Discurso de Lula no Congresso
Nacional do PT:
23 de novembro de 2019
Companheiras e companheiros do
PT,
Convidados de todo o Brasil e de
outros países,
Minhas amigas, meus amigos,
Esperei muito tempo para poder
falar livremente ao povo brasileiro. Esse dia finalmente chegou, e minha
primeira palavra tem de ser de agradecimento, pela solidariedade, pelo carinho
e pelas manifestações de quem não desistiu de lutar e vai continuar lutando
pela verdadeira justiça.
Durante 580 dias fui isolado da
família, dos amigos e companheiros, apartado do povo, mesmo tendo o direito
constitucional de recorrer em liberdade contra a sentença injusta e fraudulenta
de um juiz parcial. Um direito que somente agora foi proclamado pelo Supremo
Tribunal Federal, para todos, sem exceção.
Com as armas da verdade e da lei,
continuarei lutando para que os tribunais reconheçam, agora, que fui condenado
por quem sequer poderia ter me julgado: um ex-juiz que atuou fora da lei,
grampeou advogados, mentiu ao país e aos tribunais, antes de desnudar seus
objetivos políticos. Lutarei para que seja anulada a sentença e me deem o
julgamento justo que não tive.
Aos 74 anos de idade, não tenho
no coração lugar para ódio e rancor. Mas quem nesse país já sofreu a humilhação
de uma acusação falsa, por causa da cor de sua pele ou por sua origem social
humilde, conhece o peso do preconceito e é capaz de sentir o quanto fui ferido
em minha dignidade. E isso não se apaga.
Nada nem ninguém vai devolver o
pedaço arrancado da minha existência, mas quero dizer que aproveitei esses 580
dias para ler, estudar, refletir e reforçar meu compromisso com o Brasil e com
nosso povo sofrido. Voltei com muita vontade de falar sobre o presente e
principalmente sobre o futuro do Brasil.
Mas logo depois da minha primeira
fala, de volta ao sindicato onde passei o último momento de liberdade, disseram
que eu deveria ter cuidado para não polarizar o país. Que seria melhor calar
certas verdades para não tumultuar o ambiente político, para o PT não provocar
uma ameaça à democracia.
Vamos deixar uma coisa bem clara:
se existe um partido identificado com a democracia no Brasil é o Partido dos
Trabalhadores. O PT nasceu lutando pela liberdade durante a ditadura. Não
tentem negar essa verdade porque nós apanhamos da repressão, fomos perseguidos,
presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional por defender essa ideia.
Desde que foi criado, há quase 40
anos, o PT disputou dentro da lei e pacificamente todas as eleições neste país.
Quando perdemos, aceitamos o resultado e fizemos oposição, como determinaram as
urnas. Quando vencemos, governamos com diálogo social, participação popular e
respeito às instituições.
Outros partidos mudaram as regras
da reeleição em benefício próprio. Nós rejeitamos essa ideia, mesmo gozando de
uma aprovação que nenhum outro governo jamais teve, porque sempre entendemos
que não se pode brincar com a democracia.
Não fomos nós que falamos em
fechar o Congresso, muito menos o Supremo, com um cabo e um soldado. Em nossos
governos, as Forças Armadas foram respeitadas e os chefes militares respeitaram
as instituições, cumprindo estritamente o papel que a Constituição lhes
reserva. Nenhum general deu murro na mesa nem esbravejou contra líderes
políticos.
Não fomos nós que pedimos
anulação do pleito só para desgastar o partido vencedor; que sabotamos a
economia do país para forçar um impeachment sem crime; que sustentamos uma
farsa judicial e midiática para tirar do páreo o candidato líder nas pesquisas.
Não fomos nós os responsáveis,
ativos ou omissos, pela eleição de um candidato que tem ojeriza à democracia;
que foi poupado de enfrentar o debate de propostas, que montou uma indústria de
mentiras com dinheiro sujo, sob a complacência da mesma Justiça Eleitoral que,
desacatando uma decisão da ONU, cassou o candidato que poderia derrotá-lo.
São essas pessoas que agora nos
dizem para não polarizar o país. Como se polarização fosse sinônimo de
extremismo político e ideológico. Como se o Brasil já não estivesse há séculos
polarizado entre os poucos que têm tudo e os muitos que nada têm. Como se fosse
possível não se opor a um governo de destruição do país, dos direitos, da
liberdade e até da civilização.
Aos que criticam ou temem a
polarização, temos que ter a coragem de dizer: nós somos, sim, o oposto de
Bolsonaro. Não dá para ficar em cima do muro ou no meio do caminho: somos e
seremos oposição a esse governo de extrema-direita que gera desemprego e exige
que os desempregados paguem a conta.
