“O futuro pertence àqueles que
acreditam na beleza de seus sonhos.”
Elleanor Roosevelt
Vou falar aqui sobre o artista, o
projeto da Casa de Cultura e a importância dele para a história, a cultura e a política da
cidade aqui e sobre tudo que eu creio que este debate deve trazer à tona. Farei
uso de diversos textos meus já publicados em meu blog, com o objetivo de
atualizar o debate e suscitar boas lembranças do futuro. E espero que suscite
boas reflexões, bons debates e mais contribuições em especial dos agentes
culturais e dos demais interessados e cidadãos de nossa cidade.
A obra do pintor e amigo Luis
Brasil tem várias séries que ao longo dos anos 70, 80, 90, até seu
desaparecimento em 2006, foram sendo elaboradas e vendidas na rua para diversos
amigos, conhecidos e mesmo transeuntes e, estas foram também, intercaladas com
trabalhos de certa forma encomendadas por bares ou restaurantes, pizzarias ou
cafés. Algumas são bem conhecidas e disseminadas na cidade. Por exemplo, tem as
mulheres, os meninos – aqui uma nota: para ele eram “os meninos de rua”,
pedintes, esmoleiros, menores abandonados, - as rosas, os girassóis,
bicicletas, pandorgas, pássaros e eu já vi muitas xilogravuras do Brasil com
trabalhadores no seu cotidiano.
Sobre o projeto que foi
apresentado em setembro e outubro de 2012 pela SMC, na gestão da qual eu fazia
parte, existem diversos detalhes bem importantes que envolvem tanto a
justificação da escolha do artista quanto a concepção de uso do espaço e as melhorias no prédio da prefeitura velha
que serviriam inclusive para mantê-la e preservá-la. Além disso, tem a minha
opinião contrariada – e talvez de mais pessoas – sobre o resultado do debate na
transição da Casa de Cultura e sobre a situação política criada e suas
conseqüências por disposição e vontade, deliberação e intenção do governo que
tomaria posse em primeiro de janeiro de 2013.
Sobre a concepção de uso de
espaço cito aqui resumidamente a divisão interna proposta no projeto original: 1.
Sede da Secretaria da Cultura;2. Sala de ensaios Coral Municipal;3. Sala de ensaio para Cia de
Dança; 4. Sala de ensaio para Núcleo de Pesquisa Teatral;5. Atelier Livre de
Artes Plásticas;6. Sala de Cinema e auditório para seminários e palestras;7.
Sala de música e estúdio para ensaio e audição de apresentações depequeno
porte; 8. Galeria de Arte (acondicionada para exposições de grande porte);9.
Depósito para objetos de arte;10.Espaço para o Café;11.Copa interna;12.Sala
para oficinas teóricas equipada com carteiras, mesas e lousa;13.Sala da
Associação dos Amigos da Casa de Cultura;14.Sala de reuniões para a comunidade.
A justificativa, na minha cabeça
pelo menos, era muito simples: Luis Brasil era uma artista popular, era um
artista local, era um artista com uma obra de qualidade, era um artista
educador, influenciou e educou outros artistas e compartilhou com artistas de
diversas linguagens na cidade, trabalhou por três décadas em São Leopoldo , deixou
uma obra disseminada em muitos lugares da cidade e com muitas pessoas, não
alcançou o sucesso, mas deixou uma grande lição de sensibilidade e uma mensagem
humanizadora.
Já a justificativa formalizada
era a que segue: O Patrono LUIS BRASIL MANOEL GAUDÊNCIO RESERES GOULART FILHO,
(1943-2006), ou simplesmente Luis Brasil residiu em São Leopoldo de 1973
até seus últimos dias de vida em 2005. Foi morador da Antiga Casa do Estudante
onde hoje temos a Câmara Municipal. É reconhecido em catálogos nacionais e
possui uma vasta e representativa obra plástica que passa por diversas técnicas
e múltiplas fases e temáticas.
Da xilogravura, passando pelo
pastel, giz, cera. Também teve contratados seus serviços para realizar murais e
telas em residências de amigos, conhecidos. Seu traço foi reconhecido como
extremamente singular e esteticamente marcante por vários de seus pares e em
sua trajetória na cidade produziu de forma abundante obras fazendo uso de
materiais, tintas e técnicas sempre no convívio intenso com seus amigos,
contemporâneos. Dedicava atenção especial a educação estética das camadas
populares, sendo que temos registros de diversos jovens que se iniciaram nas
artes plásticas a partir do seu estímulo, provocação, orientação e apoio.
