"Embora com nomes diversos, os
intelectuais sempre existiram, pois sempre existiu, em todas as sociedades, ao
lado do poder econômico e do poder político, o poder ideológico, que se exerce
não sobre os corpos como o poder político, jamais separado do poder militar,
não sobre a posse de bens materiais, dos quais se necessita para viver e
sobreviver, como o poder econômico, mas sobre as mentes, pela produção e
transmissão de idéias, de símbolos, de visões de mundo, de ensinamentos
práticos, mediante o uso da palavra (o poder ideológico é extremamente
dependente da natureza do homem como animal falante). Toda sociedade tem os
seus detentores do poder ideológico, cuja função muda de sociedade para
sociedade, de época para época, cambiantes sendo também as relações, ora de
contraposição ora de aliança, que eles mantêm com os demais poderes."
In: BOBBIO, Norberto.Os
intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade
contemporânea. São Paulo: Editora UNESP, 1997. p.11
Tudo
bem amigo Jorge, isto não refuta tua objeção à existência de uma elite
intelectual que é ainda assim uma questão importante. Eu fiquei curioso com teu
argumento sobre a inexistência de elites intelectuais e aqui quero só pontuar
algumas coisas como exemplos de uma análise geral deste tema, porque sinceramente
eu desconhecia argumentos contrários a existência de uma elite intelectual e, também, porque é um tema que sempre me atraiu e que com tua provocação me coloquei a tarefa de refletir livremente sobre ele de novo. Me
dedico a ele, também, por uma necessidade de abordá-lo por diversas outras
razões de minha biografia e formação.
Não
sou um especialista neste grande tema das ciências humanas, que foi
praticamente tocado por todos os grandes pensadores no século XX. A lista deles
é notável. Talvez isto explique porque eu desconheça esta discussão sobre a
existência de tal coisa também. Porém conheço, por outro lado, muitos trabalhos
e discussões interessantes sobre elites, elites intelectuais e intelectuais em
geral e destes já conheci muitos trabalhos notáveis, inclusive.
Confesso
também que é um tema que me atrai, por conta do papel que a gente também acaba
assumindo na sociedade quando se participa politicamente de debates, quando se
formulam propostas e criticas também e se faz isto assumindo posição naquilo
que chamamos de espaço público. Seja através de artigos em jornais, postagens
no Facebook, no Orkut um dia, em Blogs diversos ou no meu blog próprio. A cada tomada de posição por mais simples que
ela te pareça estamos entrando num debate em que se encena também uma disputa de
hegemonia e de ideologia, estamos professando concepções de forma mais ou menos
consciente, dependendo da forma como olhamos para as idéias e do respeito que
temos pela importância delas e também dependendo da nossa consciência à
respeito das suas origens e de suas conseqüências.
Assim,
o papel de intelectual é exercido primariamente no debate público. Papel este que se desempenha
correntemente, na medida em que se adquire por formação regular – e isso vale
para todos nós que avançamos nos estudos até o ensino superior ou no mínimo
técnico - um conjunto de conhecimentos técnicos ou culturais, científicos ou de
trabalho e se aplica estes conhecimentos ao debate. Estes conhecimentos que nos habilitam a tratar das questões de uma
forma mais racional e precisa ou racionalizada e eficaz nos colocam por assim
dizer acima da média, mas somente quando os expomos publicamente e sofremos, por assim dizer, o juízo e o julgamento de outras opiniões e outros debatedores.
Mas
não basta ter opinião, conhecimento, ciência, técnica, arte ou formação, para
ser considerado intelectual, é necessária certa atuação pública, é necessário
expor-se publicamente. Ou seja, não basta ter seu lugar na academia ou ter
qualquer prestígio acadêmico ou profissional para ser considerado um
intelectual, é necessário explicitar certa tomada de posição, a expressão de uma opinião pública
ou de uma posição a respeito de assuntos públicos e sociais.
Sejam
eles polêmicos ou aparentemente consensuais. Segundo a maior parte dos
historiadores que examinam a história das idéias e a história dos intelectuais,
o termo intelectual surge por volta de 1898 por conta dos debates originados no
caso Dreyfus, quando Emile Zola e outros tomaram posição pública contrária à
prisão deste tenente francês. O artigo inaugural para esta expressão e
exposição de uma posição intelectual é J’accuse
de Emile Zola, e a designação de
intelectual foi dada positivamente por Georges Clemenceau quando este ainda era
um jornalista e agitador político do cenário cultural francês, antes de vir a
ser eleito alguns anos depois senador e primeiro ministro.
