses em comprar.
Em alguns
momentos eu adquiro de primeira, mas, na maior parte das vezes,
resisto bravamente.
Tem
algumas coisas que regulam isso.
De um
lado, os recursos disponíveis e a relação entre esta obra e o que
anda me ocupando no momento, e, também, a forma de incluir mais uma
leitura na minha dieta de outras leituras em andamento.
De outro
lado, minha dose, no momento, de coragem e autocontrole ou meu
domínio sobre meus impulsos afetivos em relação à livros e à
ideias, que é grande.
Dá
vontade de abraçar o mundo ou a biblioteca do congresso.
Quando
falo em leituras em andamento, quero dizer duas coisas.
Uma, que
nem sempre leio um único livro de cada vez, a outra é que não
termina a minha leitura de um livro em sua última página, ela pode
continuar para além e ao longo dos tempos futuros.
E esta
força, este impulso ao desatino de comprar mais livros do que posso
ler ou de comprar livros por adoração não depende e nem se importa
muito em qual sebo eu esteja.
E mesmo
em uma banca de revista ou jornal, sempre há algo para me atrair a
atenção.
Nem
sempre é um livro de filosofia.
Porque
sempre dou uma olhada meio que geral nas estantes de literatura,
educação, sociologia, história e filosofia e então...
2. MEUS
DIVERSOS INTERESSES - POUCA IMPORTÂNCIA
No mais
das vezes é uma obra dos meus diversos interesses aleatórios.
Uma obra
que responde às minhas fixações ou curiosidades literárias
maiores ou menores.
As
maiores são como uma biblioteca dos clássicos, já as menores as
vezes são bem mais interessantes, porque para mim o maior clássico
sempre é aquele que pouca gente sabe que é.
E estas
suspeitas foram forjadas por referências aqui e ali, deste ou
daquele que me entusiasmaram e me fizeram abrir certos livros.
Vou
exemplificar isso um pouco mais.
Às vezes
são apenas novas conexões para pistas lançadas em uma nota de pé
de página de alguém que li há muito tempo ou recentemente.
Persigo,
às vezes e muitas vezes, como um caçador uma pista e traço as
ligações e relações possíveis entre diversos nomes de uma grande
enciclopédia que jamais será escrita.
Me
detenho em um caso que atraiu a atenção, um extrato ou resumo de
obra de um caderno literário e faço as associações possíveis.
Imagine
comigo você que tal autor é contemporâneo deste ou daquele,
estudou nesta ou em outar escola, pertenceu a este ou aquela corrente
filosófica, doutrinária, defende esta ou aquela política .
Preste
atenção naquela capa curiosa, um sobrenome interessante, um
clássico já empoeirado pelo tempo e pela modernidade ligeira que o
descartou.
Sei lá,
algo acontece que me faz ver num livreto um detalhe para algo de
grande atenção.
Me parece
que eu intuo, quase sempre é isso que sinto mesmo, que há ali algo
relacionado aos meus objetos de coleção, coleção de problemas,
coleção de assuntos, coleção de estilos, velhas referências e
referenciais laterais.
Não são
meus “vastos” conhecimentos ou coleções de informações que me
levam à isso.
Conhecimentos
estes que tem diminuído na razão inversa de minhas leituras, ou
seja, quanto mais leio, menos sei.
Não são
eles, então, que me levam a apanhar em um sebo esta ou aquela obra,
mas sim aquelas pequeninas curiosidades.
Pequeninas
curiosidades que são movidas por uma dúvida, uma desconfiança ou
uma suspeita de que a algo mais que ainda não foi visto pensado ou
trabalhado junto.
Bem,
confesso que não sei se isso é bobice, espécie, ou uma versão
acrítica de um certa variante de investigação aleatória e
causal, não planejada e acidental.
Pensando
bem, ou, melhor, devo dizer, apenas, que não sei como isso acontece.
O fato é
que quando procuro algo e aceito que nem sempre este algo está num
lugar muito previsível, acabo por encontrá-lo acidentalmente ali.
Um
encontro numa certa prateleira ou esquina, numa certa divisão ou
intersecção entre um tempo e outro.
Entre uma
fresta do tempo de tudo que há na livraria ou no sebo querido de
cada um de nós.
3. UM
LIVRO, UMA FOTOGRAFIA, UM CASAL, NENHUMA LEMBRANÇA
Desta
vez, após abandonar um interesse antigo por um impulso repentino, a
obra de Hannah Arendt, Julgamento e responsabilidade, voltou para a
prateleira – por conta do mau agouro que significa para mim
encontrar dentro dela o que encontrei.