E, por fim, tinha como
característica muito destacada a aposta na arte e na cultura popular, sendo
famosas suas digressões sobre a importância do artista ir onde o povo está e do
artista estar relacionado também à realidade política da cidade e do pais. Era
um exemplo de engajamento político e de apoio as lutas coletivas dos estudantes
universitários, meninos de rua, defesa das mulheres e militava também por
muitas outras causas culturais, como a música, patrimônio histórico, livro e
leitura, etc.
Sobre o artista ele dizia:
"O artista é gente que come, bebe, luta por uma igualdade social entre os
que não tiveram oportunidade de ver, ouvir, conviver e elaborar com as mãos o
belo sem vaidade."
O projeto transformava o prédio
histórico da Prefeitura Municipal, inaugurado em 1941, com seu estilo
modernista, em uma grande centro de cultura com espaços adequados para diversas
linguagens artísticas que não possuem espaço público suficiente e adequado na
Casa de Cultura José Pedro Boéssio – Biblioteca Pública. Esta linguagens são
música, dança, pintura, fotografia, e etc. Uma das características importantes ao
que este projeto também respondia era este aspecto histórico, cuja nossa
proposta coletiva e compartilhada pelos conselhos de cultura e o conselho
patrimônio histórico englobava a realização de uma valorização do centro histórico
da cidade, com a idéia de conferir a ela e a cada prédio histórico um memorial
descritivo de sua importância na história da cidade de modo a valorizar,
destacar, preservar e significar cada imóvel e monumento no panorama histórico
da cidade. Isso contribuiria para sua preservação e educaria a cidadania na
compreensão da importância da cidade. Um exemplo é este pequeno esboço de
expressão e valorização sobre o prédio como segue: O debate na cidade acerca da
utilização do Palácio Municipal (antigo prédio da PMSL) pode nos ajudar a
recolocar a questão do patrimônio histórico de São Leopoldo e da importância da
história da cidade para os seus habitantes e para a região e estado. Muitas
cidades no Rio Grande do Sul, tem características culturais, sociais, políticas
e econômicas marcantes.
São Leopoldo é com certeza uma
destas pois não há um item, dos citados antes, em que a sua contribuição na
formação do estado e do país não seja considerado relevante. É por esta razão
que além de São Leopoldo ser oficialmente o Berço da Colonização Alemã no
Brasil, após um período de disputa com outras cidades que tinham esta
pretensão, São Leopoldo tem relevante contribuição política e econômica com o
Brasil. A futura Casa de Cultura Luis Brasil representa isto em alta dignidade,
pois o prédio construído entre 1939 e 1941 é representativo de um período
histórico em que São
Leopoldo atingiu um auge econômico e cultural no estado. Após
ser a segunda cidade mais importante e, mesmo, após a emancipação de Novo
Hamburgo, São Leopoldo conservava um status político e econômico muito
relevante na região metropolitana. O prédio da prefeitura municipal foi
inaugurado com a presença do Presidente Getúlio Vargas. E a cidade era
governada desde os anos 20 por um complexo político coordenado pelo PRR –
Partido Republicano Riograndense que mais tarde foi sucedido pelo PTB, na
redemocratização pelo PDT e em parte também pelo PT, haja vista a extrema
importância dada por estas agremiações políticas a um estado forte e dirigente
da economia e da sociedade. Além do trabalhismo – que conheces bem pelo teu
PDT, o republicanismo e o positivismo são características muito presentes na
matriz política e ideológica do RS. Ainda que possam discutir isto em outros
detalhes é importante perceber que em São Leopoldo esta escola – ao contrário da
liberal – e muitas vezes combinada com as formações religiosas católicas e
luteranas com influência e protagonismo político, sempre esteve presente na
vida pública desta cidade com assento na Câmara de Representantes e depois
Vereadores e com forte participação na gestão pública. Pois bem, o prédio da
Prefeitura Municipal – que sucedeu o prédio da Intendência Municipal, o qual
você pode visualizar em retrato atrás do busto do Theodomiro Porto da Fonseca,
na escadaria de entrada da antiga prefeitura, é representativo disto. Aproveito
para dizer e citar que muitos prédios dos anos 10 e 20 do século XX são
representantes deste período – e são quase a maioria dos prédios listados como
patrimônio histórico com o objetivo de preservação e que podem contribuir em
muito para o incremento do Turismo da cidade.
