“Fiat lux”
Hoje recebi um panfleto cuja
pergunta se aduziu à minha investigação filosófica sobre a crise da razão e
seus temas atuais. Dizia mais ou menos assim: Qual a solução para os problemas
atuais? - A Filosofia; - A Ciência; - A Bíblia; e eu fiquei me lembrando que em
qualquer um dos casos dependemos da crença e do sentido das palavras. Assim, como tenho diferenciado em alguns
debates crenças e opiniões, de informações e conhecimentos e tenho também
considerado que há sim um grau de conhecimento superior a outros sobre certos
fatos e certos conceitos. Mas eu sei também que preciso ter paciência com o
conceito e com os fatos.
Então eu creio que a única
solução continua sendo só e simplesmente apenas mais e melhor pensamento...Ao
contrário do que comumente parece ser pressuposto por muitos, a crise da razão
não é somente a crise da razão, ela é
também uma crise de fé. Tanto as palavras que a razão usa para ser reconhecida,
quanto as palavras que os homens de fé usam para tentar tomar do limite da razão
seus fiéis, estão em crise. E quando as
seitas religiosas ficam disputando uma verdade com a filosofia ou a ciência, ao
meu ver, elas cometem um erro, pois estão erodindo o sentido das palavras e
prejudicando a sua própria fé que também depende deste sentido para confortar,
aliviar ou dar esperanças aos seus fiéis seguidores.
Quanto mais se afirma a crise da
razão, portanto, mais se assombram em desespero aqueles que precisam de
certificações para andar na face da terra. E pior fica a situação, no médio e
no longo prazo, daqueles que oferecem alicerces frágeis para assegurá-los de
que as coisas podem ser melhores ou podem ser melhor compreendidas e explicadas.
E isso também, porque, podemos repetir aqui, a crise da razão não é somente a
crise de uma doutrina abandonada na longa estrada da vida, mas sim a crise de uma
civilização inteira que não se pode mais chamar apenas de européia ou ocidental.
E o problema da crise não é o sentimento
atual de errância, mas sim o velho pesadelo da perdição, da decadência e da
perda de uma espécie de organização que dá o chão de conforto, o sentido último
e laicizado de andar sobre um solo seguro. A crise da razão perturba porque ela
aponta não um problema de agora, mas uma dúvida sobre o que virá depois. A
crise da razão não é encarada nunca como uma crise passageira. Porém, quanto
mais se nega a crise permanente da razão, para evitar todo este ranger de
dentes e sofrimento – do que o fim da história do Fukuyama foi a expressão mais
cativante já apresentada, mais fácil fica aos detratores semear a discórdia e o
desentendimento, pluralizar versões da história e, ao mesmo tempo, substituir
sem avisos as plaquinhas de PARE na estrada.
E assim à beira deste abismo sou
obrigado a parar para pensar na pergunta da esfinge. Antes de prosseguir
andando pela estrada que mais parece um labirinto cheio de armadilhas do que
uma via de passeio repleta de lugares aprazíveis. É meu amigo, você quis
estudar filosofia – me lembrei do NIN KIRIA agora, expressão acidental de um
aluno que virou nome de time de futebol - pensando que ia encontrar um remedinho para
dada dor e encontrou um campo de batalha que é sistematicamente pisado e repisado,
sem vitórias no horizonte e sem um fim à vista dos teus olhos. Por andar
pensando demais em negatividade, criticidade, refutações, relativismo,
ceticismo e dogmatismo acabei encontrando alguém que não dá à mínima pelota as
teses de fronteira, aos limites de escolas e muito menos ainda à nomenklatura
consagrada. E eu estou ali sentadinho, assim me parece, bem onde se recoloca o
nó de fundação da razão e do que chamam racionalidade. Não sei mesmo se o velho
confronto e o mútuo amparo entre idealismo e realismo, baseado nas
incompreensões já conhecidas entre proposições fatuais e requisitos formais se
resolveu ou se resolverá. Mas isso é uma forma também de cair em certo tipo de
irracionalismo.
Ficar contemplando o outro a
partir de si mesmo não é mesmo a mesma coisa que se olhar ao espelho. Parece
haver uma espécie de prerrogativa e necessidade auto-conferida e procurada de
demonstrar, seja por palavras e argumentos, seja por formulas e cálculos, o que
pode envolver a adesão a regras, certa análise conceitual e preferências
doutrinárias também. Essa prerrogativa é passada como um bastãozinho de corrida
certificador de que a luta continua, de que a razão se perpetua em sua diversas
manifestações históricas, ainda que sofra abalos, crises e eventualmente também
seja corrompida por um vírus recorrente e que se manifesta também de forma
razoável ao bom senso de plantão ou ao senso comum acomodado.