Somos e seremos oposição a um
governo que rasga direitos dos trabalhadores e reduz o valor real do salário
mínimo. Que aumenta a extrema pobreza e traz de volta o flagelo da fome. Que
destrói o meio ambiente. Que ataca mulheres, negros, indígenas e a população
LGBT; ataca qualquer um que ouse discordar.
Somos, sim, radicais na defesa da
soberania nacional, da universidade pública e gratuita, do Sistema Único de
Saúde, público, gratuito e universal. Nós não somos meia oposição; somos
oposição e meia aos inimigos da educação, da cultura, da ciência e da
tecnologia. Nós não aceitamos mais censura, tortura, AI-5 e perseguição a
adversários políticos.
Andam negando essa verdade
científica, mas a Terra é redonda e nós estamos, sim, em polos opostos:
enquanto eles semeiam o ódio, nós vamos mostrar a eles o que o amor é capaz de
fazer por este país.
Companheiras e companheiros,
Já foi dito que o PT nasceu para
mudar o Brasil. E mudou. Porque trazemos na origem o compromisso com os
trabalhadores, com os mais pobres, com os que carregaram ao longo de séculos o
peso da exclusão e da desigualdade. Porque pela primeira vez fizemos um governo
para todos os brasileiros e brasileiras, e isso fez toda a diferença em nosso
país.
Se fosse para governar apenas
para uma parte da população, o Brasil não precisaria do PT.
Para o mercado decidir quem pode
e quem não pode se aposentar, quanto vai custar o gás de cozinha, o
combustível, a energia elétrica, visando somente o lucro, o Brasil não
precisaria do PT.
Se fosse para entregar ao
estrangeiro as riquezas naturais, o petróleo, as águas, as empresas que o povo
brasileiro construiu, o Brasil não precisaria do PT.
Se fosse para queimar a floresta,
envenenar a comida com agrotóxicos, deixar impunes crimes como os de Marielle,
Mariana, Brumadinho, ignorar desastres como o óleo no litoral do Nordeste, quem
precisaria do PT?
Para o filho do rico estudar nas
melhores universidades do mundo e o filho do trabalhador ter de largar a escola
pra sustentar a família, o Brasil não precisaria do PT.
Se é para alguns terem mansão em
Miami e muitos viverem debaixo do viaduto; para o rico ficar isento até do
imposto de herança e o trabalhador carregar o peso do imposto de renda, o
Brasil não precisaria do PT.
Para manter a mais escandalosa
concentração de renda do planeta Terra, para o rico continuar cada vez mais
rico e o pobre ficar cada dia mais pobre, aí mesmo é que o Brasil não
precisaria do PT.
Porque o maior inimigo do Brasil
hoje e desde sempre é a desigualdade, esse vergonhoso fosso em que 1% da
população detém 30% da renda nacional e para a metade mais pobre sobram 17%, as
migalhas de um banquete indecente.
Mas se este país quer superar a
chaga imensa da desigualdade, recuperar a soberania e o seu lugar no mundo, se
quer voltar a crescer em benefício de todos os brasileiros e brasileiras, o
Partido dos Trabalhadores é mais do que necessário: ele é imprescindível.
Esta é a enorme responsabilidade
que estamos recebendo. O Brasil nunca precisou tanto do PT. E o PT tem de ser
grande o bastante para corresponder ao que o país espera de nós. Tem de estar
unido, forte e cada vez mais conectado com o povo brasileiro.
Temos a responsabilidade de
renovar o partido, compreender o que mudou na sociedade brasileira nesses 40
anos e buscar as respostas para os novos desafios. Fomos forjados na luta em
defesa da classe trabalhadora.
O peso da injustiça recai hoje
sobre os motoristas de aplicativos, os jovens que perdem a saúde e arriscam a
vida fazendo entregas em motos, bicicletas, ou mesmo a pé. Os que não têm a
quem recorrer por seus direitos, porque a única relação de trabalho que
conhecem não é a carteira profissional, mas um telefone celular que ele precisa
recarregar desesperadamente.
Esse é o lugar que resta aos
deserdados de um modelo neoliberal excludente, cada vez mais desumano. Um mundo
em que o mercado é deus e em que a solidariedade deixa de ser um valor
universal, substituída por uma competição individualista feroz.
É com esse mundo novo que o PT
precisa dialogar, sem abrir mão de nossos compromissos históricos, mantendo os
pés firmes no presente e mirando sempre o futuro. Se as formas de exploração
mudaram, a injustiça e a desigualdade permanecem e são cada vez mais cruéis.
