(Boa tarde - - - terminei a
revisão e reescritura de um texto sobre SARTRE
& SIMONE- ISSO NÃO È AMOR?..e gostaria que alguns amigos - por
afinidade temática, dessem uma olhadinha, então vou citá-los aqui - - - se
quiserem excluir da TIMELINE DE VCS fiquem á vontade: Giane Portal , Alexey
Dodsworth Magnavita, Renato Janine
Ribeiro , Suzana Guerra Albornozi é para vcs...)
O comentário fino e arguto do professor
Renato Janine Ribeiro sobre a mais nova polêmica em torno do casal Jean Paul Sartre
e Simone de Beauvoir, despertada pelo lançamento em português da biografia “Um
Relação Perigosa” sobre os dois, de Carole Seymour Jones, me leva a desaguar uma
pitadinha só de algo que estou ruminando a alguns tempos sobre amor,
relacionamento intelectual, fidelidade e confiança, culpa e liberdade..
Este é um dos temas no qual ando
circulando e arrodeando desde o ano passado. Tinha planos de publicar um ensaio
específico sobre Sartre e Simone, junto com o outro sobre o par Heidegger
e Arendt aqui, mas não saiu. Meus planos
sobre isso se frustraram e também em
muitas outras coisas a partir da Páscoa do ano passado. O mundo não
acabou por isso e nem deixei de pensar ao longo do ano sobre isso, com algumas
leituras aqui e ali. Além disso, alguns filmes tem abordado este tema aberto
durante todo o século XX. Constatei rapidamente ao dar mais atenção para este
tema que “quase tudo” que é possível pensar, viver e tratar sobre
relacionamentos já foi praticamente encenado também em diversas outras
linguagens e teatro, seja na forma de comédia ou tragédia, drama ou novela mas
não fiz isso que eu queria fazer. Na literatura, na poesia, na música e também
na pintura e fotografia temos um acervo gigantesco que tende a ser aumentado
porque este tipo de conteúdo parece ter certa perenidade, mudando apenas a
forma e a concepção moral ou cognitiva ao longo do tempo.
Acabei publicando um esboço sobre
Heidegger e Arendt, cheio das minhas velhas imperfeições de abordagem e revisão,
mas publiquei para um dia retomar melhor isso, em melhores condições.
Mas no caso destes dois pares, me
salta aos olhos a necessidade que muitos analistas, versionistas e biógrafos,
tem de buscar uma condenação moral seja de um seja de outro. E o caso da obra de
Carole já nas resenhas, no excerto publicado pelo Estadão e nos releases é
gritante. Isso já começa no título do livro que faz paralelo com Ligações
Perigosas de Cloderlos de Laclos e prossegue na narrativa construída a partir
de testemunhos das “vítimas”.
Para mim se instalou uma profunda
resistência e aversão a este tipo de “curiosidade” que me parece satisfazer
somente como desvio e tentativa de impugnação das idéias destes intelectuais.
Assim, tendo a não aceitar ou julgar o lado podre das relações. No fundo parto
de uma posição que não aceita nem isso e
nem aquilo sobre os dois casais.
Sartre, para começar, era tão
machista e tão vil como a autora do
texto, que gerou esta discussão, aponta? Para mim não! Eu fico imaginando que
ele foi praticamente o único homem do século XX que efetivamente tolerou uma
relação aberta, com os dramas todos que isso pode gerar. Mas não abriu mão um
milímetro do seus desejos, assim como não impôs a usa companheira necessária de
travessia isso também.
Mas é claro que esta sociedade
conservadora e repressiva tem que encontrar um traidor neste homem e é claro
que um feminismo decadente como o que se vê muito hoje por ai também precisa
condenar ele e elogiar ela. Eu sou um homem e entendo perfeitamente a
maravilhosa Simone em sua profunda admiração intelectual e afetiva, com os
aspectos críticos e não tão elogiáveis de Sartre e dela mesma. É preciso ver
que, sobretudo, ela tinha alta estima por Sartre e muita confiança e que
provavelmente a questão fundamental entre os dois não foi corporal ou física.
E devo dizer - porque é assim que
percebo todos os sinais dos dois, mesmo aqueles distorcidos, por interpretações
bem tendenciosas, que o amor ou estima dos dois não tinha nada de simulação e
tinha os mesmos altos e baixos que toda relação real e duradoura possui, seja
ela aberta, seja ela encerrada numa
fidelidade verdadeira ou num castelo de mentiras cujas cartas tem todas valor
trocado...
Algumas relações inclusive migram
para uma zona intermediária entre a paixão e
o amor e são mais cultivadas como amizade e companheirismo hoje em dia.
