Adquiri hoje,
após longo estudo e muitas pesquisas paralelas, o livro de Gunter Figal: Martim
Heidegger: Fenomenologia da Liberdade. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2005, 384p.
Eu creio que é o
livro que vai me guiar sobre uma intuição minha lá da época de faculdade de que
pode haver um núcleo de emancipação filosófica na filosofia de Ser e Tempo. Um núcleo de emancipação filosófica deveria
nos libertar da filosofia ou pelo menos daquilo que uma aparente e aprazível boa
filosofia tem de poder sobre nós, seja num engano, seja em uma ilusão. Quero dizer com isto que é possível se libertar
de certas zonas de conforto filosóficas que são muito aprazíveis e estáveis,
mas que não levam para lugar algum. Jamais
falei disto e falarei mais quando me sentir à vontade não com a solução do
problema – até que ponto a filosofia nos aprisiona e nos mantém também cativos
de uma visão de mundo e de uma perspectiva da verdade. Mas quando tiver encontrado
com uma formulação mais clara e, então, talvez
explicite mais sobre esta ideia que me veio a cabeça ao perceber o aprisionamento
em que eu mesmo me enredava nos estudos e nas questões.
O resumo atual é
que penso que a questão do esquecimento do ser – como diz Heidegger em Ser e Tempo,
pode
ser a questão do esquecimento de nosso próprio ser em um enredo e uma trama filosófica
com a qual nos ocupamos. Confesso que
tambem vi muito disto nos sofrimentos e na ocupação e no envolvimento intenso de
Wittgenstein dos Notebooks ao Tractatus.
Este livro vai
ser par, afinal, do livro do amigo Chico Xarão, Liberdade em Hannah Arendt. E que,
em tempos de novo ano, novos problemas, novas soluções, novas aulas e novas
leituras, será bem vindo.
Me cai em boa
hora entre as mãos, após anos de outros estudos no entorno de Heidegger, Hannah
Arendt e a tradição hermenêutica, algumas duradoras incursões práticas, após
anos de tentativas de lecionar filosofia contemporânea no ensino médio com uma
carga horária reduzida, com pelo menos uma experiência notável de leitura de Ser
e Tempo em 2009 no terceiro ano, e neste ano com a ampliação da carga horária e
considerando as bases desenvolvidas nos primeiros e segundos anos creio que
vamos avançar nesta formação introdutória.
Creio também que
neste ano vai ser possível dar conta melhor da história da filosofia e, ainda
que isto seja feito de forma introdutória e panorâmica, com as temáticas as áreas de estudo e pesquisa
em filosofia, e será possível fazer algumas ligações e mostrar as linhas
principais de pesquisa filosófica, e suas aplicações e influências nos campos das ciências, da política e das
artes. Bem como, retomar algumas questões éticas.
Será possível pelo
menos visualizar e situar algumas tradições filosóficas contemporâneas que se seguem
ao século XX a Existencial, a Analítica, a hermenêutica, a Marxista e a
Filosofia Política. Ainda estou elegendo
os quatro principais autores para trabalhar na Filosofia contemporânea este
ano, com cronologia da vida deles, suas obras e alguns excertos para leituras.
Tenho convicção sobre Wittgenstein, Tractatus e Heidegger, Ser e Tempo, mas estou
pensando ainda nos outros dois. Se adoto o Colin McGuinn – sim aquele mesmo de
A CONSTRUÇÃO DE UM FILÓSOFO: minha trajetória na filosofia do século XX, para
dar uma popularizada analítica e também Gadamer, VERDADE E MÉTODO, um excerto
da introdução e uma passagem de A IDÉIA DO BEM ENTRE PLATÃO E ARISTÓTELES, para
lidar com a temática hermenêutica e ética.
Os alunos tem mostrado,
nos outros anos e já na primeira aula, um interesse notável e que não é
surpreendente ou incrível em Nietzsche e estou pesando em montar talvez um
seminário sobre isso para o último trimestre, com eles – os interessados - iniciando
a leitura de uma obra dele para apresentar no final do ano aos colegas. Quanto à
Escola de Frankfurt me parece que Walter Benjamim seria bem vindo para outros
alunos.