Temos de estar mais organizados, mais fortes, conscientes e mais decididos do
que nunca a construir um país mais generoso, solidário e mais justo. É por isso
que o Brasil precisa tanto do PT.
Companheiras e companheiros,
Salvar o país da destruição e do
caos social que este governo está produzindo não é tarefa para um único
partido. Fomos eleitos e governamos em aliança com outras forças do campo
popular e democrático. Por mais que tentem nos isolar, estamos juntos na
oposição com partidos da centro-esquerda e estamos com os movimentos sociais,
as centrais sindicais e importantes lideranças da sociedade.
Embora tantos tenham cometido
erros antes e depois dos nossos governos, é somente do PT que exigem a
autocrítica que fazemos todos os dias. Na verdade, querem de nós um humilhante
ato de contrição, como se tivéssemos de pedir perdão por continuar existindo no
coração do povo brasileiro, apesar de tudo que fizeram para nos destruir.
Preciso dizer algumas verdades sobre isso.
O maior erro que nós cometemos
foi não ter feito mais e melhor, de uma forma tão contundente que jamais fosse
possível esse país voltar a ser governado contra o povo, contra os interesses
nacionais, contra a liberdade e a democracia, como está sendo hoje.
Deveríamos ter feito mais
universidades do que fizemos, mais reforma agrária, mais Luz Pra Todos, mais
Minha Casa Minha Vida, mais Bolsa Família e mais investimento público.
Teríamos de ter conversado muito
mais com o povo e com os trabalhadores, conversado mais com os jovens que não
viveram o tempo em que o Brasil era governado para poucos e não para todos.
Também tínhamos de ter trabalhado
muito mais para democratizar o acesso à informação e aos meios de comunicação,
apoiado mais as rádios comunitárias, fortalecido mais a televisão pública, a
imprensa regional, o jornalismo independente na internet.
Antes que a Rede Globo me acuse
outra vez pelo que não disse nem fiz, não ousem me comparar ao presidente que
eles escolheram. Jamais ameacei e jamais ameaçaria cassar arbitrariamente uma
concessão de TV, mesmo sendo atacado sem direito de resposta e censurado como
sou pelo jornalismo da Globo.
Eu sempre disse que jamais teria
chegado onde cheguei se não tivesse lutado pela liberdade de imprensa. Hoje
entendo, com muita convicção, que liberdade de imprensa tem de ser um direito
de todos, não pode ser privilégio de alguns.
Não pode um grupo familiar
decidir sozinho o que é notícia e o que não é, com base unicamente em seus
interesses políticos e econômicos.
Entendo que democratizar a
comunicação não é fechar uma TV, é abrir muitas. É fazer a regulação
constitucional que está parada há 31 anos, à espera de um momento de coragem do
Congresso Nacional. É fazer cumprir a lei do direito de resposta. E é
principalmente abrir mais escolas e universidades, levar mais informação e
consciência para que as pessoas se libertem do monopólio.
Enfim, penso que teríamos de ter
lutado com mais vontade e organização, fortalecido ainda mais a democracia,
para jamais permitir que o Brasil voltasse a ter um governo de destruição e de
exclusão social como voltou a ter desde o golpe de 2016.
A autocrítica que o Brasil espera
é a dos que apoiaram, nos últimos três anos, a implantação do projeto
neoliberal que não deu certo em lugar nenhum do mundo, que vai destruir a
previdência pública e que ao invés de gerar os empregos que o povo precisa está
implantando novas formas de exploração.
A autocrítica que a democracia e
o estado de direito esperam é daqueles que, na mídia, no Congresso, em setores
do Judiciário e do Ministério Público, promoveram, em nome da ética, a maior
farsa judicial que este país já assistiu.
O mundo hoje sabe que, ao
contrário de combater a impunidade e a corrupção, a Lava Jato corrompeu-se e
corrompeu o processo eleitoral e uma parte do sistema judicial brasileiro.
Deixou impunes dezenas de criminosos confessos que Sérgio Moro perdoou e que
continuam muito ricos.
Como podem dizer que combateram a
impunidade se soltaram pelo menos 130 dos 159 réus que ele mesmo havia
condenado? Negociaram todo tipo de benefício com criminosos confessos, venderam
até o perdão de pena que a lei não prevê, em troca de qualquer palavra que
servisse para prejudicar o Lula.
Que ética é essa que condena 2
milhões de trabalhadores, sem apelação, destruindo empresas para salvar os
patrões acusados de corrupção?
Não tem moral, não tem autoridade
para discutir ética quem deu cobertura aos procuradores de Deltan Dallagnol e
Rodrigo Janot quando eles entregaram a Petrobrás aos tribunais dos Estados
Unidos, um crime de lesa-pátria que já custou quase 5 bilhões de dólares ao
povo brasileiro.