Ou seja a história da cidade não
pode ser tratada simplesmente como capítulos de livros e referências
discursivas, mas deve ser preservada materialmente em seus prédios, documentos
e narrativas.
Assim, o destino do Prédio da
Antiga Prefeitura como Casa de Cultura é um símbolo importante para a história
e a promoção cultural da cidade e dá efeito sim a preservação da história
política. Merecendo em momento oportuno um belo memorial do prédio para
conhecimento e dignificação desta história.
A situação política, entretanto,
de 2012 até hoje não foi e não é favorável a tudo isso. Mas é preciso ponderar
aqui certas coisas sobre isso, em defesa do projeto. Sou daqueles que aprendeu
que às vezes um grupo político – que pode não ser o meu - sabe coisas ou propõe
cosias que servem e fazem muito bem para toda a cidade e esta proposta nossa da
Casa de Cultura Luis Brasil é uma delas para mim. Ocorre que ela sofreu certa
resistência e boicote dissimulado. Porque foi confundida com uma marca
ideológica e houve intransigência dos vencedores da eleição de 2012 por outro
lado. Dissimulada com muita cordialidade nas agendas de negociação sobre o
tema, é claro, durante a transição. Mas eu creio que a coisa é mais simples do
que foi pintada e que só faltou generosidade e compreensão do outro lado. E foi
assim que eles impediram o projeto de casa de cultura de ser possível. Mas eu
ouso endurecer aqui porque quando a gente vê o que foi feito de lá para cá se
percebe que foi pura manobra e muita mesquinhez que impediu isso. E, eu lembro
bem de cada gesto em torno disso, e as pessoas que operaram isso estão no meu
caderninho, não porque irei me vingar, mas porque aprendi ali com a companhia
de outros amigos que não posso contar e que o povo não pode contar ou esperar
isso dessas pessoas, alguma forma qualquer de generosidade política. Só isso. Não
falarei aqui dessas pessoas, porque isso é uma coisa que deve doer muito mais
na consciência do que na opinião pública, ainda que alguns possam ter tido
prazer em boicotar este projeto. Para mim foi um erro e nesse jogo da política
eu creio que este erro faz muita diferença contra eles, porque é o que nós
podemos chamar de FALTA no jogo político. E esta falta é um sintoma de
perversidade política a mesma perversidade que persegue os adversários ou mesmo
aqueles que apenas pensam diferente e isso é ruim para a democracia e em
especial para a área cultural.
O Luis Brasil tinha sim
características muito peculiares – mas bem vistas as coisas todos os artistas
tem isso de uma ou outra forma - ele era um político porque tinha toda uma
concepção de arte e uma forma de pensar que era radicalmente política e
culturalmente política...e tinha ideologia, lado e partido...mas isso não
deveria valer para lhe impugnar a obra ou a contribuição...portanto dai você
vai entender quando digo falta de GENEROSIDADE acima...
Mas aparece no caso dele o
exemplo do debate entre cultura e política. Algumas pessoas gostam muito de
pensar que a “Cultura sempre esteve e continua estar acima de Partidos e
Políticas”, mas isso é um equívoco e também uma forma de política sobre a
cultura. Visto de uma forma mais analítica, num sentido sim, a cultura está
acima da política porque seus objetos, obras, criações e autores podem sim
transcender e ultrapassar a dimensão política atual em que eles vivem, e no
caso serem portadores de significados e mensagens para outros tempos – de certa
forma até transcenderem ao tempo presente a história do presente. Mas não
parece nada correto tentar explicar ou contextualizar a vida do artista e a sua
obra de forma dissociada de um certo tempo histórico ou de uma certa
circunstancia política ainda que esta possa ser singularmente vivenciada pelo
artista ou artificiosamente representada na obra. E o caso do Brasil é singular
porque nele justamente a obra, os matérias usados, os lugares onde produziu,
sua forma de produzir, suas “séries” esta diretamente relacionada ao pensamento
político e a vivência histórica dele.
Mas, enfim, ser capaz de entender
tudo isso também é uma questão política e cultural ainda...quer dizer, a
viabilidade da CASA DE CULTURA LUIS BRASIL vai depender ainda e será para mim
um indicador da qualidade política de nossa cidade e de um grande progresso
cultural na cidade em todos os temas e conceitos acima apresentados ou
referidos ou não. A bola está com os cidadãos e aqueles que ora são gestores da
cultura na cidade.
São Leopoldo, 14 de fevereiro de
2014.
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