Ficariam,
entretanto, de fora aqui – em um plano do ensino médio - alguns elementos de debates mais recentes quanto
ao Externalismo e o que vou chamar de tradição pós-Kripke e Putnam, que eu
creio que ainda está sendo assimilada e devidamente compreendida, inclusive por
mim mesmo. Mas do que quero tentar dar uma notícia e estimular a pesquisa individual
dos alunos que se mostrarem mais interessados em certas questões de teoria do
conhecimento, filosofia da psicologia e filosofia da linguagem.
Salvo correções
melhores dos colegas, adotarei a divisão da filosofia contemporânea em três capítulos
temporais Século XIX, da tradição continental de Hegel a Schopenhauer, Kierkeegaard,
Marx, Nietzsche e Freud, Século XX, de Frege a Bertrand Russell, Edmund
Husserl, Heidegger, Wittgenstein, Analíticos e o que vou chamar de pós
analíticos, considerando-se o fim da guerra e a globalização do método sobre as
tradições francesas, alemãs, inglesas, americanas e a supremacia de certa combinação
entre Classicismo em Filosofia, Filosofia Crítica e Filosofia Analítica.
Se alguém
estranhar os rótulos e as caixinhas que eu estou usando, devo dizer que a artificialidade
delas se esgota naquilo que eu considero que ocorre hoje como fenômeno determinante
da filosofia: uma espécie de interpenetração entre todas as escolas cujas
linhas de fronteira vão sendo dissolvidas, a partir do surgimento de um cânone
e de um método filosófico comum, tanto de leitura, interpretação e comentário
de textos clássicos, quanto de criação, invenção e novas descobertas ou sobre o
surgimento de uma filosofia original, após anos de muitas aventuras – pós-modernismo,
logicismo et alii – e certa conexão com
o presente e o alargamento do público leitor.
No Brasil este
processo – que me é mais visível parece encenar uma disputa de gerações, mas, também,
mais fundamentalmente uma disputa de espaços e um regime de disputa mudo em que
se silenciam os contendores a medida que conquistam posições. Quer saber? Isso
não importa tanto assim e eu creio que as novas gerações não vão caber nestes
arranjos atuais e nada disto terá alguma importância mais daqui à menos de 20
anos.
Usei o título
fenomenologia e liberdade acima por provocação da obra adquirida, mas também
por perceber um fenômeno disruptivo e libertário a ocorrer na filosofia para o
qual as barreiras de contenção atuais serão irrelevantes e os mecanismos de
controle, repressão, e depressão da atividade filosófica em geral pouco ou nada
vão interferir no andamento desta história. E tenho a firme esperança de que o
eruditismo, como aponta Casanova – o tradutor da obra de Gunter Figal acima
citada, usando um aríete de Nietzsche, em seu belo comentário na entrevista a
seguir, não vai acabar, mas vai reduzir sua margem de influência e talvez nos
ajudar na libertação ou em uma emancipação filosófica como disse ao início.
Libertação que torne a verdade possível e os limites do conhecimento mais
aceitáveis e melhor pensados Vou citá-lo
aqui para encerrar:
M.A. Casanova: “O
importante é saber, a princípio, o que o Nietzsche critica no eruditismo. A
grande crítica do Nietzsche ao eruditismo é exatamente a ausência de perspectivas
orientadoras na interpretação. O grande problema do erudito é que ele padece da
falta de princípio de seleção. O erudito é alguém que se dedica a alguma coisa,
que controla enormemente alguma coisa, mas que é incapaz de se apropriar daquela
coisa de uma tal forma que ele possa, a partir dali, dar voz a uma nova forma
de vida. Ou seja, a uma nova
configuração, a um novo modo específico de realização do pensamento. Neste
sentido, vale para o erudito aquilo que o Nietzsche diz na Segunda Intempestiva:
"Um fenômeno completamente compreendido é inútil para aquele que o compreendeu".