Mas a crise sobrevém porque nem
todos os planos dão certo, paixões incontroláveis aparecem de toda forma na vida
das pessoas e das sociedades e uma parte razoável da civilização se comporta
mesmo como massa, uma manada que corre para cá e para lá no que toca a idéias,
ideologias, valores e também regras. Há uma tendência ao perfectismo (já chamei
de absolutismo isso e aparece na paixão por pena de morte, forca, guilhotinas,
guerras e soluções extremas para todas as coisas) como bandeira de
racionalidade, ou seja, alguns crêem que vão determinar um resultado moral,
político e social com 100% de aproveitamento.
Até o esquerdismo anda nessa vibração ambiciosa a grande zona de conforto que é representada
quase como um pedestal inabalável, mas não olham para o tempo, a circunstancia
e as pessoas, então o alicerce que até então era bom, muito bom ou excelente, dá
uma tremidinha.
Então, alguns correm, outros se vexam
e se acovardam, se calam e não se pronunciam até que o velho bedel ou o novo ou
o mais novo estagiário de plantão vai lá e reforça os preguinhos do realismo
deste pedestal e ganha assento nas cadeiras mais nobres do salão de festas.
Dizem alguns que até super bonder lá já colocaram nos fundamentos racionais das
coisas, mas com muito cuidado, pois logo abaixo do taboão desta grande igreja
da história, há um abismo para o qual o idealismo providenciou e providencia
sempre uma nova esperança confortadora e libertadora bem ao lado das ilusões abandonadas
do passado.
Sei muito bem que também a
retórica em demasia – que aqui só serve para emocionar e não convence ninguém
mais - pode prejudicar e nos afastar da verdade, mas fico aqui fazendo essa
graça provocando a mim mesmo para ver se satisfaço minha vontade de encontrar
uma saída ou uma entrada. Até mesmo porque ainda é e continuará sendo a velha e
boa retórica que deverá acompanhar as velhas e novas, remoçadas ou
aperfeiçoadas palavras para persuadir os homens e mulheres deste mundo.
Bento Prado Junior, em resposta á
acusação de irracionalismo à Gilles Delleuze – e para o conforto dos que querem
crer em outras coisas ou ler somente novidades nenhum deles está mais vivo
afinal - em entrevista sobre Delleuze na Folha em 1996, disse o seguinte:
"on est toujours l'
irrationaliste de quelq'un" – “sempre
se é o irracionalista de alguém” e eu fico após este arrazoado pensando em quem
será que vai me acusar do mais intolerável e insuportável irracionalismo para
ver o parâmetro que atingi e também a condição de perigo que ele expressa. Pois
aquele que nega o que digo pode negar em todo, em parte e pode mesmo fazer isso
sem dizer nada, pois no caso atual, até mesmo na ausência de argumentos e fatos,
alguns julgam estar refutando aos outros ou aos demais e juízo moral não
depende mais de moralidade alguma somente da oportunidade e da vontade
superveniente da circunstância.
O texto inteiro de Bento Prado
Junior, com o qual – para pensar - vou encerrar mais essa manifestação
intempestiva, quase contra tudo e quase contra todos, é o que segue:
“Irracionalismo é um
pseudo-conceito. Pertence mais à linguagem da injúria do que da análise. Que
conteúdo poderia ter sem uma prévia definição de Razão? Como há tantos
conceitos de Razão quantas filosofias há, dir-se-ia que irracionalismo é a
filosofia do outro. Ou, pastichando uma frase de Émile Bréhier, que na ocasião
ponderava as acusações de "libertinagem", poderíamos dizer: "On
est toujours l'irrationaliste de quelq'un" (Sempre se é o irracionalista
de alguém). Não, não é necessário defender Deleuze dessa acusação, à qual
certamente não lhe ocorreria dar resposta. Basta sorrir. Quanto à questão do
"pós-modernismo", a atribuição -até onde posso perceber- cabe mais a
Lyotard (que a transformou em cavalo de batalha em sua polêmica com os alemães)
do que a Deleuze.”
Segundo ele pastichando Emile
Brehier "sempre se é o libertino de alguém"..
..
E na segunda versão que encontrei
deste mesmo objeto de pastiche: "sempre se é o metafísico de alguém",
por Gilson Inannini, em Estilo e Verdade em Jacques Lacan.
E assim a Esfinge me olha e eu
olho para ela antes de responder a questão e decidir se me vou ao abismo da
perdição e ao fim de toda esperança possível ou se prossigo minha viagem e, apesar de tudo, continuo confiando em meu destino, sem desolação, sem chorumela
e sem lamentações pelo que não foi, pelo que ainda não é e pelo que não chegou.
Haveria alguma forma de razão suficiente
que justificasse a tua passagem por este mundo?...e como já gastei todo o
sentido das palavras, me calo tranquilamente esperando a próxima peregrinação...
As aulas começam esta semana dia
26 e a vida continua...
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