Mas é polemica também sua dimensão e polaridade porque também outros usavam o termo pejorativamente à época no sentido de que “estes intelectuais estavam ou estariam se metendo em assuntos que pouco dominam”, como foi o caso Dreifus, em que um oficial era acusado de traição. Isto, aliás, é corrente ainda hoje quando se percebe que alguns argumentam contra o uso de teorias ou de argumentos teóricos, em prejuízo de uma simplificação ou de um tratamento eminentemente prático. Tive muitas experiências de ser acusado de estar teorizando ou de testemunhar esta acusação vã. Mas sempre lembro que boa parte das argumentações de cunho mais teórico acabam dando mais robustez ao debate.
Mas é polemica também sua dimensão e polaridade porque também outros usavam o termo pejorativamente à época no sentido de que “estes intelectuais estavam ou estariam se metendo em assuntos que pouco dominam”, como foi o caso Dreifus, em que um oficial era acusado de traição. Isto, aliás, é corrente ainda hoje quando se percebe que alguns argumentam contra o uso de teorias ou de argumentos teóricos, em prejuízo de uma simplificação ou de um tratamento eminentemente prático. Tive muitas experiências de ser acusado de estar teorizando ou de testemunhar esta acusação vã. Mas sempre lembro que boa parte das argumentações de cunho mais teórico acabam dando mais robustez ao debate.
É
importante frisar aqui que este conceito ou categoria surge também com um
debate feito via folhas de jornal, revistas ou panfletos que tinham incidência
sobre a opinião pública e que isso gerava debate na sociedade sobre este ou
aquele tema. E penso que isto é importante porque contribui para dar forma a
opinião pública e a opinião das gentes sobre diversas assuntos e está também
ligado ao surgimento de um espaço público realmente democrático também com
ampla e plena liberdade de opinião.
A
Elite Intelectual é somente prima facie
uma categoria usada para discernir melhor tipos de intelectuais e famílias de
intelectuais em níveis de intervenção. Haveria assim intelectuais com baixa
repercussão e intervenção e intelectuais de largo impacto o que define
pertencer a esta elite. Assim, a sua capacidade de incidir nos debates e seu
poder de persuasão marcariam o pertencimento a elite intelectual. A explicação que encontrei para isto, esta
mudança de nível e de impacto, é de que é um substituto ao conceito de Marx de
classe dirigente, porque daria conta da dimensão reflexiva desta classe ou de um
extrato desta classe que elabora sobre a tal uma certa direção da mesma, mas é preciso diferenciar aqui, porém, espaços de debates dentro de uma classe dirigente e espaços de debates no espaço público.
Isso
significa também que pertencer à elite intelectual não é sinônimo de defender
as mesmas idéias ou que a elite intelectual não é homogênea em pensamento não.
Ao contrário, um conflito intelectual também se dá dentro de uma elite
intelectual. E mais frequentemente há grandes e intensos conflitos intelectuais
e ideológicos no meio de uma elite intelectual. E, em geral, estas disputas
geram facções dentro desta classe dirigente. É exemplar o que ocorrem nas
revoluções das quais temos conhecimentos em que frações políticas se formam sob
a direção de certas lideranças que somam aspectos intelectuais e retóricos,
ideológicos e pragmáticos.
Raramente
verás um intelectual deste tipo “elitista” debatendo em registro inferior
aquele que ele julga possuir, com a plebe então nunca o verás. Ele em geral é
seletivo e faz escolha de seus adversários e de suas prioridades de debate. Mas
também existem intelectuais que não pertencem a uma determinada elite. Aqueles
que se constituem na vida sem muita direção cultural ou formação regular. Isso,
esta condição inferior, pode ser algo permanente, mas pode mudar por avanço
social ou na carreira acadêmica, política ou profissional. Mas, também, pode
mudar por protagonismo próprio e assertivas
decisivas ao longo de suas tomadas de
posição. Em todo caso, como eu já disse vamos ter que ver na prática – ou seja,
através de exemplos de aplicação e não como quimeras ou arquétipos de
generalidade – usando tua expressão, se esta categoria é dispensável ou não.
