EXPECTATIVAS E LIBERDADE
É uma doutrina libertária muito
admirável. Se aplica corretamente em muitas áreas da vida. Demora para ser
aceita nas áreas em que a sua regência deveria ser adotada e reconhecida. Me
parece que a lição fundamental não é não esperar, mas sim não esperar demais.
Mas mesmo assim os seres humanos
sempre tentam esperar mais, desejar mais, desejar ir além dos limites e dos
seus domínios. Isso parece um impulso vital e existencial. Podemos ter
consciência dele e aceitar seus limites, mas na ordem do desejo, da vontade e
da liberdade, precisamos aprender a lidar com ele como o arqueiro ou arqueira
que se prepara para lançar suas flechas ao alvo ou aos céus para saber como ele
acerta ou até onde ele alcança. Assim, as expectativas ou boas esperanças são
nossas flechas lançadas ao futuro que desafiam nossos limites e dos demais e
desafiam o inexorável andar do tempo. Nós persistimos nesses lançamentos. E
fazemos muitas coisas nas nossas vidas através deles.
Uma das razões para isso é aquilo
que Nietzsche chamava de vontade de poder. Outra é o desafio de todo ser humano
com cérebro de escapar do destino, dominar sua própria vida e permanecer
capitão da sua alma com esperança no futuro. Todos nós lidamos com o
imponderável e a incerteza, mas alguns de nós ousam prometéicamente
"roubar o fogo dos deuses" e ter uma vida para além do animal. Alguns
de nós tem pretensões existenciais para muito além de sua vidinha. Alguns de
nós não ficam esperando acontecer. Alguns de nós, mesmo com muita paciência e
sabedoria, fazem uso disso para fazer História. E o fazem. Inclusive, o próprio
Osho o fez.
O ser humano almeja a totalidade
do mundo e alcançar pela sua vontade e escolha a totalidade da sua existência.
Sabemos que é difícil. Sabemos que é um grande desafio de xadrez com a morte e
com a vida que não é vida, mas tentamos mesmo assim. Este impulso move milhões
de seres humanos que tem esperança apesar de tudo, apesar de você, apesar do
destino e do medo e consciência culpada de muitos outros. A vida quer da gente
é coragem. Coragem para viver, para sonhar, para amar e para mudar o mundo.
Claro que dessa forma não se trata mais de uma expectativa. É aquilo que John
Lennon chamava de um sonho coletivo que vira realidade.
Nesse ponto, essa perspectiva é
apenas aquela que torna possível construir uma outra vida, uma vida alternativa
e tornar um outro mundo possível. E isso vai sendo construído da vida privada a
vida coletiva, da intimidade a sociabilidade mais alargada, da perspectiva de
uma ética pessoal e de uma política social. E eu tenho certeza que quando se
constrói isso, se constroem também melhores expectativas, se constroem
fraternidade e solidariedade entre os seres humanos. Se ergue uma nova rede de
laços sociais, políticos e afetivos sob uma nova forma e modo. Nessa forma
temos compromissos. Não largamos as mãos de ninguém. Lutamos juntos e vivemos
juntos de uma grande família cujas fronteiras são muito mais largas que as
sanguíneas. Cujos horizontes ultrapassam os limites da Cidade, do Estado e de
um País. Ultrapassamos o território e tentamos sim transcender nossa banal
existência no tempo e no espaço.
Então, parece importante a lição
do Osho, quase como a escada de Wittgenstein, depois de subir por ela a uma
outra perspectiva ou patamar, você deve jogar ela fora. E fazer isso é desafiar
os limites do nosso destino, das fatalidades, das fraquezas humanas, do medo e
da insegurança. E é também libertar e ser livre em cada um de nós da regra de
submissão e aceitação passiva deste mundo. É decidir que esse mundo não será mais
governado pelos mortos ou pelo passado, nem pelo medo e nem pelo terror.
O resto é o silêncio.
P.S.: Este meu texto toca
superficialmente em muitos pontos. Precisamos pensar também que a negação das
expectativas é da essência do comodismo e do conformismo. O concordino fica
preso num horizonte existencial encurtado, sem perspectiva temporal aberta.
Para dizer como Heidegger, ele se dobra ao destino e fica sem projeto. Na
verdade, eu acredito que estou lidando aqui com uma atitude típica em uma comunidade
de gente que adora dizer algo como: Ah, não vamos ter expectativas.