Apesar de
tal obra e seu anexo me trazer à curiosidade e atenção, seja para
a doutrina ética que Hannah Arendt apresenta ali, seja, inclusive,
por me criar – como num instantâneo – no centro de minha mente,
personagens novas e um enredo novo de uma aventura nova.
Mas, o
caso é que esta desgraçada e prolixa mente com sua fertilidade
pueril, originária da forma como a realidade bateu em se mesma ao
longo do tempo e que uma mente normal já teria se recomposto e
voltado ao seu devido lugar natural de silencio e contemplação não
resistiu e como base de suas ficções ou inventivas, recuei, mas
pensei e imaginei.
Preferi
não ter que haver de me ocupar e reencontrar, em meio às páginas
de um livro, uma bela foto de despedida ou lembrança de uma moça
chilena para um amigo ou affair que a esqueceu ali.
Um mau
agouro porque é algo perdido e que para quem mais importava não
está mais entre seus bocados e cuidados.
Nesta
foto, um moça escreve no seu verso uma dedicatória super carinhosa,
mas não parece que seu par lhe deu algum valor. Ou que pelo acaso a
tenha esquecido ali e uma namorada mais ciosa tenha aproveitado para
embutir-lhe nas obras de despensa ao sebo.
Porém,
esta foto diz me algo sobre o amor e a amizade efêmeras e suas
expressões mais nobres.
Pode ser
também que quiçá o belo jovem tenha falecido e que os despojos de
um jovem romântico, restasse aos seus pais, amigos ou irmãos.
E que,
assim ao acaso, tenham resolvido vender suas obras ao sebo em linha
direta sem menor exame ou atenção.
Restando
então aquele vestígio do dia que dá testemunho de um afeto e que pode dar
pistas de outros.
Muita
coisa é possível, mas isso me mostra também mais uma vez como
encontro coisas curiosas dentro de livros em sebos.
E também
que não dá para decidir assim tomar parte ou numa tragédia ou numa
comédia da vida de outrem.
4. BUSTOS
DOMECQ
Bem, eu
segui adiante e perseverei, sem muita resistência na aquisição de
um livro ou livreto.
Levei
para meu acervo as Crônicas de Busto Domecq, numa bela edição
de bolso da Editorial Losada.
É
uma obra curiosa esta.
É
curiosa pelos seus autores.
É
curiosa pelo que possui entre suas páginas.
E
a publicação no espanhol portenho a torna mais atraente ainda por carregar dentro de si uma aula de linguagem, metalinguagem e ironias finas sobre escritores e as ditas pessoas notáveis.
É
de 1967
e lança uma espécie coletânea de crônicas em que ele - esta personagem fictícia chamada de Bustos Domecq - aborda
justamente o contato que teve com muitos artistas de uma modernidade
extravagante em Buenos Aires, sejam eles arquitetos, escultores,
pintores, gastrônomos, poetas ou romancistas
Em casa,
ao folhear com curiosidade as crônicas, ler algumas e após
selecioná-las pelos títulos, encontro o atraente texto En Búsqueda
del Absoluto (pp.35-41), no qual Jorge Luis Borges e/ou Adolfo Bioy
Casares, fazem uma certa exposição de motivos, via Bustos, das
geniais inventivas não reconhecidas de uma personagem literária
fictícia que eles batizam como Nierenstein Souza.
Ocorre
que Nierenstein faleceu e Bustos foi vistar sua biblioteca onde
encontra um busto de Balzac.
Não se
surpreenda leitor, ao julgar nas laterais de sua atenção que
trata-se aqui de um conjunto de pistas e senhas para o encontro de um
nobre segredo nesta crônica, porque é esta mesma a disposição
para o maravilhoso compartilhada por Borges e Casares.
A
personagem fictícia Bustos, passa então a comentar, narrar, depor e
detalhar as importâncias notáveis para ele desta outra personagem
fictícia, Nierenstein, com uma certa dose de abundantes adjetivos e
estabelecendo a importância ilustrada da persona que sabe ydish,
latin, francês, inglês e advinha o holandês.
E é, ao
final da crônica elogiosa, laudatória e voluptuosa que vemos ótimas
pistas para um irônico classicismo piegas e uma bela referência -
salvadora para mim no empreendimento de entender certos desatinos de
Kerouac e outros – à obra de Honore de Balzac sobre a Busca do
Absoluto, ou, La Recherche de l' Absolu.
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