Uso
ela – e imagino que a maioria que a usa compreende mais ou menos desta forma –
porque preciso discernir certos papéis desempenhados por intelectuais, bem
como, suas relações sociais e com o status
quo. Assim, como outros que estudam
a história, a cultura e a política também usam esta categoria.
Disse
também que considero tua pergunta importante porque ela vem de onde vem. Talvez
você possa ou deva me explicar um pouco mais sobre o que te levou a questionar
isto. Isto é, apor um argumento sobre isto.
Ora,
pelo que sei és um Arquiteto com militância intensa na defesa do patrimônio
histórico e cultural, seja ele material ou imaterial, por suposto.
Você
fala em definições ou arquétipos genéricos no sentido de que referem a algo
inexistente então. Mas tem um traço importante nestas definições e nestas generalidades
das quais você fala: muitos cientistas classificam as coisas fazendo exatamente
isto, diferenciando-as de outras, por suas funções, modos de ser e etc.
Assim,
comparativamente, como os arquitetos ou historiadores da arte diferenciam
correlatamente estilos e escolas estéticas.
No
ano passado, por exemplo, para ficar no caso dos gaúchos, naquela pesquisa
sobre a praça tive uma experiência de descoberta interessante sobre este tema.
Acabei encontrando e me defrontando com uma função típica daqueles que são
membros das elites intelectuais gaúchas no início do século. E há inclusive um
trabalho interessante sobre isto que descobri do professor Sérgio da Costa
Franco. As elites intelectuais cumpriam uma função importante que era de
sustentar a ideologia positivista ou republicana via revistas e imprensa em geral. Parte do prestígio
de Getúlio Vargas, para ficar só num exemplo, se constituiu através da Revista
do Globo que foi criada e dirigida em seu início por Mansueto Bernardi – aquele
ex-prefeito de São Leopoldo (1919-1923), o qual foi sucedido por Érico
Veríssimo na direção da Revista do Globo e na Editoria da Editora Globo, quando
Mansueto segue para a direção da Casa da Moeda após a revolução de 30.
Muitos
destes intelectuais de elite cultural faziam isto com empregos públicos ou
assessorando políticos. E isso certamente ainda ocorre hoje de uma forma
semelhante, ainda que seja mais comum se ter certa independência maior nos dias
de hoje, através dos concursos públicos. Ainda que isto seja mais especializado
e de certa forma caiba a parte mais visível disto mais aos atuais jornalistas e
assessores de imprensa, não é invisível a relação de organicidade entre
diversos intelectuais e partidos e organizações políticas.
Eles
– os jornalistas - são e tem sido mais visíveis ao fazerem isto e não mais
tanto aos típicos intelectuais. Mas me parece que isto tende a mudar com o uso
mais intenso de redes sociais e debates de opinião nas redes sociais. Muitos são
pessimistas com isto, mas eu tendo a ser bem mais otimista e vejo em blogs e
outros meios grandes debates. Até mesmo no Twitter ocorrem debates e divulgação
de idéias e links que levam para debates e penso que isto está democratizando
também o acesso e os espaços para a opinião também. Ainda que a visibilidade
disto seja mais difícil de tomar eu discordo dos pessimistas neste tema. Bem se
isto estiver certo talvez o conceito de elite intelectual tenha que ser mais
alargado, posto que não haverá mais espaço para uma estreita parcela de
intelectuais de elite como formadores de opinião, posto que aumenta o seu número
e também a diversidade de assuntos tratados. Talvez neste sentido deixe de
existir uma categoria tradicional de elite intelectual e tenhamos que criar
outra categoria que me parece ser a de ativistas.
