Já pensei nisto muito e eu creio
que é por uma questão de economia que fixamos aqui no Brasil esta
indissociabilidade entre ensino e pesquisa, mas também penso que deveriam haver
coisas tipo ciclo docente e ciclo pesquisador para se dedicar mais ou
exclusivamente a uma coisa ou outra por certos períodos e, além disso, que
alguns professores deveriam mesmo só lecionar e outros somente pesquisarem e
formar turmas segundo seu interesse exclusivo. Mas como determinar quem vai só
fazer isso ou aquilo? Por concursos para isso ou aquilo? Criando algo como
cátedras ou bolsas especiais para isso ou aquilo. Tem muita gente, ao meu ver,
extremamente original, criativa, inventiva e produtiva que deveria mesmo ser
focada exclusivamente em pesquisa e produção. Outros são excelentes professores
e precisam ficar cumprindo - o que para eles é um verdadeiro sofrimento cotas
de produção e publicação. A diferença entre ciência básica e aplicada e entre
pesquisa avançada e tradução ou formalização teórica deveria ser pensada mais.
Sempre lembro os professores ótimos que tive, mas olho para a produção deles
pensando em como aquilo poderia ser melhor...e faço isso com certa percepção
trágica, não porque eu pudesse fazer melhor, mas que eles com certeza poderiam
mais pelo que via em sala de aula e pelo que pegava aqui ou ali em seus textos,
discussões e apresentações. E lembro de Max Weber cuja obra incrível e genial e
muitos outros que não suportavam a sala de aula. Eu, porém, gosto muito da sala
de aula, gosto muito da troca e do ensaio e erro com os alunos de ensino médio,
mas bem não sou mesmo um gênio, sou somente um professor e se algo de bom
resultar disto será sempre produto de muito esforço, muita paciência, muita
perseverança e também da sorte, daquela sorte que coloca coisas, pessoas,
ideias e livros, experiências e vivências em seu caminho. Cheguei num ponto já
de modéstia que penso que trabalho para uma grande colheita que não será feita
por mim. Talvez meus alunos ou os alunos dos meus alunos consigam fazer algo de
original e valioso. Trabalho mesmo para que meus alunos sejam melhores que eu,
saibam mais e melhor que eu e isto me conforta muito. Sou somente um professor
de filosofia, mas num tenho a menor ideia se seria um filósofo original mesmo e
cada vez que leio certos caras e certas pessoas me dou conta que muito antes
pelo contrário, posso só tentar facilitar ao leigo o acesso a eles através de
traduções e formalizações de algo mais complexo ou obscuro que os outros em
apresentam e que eu tento interpretar e tornar mais inteligível. Mas concordo com
Denise (veja abaixo) que poderia sim
haver a separação e me parece que tanto a produção como as lições seriam
melhores. O Brasil tem condições de pensar nisto hoje e criar uma solução para
isto hoje?
DENISE BOTTMANN – tradutora, pesquisadora
e professora:
“professor é uma droga: ganha
pouco; mesmo tendo o salário triplicado depois de inventar uma luneta
fantástica, não é lá essas coisas, e ainda por cima tem de dar aula, o que
rouba tempo às pesquisas do cara. aí, você faz o quê? batiza as luas de júpiter
como "estrelas mediceias" e dedica seu mensageiro sideral ao grão
duque da toscana, que é um médici, claro. aí até consegue uma cátedra que
dispensa de dar aulas. essa é uma questão interessante: nosso rdidp é um
absurdo. mais vale mesmo a separação entre docência e pesquisa, penso eu.”