Sobre os jogos de gato e rato
entre Sartre e as outras mulheres e as ardentes paixões de Simone por dois
homens e uma outra mulher, eu penso que seria difícil não encontrar o mesmo
enredo em diversas outras pessoas da contemporaneidade. E não é por perversão
que isso acontece, como uma mente repressiva ou reprimida poderia pensar. Isso
acontece simplesmente, porque a pessoa não tem esta tão almejada fixação
sentimental que faz com que somente uma pessoa seja objeto de seu desejo, que
faz com que o afeto seja cativo e tenha certificado de propriedade. Já a sociedade não aceita com tranqüilidade ou
como uma normalidade tais idas e vindas e isso é introjetado na mente das
pessoas, seja como uma culpa dolorosa ou vergonhosa, seja como um segredo
precioso e delicioso. É numa sociedade como a nossa que estas coisas acontecem.
Assim, provavelmente a “reinvenção
do casal” de Sartre e Simone, foi uma atitude não somente experimental e
conveniente para eles, mas pioneira e de vanguarda para alguns de nós que
precisam dar outra solução para seus afetos, desejos e etc.
O Renato aponta que eles falam de
"amores necessários e amores contingentes". E é meio que bem assim
que muitos hoje se comportam não somente entre os solteiros. E o que determina
o status de necessário ou contingente deve ser um afeto que se desenvolve ou s
e desenrola. Assim, pode mudar também o status de necessário para contingente e
vice versa. Mas o que há de errado nisso afinal? Que pecado é este meus amigos
e amigas?
Isso tudo leva para a pergunta de
fundo nestas relações de amizade, namoro, casamento e nestes tipos de relações:
porque você fica com esta pessoa?
Todos gostariam de dizer que é
por amor, mas, pelo que tenho refletido, às vezes isto é apenas um ingrediente
entre vários outros. E em outros momentos se fica só por desejo mesmo. Mas para
quem estas opções dizem respeito para além dos dois?
Poderia fazer a analogia crítica
de que cada um é responsável pelo que
cativa, mas nem sempre, porque na maior parte das vezes a relação só evolui se
você não é responsável pelo outro, mas apenas que os dois colaboram e realizam
alguma forma da ajuda mútua.
Às vezes parece haver uma
tentativa de impugnação da possibilidade de uma eterna busca de afinidades
eletivas, ou de uma eterna busca da melhor afinidade eletiva. Porque?
Penso que Sartre conseguiu ser “a
pessoa mais importante do mundo para” Simone, mas que este título ou status foi
posto à prova várias vezes. Em especial com os casos de Simone com Nelson
Algren e Claude Lanzmann.
A acusação de "manipulação"
me parece que pode ser feita à muitos outros. E isso não torna Sartre inocente,
mas também não o torna culpado, salvo que todos recebessem algum tipo de
atestado ou certificação de ausência de manipulação em seus afetos o que não
ocorre, por mais sincero, honesto e verdadeiro que se seja. Aliás, o afeto
parece ser tão dissociado disso e de outras coisas, ainda que componha com elas
e que seja às vezes difícil de discriminá-lo. Mas aqui eu fico sempre pensando
na dialética do senhor e do escravo. E em muitos casos não consigo visualizar
quem é o senhor e quem é o escravo nestes affairs. Vendo, inclusive, que estes
papéis podem ser trocados ao longo do tempo e em relação a outras coisas.
Aqui abro uma outra dúvida sobre
estas coisas. Tenho desconfiado e muito que a combinação entre duas pessoas tem
certa singularidade que independe do perfil da pessoa com outros. Isso pode
parecer – e de certa forma é – uma abordagem relativista da questão, mas é
exatamente o que tenho percebido. Que algumas combinações de pessoas são
variáveis de uns para outros e que como na química ocorre que certas
combinações de elementos que isoladamente são inofensivos são muito perigosas
ou mais intensas o que com outros elementos. E assim ocorre certa variância e
alteração contingente no perfil das pessoas na dependência de frente a quem,
como e quando, tais relações se dão. Assim como me dou conta recorrentemente
que cada um de nós está num tempo próprio e que os encontros, os afetos e
também as trocas dependem também desta relação pré-experiência, na experiência
ou pós-experiência. Esta variância coloca uma dimensão muito singular para mim
sobre este tema específico. Assim a alegada manipulação pode ter só uma
dimensão aparente, como pode ser simulada mais facilmente ou mais oportunizada
pelo perfil, pelas carências e pelo tempo de cada um.