Por
outro lado, creio que há uma fantasia por trás das redes sociais de que as
redes sociais estariam fazendo algo exclusivamente novo e isoladamente das
velhas categorias de circulação dos intelectuais como a política tradicional e
representativa. Sinceramente não creio nisto. Mas se você raspar a camada
superficial dos discursos dos políticos vai encontrar intelectuais envolvidos
em debates e em formulações deles. Acadêmicos, PHDs, Pesquisadores, Escritores,
e Pensadores em geral de diversas ciências fazendo este trabalho de conceber,
sustentar e legitimar-se enquanto elite e enquanto uma elite portadora de um
projeto de sociedade. Não podemos dizer também que não existem muitas elites
intelectuais nas redes sociais, inclusive com diferenças ideológicas entre
elas. Pelo menos eu as observo claramente por me ocupar com isto a partir de
uma vida orgânica partidária e também a partir do meu intercâmbio com a
academia e de certa forma com intelectuais de outros partidos também. Vejo isso
com certa simplicidade. Assim como você se ocupa com o tema do patrimônio
Histórico e conhece diferentes intelectuais, profissionais e pessoas com
formulações sobre ele, algumas das quais inclusive você pode discordar, mas que
compartilham com você de debates e de pontos de acordo em comum, também vale
isto noutros domínios e assuntos.
Creio
que este tema do patrimônio histórico com o qual me envolvi intensamente como
tarefa de gestor e também de elaboração, concepção e pesquisa, nestes últimos
dois anos e que me foi apresentado pelos membros do COMPAHC - Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural e também por você e pelo
pessoal da Defender, não é um tema simples. Sei que não é uma questão sobre a
qual se discute de uma forma simples e, desta forma, posso dizer que ele também
é um tema que requer uma elite e um conjunto de intelectuais que o dominem para
ser tratado. O que ultrapassa a mera simpatia pela causa, pois envolve mesmo
efetivamente todo um ramo de conhecimento e de especialidades que não é
simplesmente apreendido pelo leigo como eu.
Tuas
perguntas sobre como definir a categoria de elite intelectual, quem a integraria,
o que faz e o que pensa, me parecem ter sido tocadas já aqui e envolvem de fato
a necessidade de avançar para dentro da pesquisa e ultrapassar as opiniões
sobre haver uma instituição ou não desta classe ou categoria.
Sobre
as elites intelectuais há, também, toda uma área de investigação sobre este
tema que fica limítrofe à sociologia, história, história das idéias,
literatura, estudos culturais, ciência política, e são pesquisas muito
interessantes porque falam sobre esta categoria dos intelectuais e suas
diferenças enquanto elites também.
Por
fim, para não deixar de filosofar um pouco mais.
Talvez
tenhamos ai a dificuldade clássica que se estabelece com a diferença entre
predicados de objetos e predicados de famílias de objetos.
Elite
Intelectual não refere a um objeto em sua homogeneidade, mas sim a uma família
de objetos cada vez mais diferenciados e que é, como tentei expor antes, cada
vez mais democrática.
Talvez
por isto esta aparência de quimera ou de artificialidade nos dê na telha.
O
nosso uso da palavra arquétipo, por outro lado, somado à generalidade já nos
traz problemas de outra ordem.
Nos
leva para a pergunta de se existe uma figura clássica e representativa de Elite
Intelectual, que creio que não.
Este
tipo sequer é necessário para reconhecer a existência de uma elite intelectual
mais ligada a um espaço de atuação e circulação de idéias, que é mais amplo do
que nunca e que há ai mais uma forma de atuação, do que propriamente um tipo
determinado de sujeito histórico.
O
que se preserva das figuras clássicas talvez seja o engajamento e a persistência
no debate, mesmo quando ele pareça encerrado.
E
eu gosto de sempre anotar ao final de um debate destes é se você alcançou ou construiu
suas posições com o propósito de produzir uma mudança social qualitativa e não
apenas exibir sua verve retórica ou entabular um debate.
PRIMEIRA VERSÃO PUBLICADA TAMBÉM NO BLOG DO NASSIF: A QUESTÃO DA EXISTÊNCIA DE UMA ELITE INTELECTUAL ATUAL
Agradeço ao Jorge Luis Stocker Junior por ter suscitado estas notas de uma discussão comigo mesmo.
PRIMEIRA VERSÃO PUBLICADA TAMBÉM NO BLOG DO NASSIF: A QUESTÃO DA EXISTÊNCIA DE UMA ELITE INTELECTUAL ATUAL
Agradeço ao Jorge Luis Stocker Junior por ter suscitado estas notas de uma discussão comigo mesmo.
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