Temos muito o que falar sobre
ética, sobre combate à corrupção e à impunidade. Mas acima de tudo temos que
falar a verdade.
Meus amigos e minhas amigas,
Alguns professores de deus
defendem um modelo suicida de austeridade fiscal e redução do estado, que não
deu certo em nenhum lugar do mundo. Tiveram o apoio da mídia e das instituições
para culpar os governos do PT por tudo de ruim que havia no Brasil. Mentiram
que tirando o PT do governo tudo se resolveria, por obra do mercado e do ajuste
fiscal. E os problemas se agravaram ainda mais.
Os indicadores econômicos do
Brasil pioraram: a balança comercial em queda, a economia paralisada, setores
da indústria destruídos, o investimento público e privado inexistente, o rombo
nas contas aumentado irresponsavelmente por razões políticas. O custo de vida
dos pobres aumentou e as pessoas voltaram a cozinhar com lenha porque não podem
comprar um botijão de gás.
É preciso dizer umas verdades
sobre isso também.
A primeira delas é que o Brasil
só não quebrou ainda por causa da herança dos governos do PT. Por causa dos 370
bilhões de dólares em reservas internacionais que acumulamos e querem queimar
na conta dos juros. Por causa dos mercados internacionais que abrimos e que uma
política externa irresponsável está fechando. Por causa do pré-sal que
descobrimos e que estão vendendo na bacia das almas.
O Brasil só não está passando por
uma convulsão social extrema por causa da herança dos governos do PT. Porque
não conseguiram acabar com o Bolsa Família, último recurso de milhões de
deserdados. Porque milhões de famílias ainda produzem no campo, para onde
levamos água, energia, tecnologia e recursos em nosso governo. E também porque
não conseguiram destruir ainda os sistemas públicos de saúde, educação e
segurança, mas fatalmente isso irá ocorrer pela criminosa política de cortes do
investimento público.
Sempre acreditei que o povo
brasileiro é capaz de construir uma grande Nação, à altura dos nossos sonhos,
das nossas imensas riquezas naturais e humanas, neste lugar privilegiado em que
vivemos. Já provamos que é possível enfrentar o atraso, a pobreza e a
desigualdade, desafiando poderosos interesses contrários ao país e ao povo.
Soberania significa
independência, autonomia, liberdade. O contrário é dependência, servidão,
submissão. É o que está acontecendo hoje. Estão entregando criminosamente a
outros países as empresas, os bancos, o petróleo, os minerais e o patrimônio
que pertence ao povo brasileiro. Trair a soberania é o maior crime que um
governo pode cometer contra seu país e seu povo.
A Petrobrás está sendo vendida em
fatias a suas concorrentes estrangeiras.
Fiquem alertas os que estão se
aproveitando dessa farra de entreguismo e privatização predatória, porque não
vai durar para sempre. O povo brasileiro há de encontrar os meios de recuperar
aquilo que lhe pertence. E saberá cobrar os crimes dos que estão traindo,
entregando e destruindo o país.
Tão importante quanto defender o
patrimônio público ameaçado é preservar os recursos naturais e nossa riquíssima
biodiversidade.
Utilizar esse patrimônio, fonte
de vida, com responsabilidade social e ambiental.
Um país que não garante educação
pública de qualidade a todas as suas crianças, adolescentes e jovens não se prepara
para o futuro.
Mas parece que enfiaram o Brasil
à força numa máquina do tempo e nos enviaram de volta a um passado que a gente
já tinha superado. O passado da escravidão, da fome, do desemprego em massa, da
dependência externa, da censura, do obscurantismo.
O Brasil precisa embarcar de
volta para o futuro. E não tem ninguém melhor para pilotar essa máquina do
tempo do que a juventude desse país. Porque essa juventude, seja ela branca,
negra ou indígena, ela quer ensino de qualidade, quer adquirir conhecimento,
quer de volta as oportunidades de trabalho digno, sem alienação e sem
humilhações.
Essa juventude quer e merece um
mundo melhor do que este em que estamos vivendo.
Hoje me coloco à disposição do
Brasil para contribuir nessa travessia para uma vida melhor, vida em plenitude,
especialmente para os que não podem ser abandonados pelo caminho.
Sem ódio nem rancor, que nada
constroem, mas consciente de que o povo brasileiro quer retomar a construção de
seu destino; de que temos de fazer juntos um Brasil soberano, democrático,
justo, em que todos e todas tenham oportunidades iguais de crescer e sonhar.
O futuro será nosso, o futuro
será do Brasil!
Muito obrigado!
Luiz Inácio Lula da Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário