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domingo, 9 de março de 2014

SOBRE O GRANDE LEBOWSKI: PARA O AMIGO CESAR DOS SANTOS

Estava assistindo em conta-gotas e com muita parcimônia O Grande Lebowski, por conta das minhas agendas de aulas, afazeres domésticos e compromissos familiares e externos nesta curta semana de enterro dos ossos, quarta feira de cinzas e carnaval, não necessariamente nesta ordem.

Me coloquei de fazer esta venturosa revisita a este filme depois de uma dica do Cesar Schirmer (o filósofo e amigo) que comemorou o aniversário de 16 anos do filme estes dias. E sou daqueles que sigo certas intuições e vou lá ver qualé. Pois foi bem legal porque deu para pensar e rir bastante e olhar de uma perspectiva diferente para certas coisas desta vida.

Se eu me desse ao trabalho de comentá-lo com mais vagar, ligando certas pontas soltas do filme, fazendo digressões e conexões com outros filmes, creio que daria um bom ensaio sobre temas que me parecem incidentais nele e outros temas que parecem essenciais e bem originais nele. Na lista de temas do verbete da Wikipedia  e dos que fiz aqui rapidinho você já pode ter uma idéia fácil disto: 1. O SLACKER,  o homem relaxado e desleixado; 2. O Dudeísmo, ou o CARA, como religião e como forma de ser do homem comum e prosaico; 3. O engano de identidades e a homonímia que gera as vezes algumas belas confusões que na vida real parecem peças de ficção; 4. O confronto entre o miserável e o milionário, lembra o primo rico e o primo pobre figura clássica da comédia de costumes brasileira e universal em que o desprezo e a indiferença mudam os papéis e posições de ambos; 5. O seqüestro de mentira em busca do dinheiro para saldar dívidas absurdas; 6. A grande missão de libertar ou resgatar alguém que não vale a metade do esforço; 7. Os desvios de rota, roteiro e a falibilidade dos planos; 8. a competição do boliche com adversários caracterizados e as manhas e estratégias de amedrontamento, bem como, os desarmes disso; 9. O neurótico agressivo e suas crises de raiva que botam tudo a perder; 10. o shabbat de mentira da personagem de Goodmann; 11. O alienado da paz; 12. a cobrança temerária e insegura de um aluguel do inquilino; 13. A apresentação de dança do locatário e a cena sem sentido e anacrônica; 14. A competição entre desiguais; 15. As técnicas de pintura e a personagem libertária de Julianne Moore; 16. O riso cínico e non sense; 17. A busca do dinheiro e a ganância; 18 a voz e a percepção da diferença; 19. O saudosismo de um tempo que não existe mais; 20. assinar a primeira versão de um manifesto desconhecido; 21. As idiossincrasias de muitas ou todas as personagens, nenhum deles parece ser real ou compreender o mundo, me veio a imagem de ratos andando em um labirinto quando dei uma visada no todo do filme, com encontros e desencontros; 22. As sequências de fantasias e sonhos de Dude; 23. A fusão de um desempregado convicto num hippie anacrônico que só busca seu próprio ócio e prazer; 24. A metáfora do boliche e do último pino; 25. A despedida dos que morrem, suas cinzas e os discursos e associações sem sentido perante a morte e o desaparecimento; 26. A tremenda e maravilhosa importância de um tapete para um homem, para uma casa e para cada um de nós; 27. O rapto da esposa caloteira, Helena de Tróia e toda a guerra que se segue disto; 28. A banda Autobahn,  que me fez ouvir e rever Kraftwerck, com o que andávamos de skate nos anos 80; 29. A guerra do Iraque e os bonbardeios cirúrgicos e todo aquele papo de Saddan Hussein, o malvado – aquela estupidez tem relação direta com o que a Al Qaeda faz depois; 30. E o tema mais interessante – cômica e filosoficamente falando - que são os Niilistas desolados e coitados, que parecem terem contraído uma doença da alienação no mundo e serem destinados a infelicidade; 31. O espelho do homem do ano da Time é maravilhoso em diversos sentidos, porque mostra que qualquer um visto sob certa perspectiva pode ser o homem do ano, e este é apenas um dos detalhes e souvenirs digamos assim que se destacam; 32. E enfim a casa e o produtor de pornôs e a arquitetura modernista da casa do produtor de pornôs, bem como, a miséria dos roteiros dos filmes pornôs que mostra um debate sem sentido sobre sexualidade, liberdade sexual e outros fetiches e xistes bem típicos daquela época dos anos 90; 33. A procura do carro e a quebra do carro zero por um impulso furioso; 34. A prova de sociologia do menino com as correções à caneta vermelha; 35. O escritor de série Cult que está vivendo por aparelhos e  recebe ainda devoção do amigo de Dude; 37. O investigador e admirador de Dude naquele fuça e que constata que Dude “enganou todo mundo”. Poderia desfiar aqui mais uns 20 itens de discussão semiótica, simbólica e irônica.  E enfim a questão do tempo, que nos aparece com o cowboy narrador...o que sugere que estamos em um faroeste dos tempos modernos e que nosso herói é somente mais dos Imperdoáveis homens do nosso tempo miserável e danado. Para não falar nada de Bukowski ao fundo e no bastidor fundamental deste filme. Eu fico imaginando as cenas cortadas deste filme pelo universo no entorno da grande personagem de Jeff Bridges.                   

Me parece, então, um filme panorâmico e provocativo para se pensar a condição cultural do anos 90, não somente nos Estados Unidos, Califórnia, Venice ou Los Angeles de então, ou seja, ele transcende a questão regional americana e joga no espaço daquilo que alguns chamava de espaço imaginário da pós modernidade.  Ele me parece também mostrar – e atentar aqui para a eclética trilha sonora para isto - a grande dissonância entre o velho e o novo naqueles meados dos anos 90 e mais ainda sobre certas temáticas non sense que o irmãos Ethan e Joel Coen  apresentam. Isso também me parece acompanhar e comparecer também em filmes de Jim Jarmusch, Quentin Tarantino, Almodóvar e outros naquele mesmo período.

O dudeismo é algo tributário também disto: na falta de uma teoria, então deixa prá lá Dude...Que é meio que a doutrina dominante nos dias de hoje.


 A cada cena me dou conta o quanto sou feliz e como vejo graça em coisas banais e simplórias e como podemos rir das pessoas da sala de jantar e das pessoas que se levam a sério demais, sem serem sérias...o filme me parece permitir a construção de narrativas diferentes sobre a personagem principal e mostra como um sujeito cuja condição singular é mínima pode ser interpretado com graça e leveza. A maior parte das situações são inacreditáveis e absurdas, mas o filme mostra um pouco isso também como o inacreditável e o absurdo ronda de fato nossas vidas. 

Além disso, o quanto a realidade é falseada por clichês e estereótipos vazios de tal modo que algumas pessoas realmente parecem habitar personagens irreais e devem se sentir impotentes a aprisionadas à eles. Não precisa ser um velho hippie ou junkie viciado em boliche para entender isso.    

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