JUNIOR BARACAT – professor e
pesquisador de grego na UFRGS, me comentou assim:
“Bom, eu cá tenho minhas
impressões, evidentemente oriundas da minha própria experiência. Mas acho que
dá pra resumir da seguinte maneira: i) os cursos são diferentes, por isso não
dá pra existir um só sistema que sirva para todos - a formação em medicina, por
exemplo, segue passos necessários, que não podem ser trocados ou excluídos; a
formação em filosofia, não tem passos necessários, ainda que existam autores e
temas imprescindíveis. ii) como o ensino médio é pífio, as universidades estão
se tornando, cada vez mais, uma continuidade da formação. E essa ideia de
"formação" não me parece adequada aos cursos de humanas, porque
"formação" é algo que deveria ter havido antes do ingresso na
universidade. iii) Decorrendo disso, existe a necessidade de o professor
ministrar disciplinas com conteúdos "formativos", que não
correspondem aos seus interesses de como pesquisador e que, ao mesmo tempo,
atrapalham o desenvolvimento da pesquisa e fazem o aluno ter aulas com professores
especialistas - mas em outra coisa! Raramente naquilo de que trata a
disciplina. Na minha graduação, os professores na Unicamp tinham bastante
autonomia para definir o conteúdo das disciplinas. Na UFRGS, no IL, nas
disciplinas do grego, não há autonomia, ou há muito pouca, tanto porque há
poucos professores que precisam cobrir coisas muito diferentes, quanto porque
existe a necessidade de cursos muito elementares que não correspondem bem à
pesquisa que o professor desenvolve. É uma equação muito complexa, mas acho que
a resposta mais simples, sem recorrer à separação de carreira (que não me
agrada) são alterações nas estruturas curriculares que possibilitem ao
professor/pesquisador pesquisar o que quer e ensinar o que pesquisa. Só assim o
professor pode direcionar seu esforço e o aluno receber aquilo que o professor
tem de melhor. Bom, já ficou muito grande o comentário, mesmo tendo resumido
muito o que acho...”
Minha resposta ao comentário de
Junior:
Muito preciso e trata de algo que
sequer pensei. Isso em ajuda mais ainda, porque aponta para o fato de que se
dissolvemos o que vou chamar de estrutura de formação básica no ensino médio,
então sobra para a universidade fazer este serviço o que achata e rebaixa a
agenda de investigação e pesquisa dos bons pesquisadores....que acabam
enredados em afazeres, reparos e formação inferiores do ponto de vista da
pesquisa avançada e das linhas de investigação mais atuais e cujo tempo
despendido é superior em atualização e cotejamento de publicações ao tempo
dedicado a preparar aulas e ministrar aulas mais elementares. É um grande
problema mesmo tratar disto isoladamente.
E o debate seguiu em meu perfil com
outras participações e comentários tão bons como estes que me provocaram e
citei acima.
Minha última postagem lá foi a
seguinte:
A Denise tratou de algo
importante também e que eu concordo. Alguns deveriam realmente ser reconhecidos
pelos seus pares para se dedicar exclusivamente à pesquisa. Mas eu penso como
você nisto. Não sou um gênio e talvez não tenha talento algum. Então tudo que
eu disser sobre isto pode ser só opinião mesmo, ou ser refutado como ciúme,
inveja ou ressentimento de um acadêmico frustrado e incapaz, indolente e pouco
dedicado, mas eu creio que é inadmissível - salvo que a pessoa tenha
extraordinária capacidade e condição individual - que um jovem conclua a
graduação prossiga até o mestrado e doutorado e de súbito vire doutor para
lecionar na universidade, sem jamais ter lecionado ou passado pelo tema de casa
básico da educação. E muito poucos dos que fazem este périplo milagroso, sobem
esta escada num relâmpago merecem a jaez de gênios ou de extraordinários, vamos
combinar desde já. Ainda que eu respeite muito, creio que dariam ótimas
contribuições ao pensamento se fossem forjados na nervura do real e não na
torre de observação da educação superior. As exceções devem servir para as
exceções não virarem regras na fortuna da reprodução elitista brasileira. Isso
é somente uma ponderação que faço há muito tempo e que precisa ser balanceada e
adequada por mais informação e análises mais precisas...o sistema assim
organizado produz o que mesmo? Que auto-compreensão tem sido livremente
expressa pelos seus membros? bem...lembro muito de certos professores meus que
não tinham nenhuma consideração em certas rodas de conversa por vacas sagradas
não, porque sabiam que isso era a consagração do mesmo e que nada de novo
aparecia sob o sol desta forma...
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