E por conta disso fica se
lamuriando e se lamentando porque as coisas não mudam ou porque nada de melhor
aparece ou acontece sob o sol. Esse pensamento te leva a não fazer ou esperar
coisa alguma. Daí não votam em eleições, anulam o voto, votam em branco. Daí
não fazem escolhas e nem apostas e não correm mais nenhum risco. Daí não
escolhem um caminho e uma direção e no meio da vida ainda não tomaram uma
decisão. Tem que brigar com eles? Creio que não. Temos que mostrar esse
complexo, exibir sua nuance temerária ou arrependida, seu saudosismo passadista
– um dia a vida era assim – superar a saudade e a nostalgia, superar o final
infeliz das utopias. Romper com essa casca de passividade e falta de construção
do futuro. Ousar violar a casca dessa humildade acovardada e ajoelhada. Entendermos
que se protegendo dentro da casca do caramujo, ficar encaramujado, não vai resolver
mais nada mesmo. Desacomodar esse sujeito. Nessa postura o pintinho que não sai
pro mundo. E é assim que tá bem bom para um bando bem grande de barbados. E se
entender que há muito tempo pela frente, que não há porque pensar que se lá
atrás tiveram sonhos, que hoje não possam mais ter sonhos. Abandonar a
perspectiva e a postura que o Raul Seixas designou “sentado num apartamento com
a boca cheia de dentes esperando a morte chegar”. Fazer esse povo “sair da
casinha” porque se é um risco de ilusão tentar fazer alguma coisa, e de fato o
é, ficar se protegendo nas casinhas sem fazer nada sem ter nenhuma ação
política é um risco maior ainda. Essa covardia passiva precisa ser apontada. Que
não adianta e que não tem que ter nenhuma intervenção no mundo. Esse Bicho
acomodado, precisa acordar e se libertar do conforto de suas crenças. Se não
ele fica nessa de “não tenho expectativas.”
Aí sai isso, como um slogan ou um
refrão consolador: Não podemos ter mais nenhuma expectativa. As expectativas
são frustradas e é claro que ele ou ela não quer aprender a frustrar
expectativas e a lidar com elas. O problema não é que a expectativa é irreal,
mas que essa expectativa é efetivamente idealizada. Que a expectativa é
frustrada em determinado curso de ação e não agir em relação a ela para além do
que ele entende.
Então, tem uma questão bem
fundamental aí, uma questão existencial e eu vejo muita gente dentro disso,
aprisionada nisso. Quando as pessoas começam escapar dessa expectiva frustrada por
conta de uma excessiva idealização, você começa a olhar para as coisas de forma
prática. E olhar de forma prática, é começar a olhar melhor para o horizonte do
possível. E começa a se perguntar o que fazer. Como é que a gente vai fazer pra
destruir ou derrotar esse pesadelo que vivemos? Ou para disputar o poder e não
sofrer mais esse tipo de exercício de poder. Vamos parar de ser governados por
esses bandidos e esse imbecis? Então, se eu não posso ter expectativa sobre
isso. O destino me venceu e isso é um comodismo covarde.
Este é um texto muito mais amplo
do que parece. Eu evito o jargão e a métrica filosófica e argumentativa
convencional. Porque estamos falando aqui com pessoas que precisam aprender a
ouvir suas próprias mentes desaprisionadas desse mecanismo de negação. Eu tento
compreender e tento ajudar elas a se compreenderem, não por soberba ou para
tentar impor algo. Mas porque esse desafio também é meu. Também tenho que me
confrontar com uma tentativa de ficar sem expectativas. Essa perspectiva é
muito sedutora de fato. Porque parece te eximir da construção do futuro e das
responsabilidades com o presente. Ela envolve justamente a conexão entre um
projeto pessoal e um coletivo. Justamente essa conexão que é negada pelo
desengajamento que é produto desse espancamento dos projetos. É também um
probleminha mais complexo do que parece. Não dá para ser doutoral aqui. Seria
um despropósito. Até porque a forma doutoral não atrai e não aponta diretamente
o coração da questão que envolve justamente essa perspectiva aberta, sem a qual
não se exerce a liberdade. A liberdade de não fazer nada e não esperar nada, é
apenas uma liberdade negativa.
Me parece que este texto é feito
e dirigido para um público bem específico com uma dimensão muito própria geracional
e cultural. Um dia ele vai ter uma versão mais argumentada e hardcore. É por enquanto
apenas uma tentativa de mostrar a escada. Creio que quem ler ele, vai entender
muito bem. Não precisa explicar tudo. É só ir lendo e refletindo. Entrar em desacordo
claro ou em acordo claro sobre o tema geral. Ele para mim parece estar muito
próximo do melhor que eu queria escrever hoje sobre esse tema. Alguns podem
olhar para esse tema, creio, a partir de uma certa perspectiva. Outros de
outras. Não acho que seja exatamente para você que já está em desacomodação.
Ele tem mais entrelinhas e subliminares do que parece a primeira vista. Se eu
derivar tudo deve dar umas 500 páginas de tese. A proposta é outra, é um texto
com um convite a caminhada. Não é um monumento. Começa num ponto e te leva até
outro. É um passeio. Então, vem comigo. No caminho eu explico ou tu me explica
melhor.
Osho é uma isca que eu mordi. Mas
é uma bela isca. Eu gosto muito dele. Não por concordar com tudo. Mas por que
sempre me fez pensar mais desde o primeiro contato.
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