Eu vejo neste tema uma espécie de
atribuição excessiva sobre Sartre de uma performance de um intelectual
onipotente e superior aos demais seres humanos. Mas daí a pergunta deveria
estar focada no que mesmo que ele fazia, dizia ou tinha que seduzia as mocinhas
e não mais no seu caráter. E como ele recebia a colaboração de Simone. Eu acabo
tendo dúvidas sobre qual é mesmo o lugar do Pathos nestes circuitos de relações
que os dois desenvolveram. Mas lembro de um filme em que justamente se imagina
que ter uma relação com este ou aquele pode ser atraente, confortável ou lhe
dar prestígio. E não sei da conta, mas parece que havia mais de uma
personalidade que ostentava nas horas boas o rótulo “da amante de” ou “do
amante de” e nas horas más a peia de sofredor, manipulado ou capturado pela
armadilha desta dupla de aranhas perversas. Isso é de doer de engraçado
sinceramente, não somente pela metáfora, mas pela possibilidade de alguém se
sujeitar a isto e o tipo de satisfação que obtinha combinada como desprazer que
vem junto e é inerente na natureza desta aposta relacional.
Eu escrevi tudo isso agora após
revisar meu impulso matinal na questão.
E tendo a fazer um par nesta
longa reflexão com Heidegger e Arendt, que sofrem a mesma vigilância moral e
mesquinha, o mesmo patrulhamento. Creio que temos que compreender estes
existencialistas no seu direito de escolha e no fato de que todos eles arcaram
completamente com suas escolhas, bem ao contrário de outros antes e depois
deles que ficaram dando curvas e culpabilizando o outro ou os outros.
E isso para mim - com o ônus e o
bônus em um ou outro - é libertário, é saudável e me gera mais compreensão do
que confusão.
E eu não vou, como deve ter
ficado claro acima, tratar as "outras" ou os "outros" nisso
tudo como vítimas e coitadinhos como ocorre geralmente nestas narrativas sobre
estes dois pares. E te digo que a relação entre Sartre e Simone, me parece tão
verdadeira que boa parte da verdade dela se encontra na esfera da intimidade de
ambos, por mais que tentemos interpretar, deduzir ou revelar a partir de
cartas, biografias e testemunhos deles e de outros. E ao estar na esfera da
intimidade se torna indevassável.
A verdade nunca sai inteira em um
depoimento ou em um texto, e aqui também entendo o que Platão queria dizer com
a vantagem arriscada da oralidade em relação ao texto. Tem muito mais coisas
para se discutir nesta relação destes dois como diz a professora Suzana
Albornoz Stein.
O problema mesmo é que alguns
querem lançar interpretações absolutas e serem os portadores de uma verdade que
escapava até mesmo a eles. Sim estou dizendo que o mundo de Sartre, Simone,
Arendt e Heidegger não era mesmo absolutamente interpretado e refletido e esta
é uma ilusão de quem olha para a vida de um filósofo buscando uma coerência
integral entre idéias e ações, fatos e versões, emoções e razões.
Isso pode servir para muitas
coisas sim. Para vender livros? Para ser a mais nova revelação de veleidades e
banalidades, segredos e intimidades dos outros? Eu acho isso muita pretensão e
uma tremenda falta de respeito com a vida que o outro conseguiu realizar,
pensando e trabalhando, com dilemas e problemas que ele encarou. Falar depois é
fácil...
Agradeço, de novo, ao Professor Renato
porque com esta finesse e delicadeza no tratamento de todos os debates ele faz
um belo ponto médio que permite com que as diferenças importantes sejam vistas
e compreendidas. E isso também permite que se saia do maniqueísmo monotemático
e irrefletido, tão freqüente nisto tudo aqui. Como se a responsabilidade ou
culpabilidade fosse resultado de uma análise, opinião, vivencia ou
experiência. O facebook também não é o
tribunal de condenação e nenhum de nós é juiz do outro, ainda que alguns tentem
sistematicamente cumprir este papel em sociedade, nas comunidades científicas e
neste mundo. E isso é feito com muita freqüência contra aqueles que não tem
mais nenhuma possibilidade de se defenderem ou argüirem ao contrário. A
fantasia de onipotência e infalibilidade gera este tipo de monstruosidade e
perpetra o pior fruto do racionalismo para mim: esta vã idéia de ter um ponto
absoluto sobre este ou aquele episódio.
Entendi, enfim, que a cobrança é
com eles...e o fundamental - de um ponto de vista moral ai - fica guardado para
a situação de consentimento ou não no jogo de sedução - o desejo é um dos
principais expediente para provocar uma traição da moralidade...Porque seria
assim?
Talvez o desejo seja uma espécie
de grau zero da moralidade - para usar uma figura – quer dizer para desejar o
outro fisicamente é preciso certa liberdade que a moralidade não deveria
permitir, e isto me aprece algo no que devemos pensar aqui - e vale na
reciprocidade.
Por fim, tentei explicitar aqui
que eu tendo a ver isso tudo de uma forma diferente, mas confesso que ainda
estou elaborando muito sobre isso e não há nada de muito maduro que possa ser
exposto sem ser completamente incompreendido ainda...
Mas penso que ousei me arriscar
um pouco aqui...
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