Por que é inútil? Porque depois que você compreende completamente um fenômeno,
você já não tem mais condição alguma de se apropriar dele. Para que você tenha uma apropriação, é preciso que de
certa forma você faça injustiça ao fenômeno, é preciso que você dê a ele uma
voz que não é só dele, mas que é sua também. Neste sentido, o Nietzsche está
falando sobre o problema da autonomização dos processos interpretativos. Da
pressuposição de que é possível reconstruir a verdade de um fenômeno alijando,
excluindo por completo, a intepretação propriamente dita, o exercício
interpretativo, as apropriações dos fenômenos. Isso não é alguma coisa que diz respeito apenas à avalanche de saber
histórico no final do século XIX, não é um privilégio dos eruditos do século
XIX. Diz respeito também ao mundo contemporâneo, à transformação, por exemplo,
da informação na essência do conhecimento. Diz respeito também a isso que nós
vemos hoje: à tendência cada vez maior da informação ser pensada como o caráter
propriamente dito do conhecer, o estabelecimento de um contexto em que conhecer
é poder, de algum modo, determinar coisas que podem ser Entrevista comunicadas.
O que você tem na compreensão da essência do conhecimento como informativa é uma radicalização da situação
que o Nietzsche quer criticar. Ou seja, a radicalização da ideia de transmissão de
conhecimento. O problema disto é que parece que tem alguma coisa que se
conhece, e uma coisa que independe daquele que conhece. Isso é uma forma de
você perder de vista a essência do próprio acontecimento interpretativo. Toda
vez que você tem algo assim, você tem o risco de autonomização dessas
estruturas em relação às possibilidades vitais que aparecem com elas. Nós estamos
passando por um momento em que a situação da crítica ao eruditismo pode ser radicalizada
na crítica a essa pulverização de atividades que têm no seu cerne o mesmo caráter
que é o caráter da erudição. Não há mais eruditos hoje. Não há mais aquele que conhece
realmente de maneira descomunal não apenas uma coisa pontual, mas todo um conjunto
específico de fenômenos. Ao mesmo tempo, você tem uma pulverização infinita dos
mesmos tipos de elementos componentes. O que você tem em um artigo hoje não é
uma expressão de erudição, é exatamente como a erudição, desprovido desse princípio
interpretativo fundamental que torna possível para você, por exemplo, pensar em
configurações vitais que surgem a partir daí. Acho que esse é o grande problema
da erudição.” CASANOVA, M. Ensaios Filosóficos, Volume III - abril/2011. - link: Entrevista Marco Antonio Casanova - ENSAIOS FILOSÓFICOS - ABRIL 2011
P.S. fiquei pensando em algo agora....ao reler este plano com suas notas: TODO MEU ESFORÇO é dedicado - na verdade - não a mudar um modo de um pensamento ou outro, ou a criar um pensamento novo, mas a lutar contra o ABANDONO DA REFLEXÃO....e Hannah Arendt tem razão mais uma vez...ao esquecimento da questão do ser corre paralelo o abandono do pensar...ou da reflexão...o primeiro é um fenômeno ou aparência do que o último é a razão ou causa...e isto é o que aprisiona o filósofo...urge emancipar-se ainda mais do que antes...:
P.S. fiquei pensando em algo agora....ao reler este plano com suas notas: TODO MEU ESFORÇO é dedicado - na verdade - não a mudar um modo de um pensamento ou outro, ou a criar um pensamento novo, mas a lutar contra o ABANDONO DA REFLEXÃO....e Hannah Arendt tem razão mais uma vez...ao esquecimento da questão do ser corre paralelo o abandono do pensar...ou da reflexão...o primeiro é um fenômeno ou aparência do que o último é a razão ou causa...e isto é o que aprisiona o filósofo...urge emancipar-se ainda mais do que antes...:
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