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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

PEQUENA MEMÓRIA PESSOAL E INCOMPLETA EM HOMENAGEM AO ZÉ PEDRO BOÉSSIO - 12 ANOS DE PARTIDA - CANTO CORAL E NANDO D´AVILA


Provavelmente desde 1976 eu tenho tido o prazer e o privilégio de assistir, acompanhar e observar  o que aconteceu com o Coral Unisinos. Morava a menos de duas quadras dos locais de ensaios e sabia de todo o movimento em torno do Coral, com uma espécie de auge nos anos 80 e depois com alguma distância todo o desenvolvimento do Coral Unisinos nos anos 90 até o falecimento do admirável e inesquecível amigo e maestro José Pedro Boéssio em 2001. Eu via o Coral se apresentando na cidade e via uma intensa movimentação dos membros do coral em volta disto. Assisti menino e depois adolescente alguns ensaios, mas nunca me aventurei de cantar em coral algum. Era uma coisa estranha para mim, porque de um lado eu sabia que não era músico e de outro lado eu amava a música e ficava em uma ambivalência em relação a isso. Pensando, por um  motivo passageiro qualquer, que nenhuma importância tem hoje que haveria grande dificuldade para cantar. Assim, mesmo convivendo com várias pessoas que cantavam e  tendo tido diversas oportunidades para começar a cantar, nunca ousei fazê-lo.

Em 1997, tive uma bela conversa sobre música, canto e movimento cultural com duas pessoas que me eram muito caras e que já se foram. Tinha retornado para São Leopoldo da minha temporada acadêmica na UFRGS e em Porto Alegre, e estava já a procurar ocupações e atividades aqui em São Leopoldo. Meu pai possuía uma oficina improvisada ao lado do MAK e eu trabalhava com ele no ramo tentando obter alguma forma de sustento. Nos finais de tarde ficava por ali nas imediações. Um certo dia me sentei no MAK BAR e me entra o Zé Pedro e ficamos tagarelando brevemente sobre eleições e etc, e eis que em instantes passa o Nando D´Ávila e acabamos nós três ali conversando sobre diversos assuntos. O Nando eu conhecia desde menino porque éramos vizinhos de Agrimer (apês 83 e 82) e depois nos anos 80 ele e Silvana acabaram ficando meus amigos por conta de outros interesses culturais e místicos meus. Já o Zé Pedro era uma espécie de parceiro de campanhas. Toda campanha do PT eu via ele junto e, em uma ou outra circunstância, fazíamos algo. Ele era incrível em sua dedicação à política. Eu vi aquele Dodge Polara amarelo dele fundir o motor três vezes, creio, em campanhas. E também admirava a coragem com que ele exibia aquela bandeirona vermelha do PT na rua grande. Aliás, ele e alguns outros militantes do PT, apesar de tudo e de todas as provocações e ofensas possíveis – porque era assim que os petistas eram tratados em São Leopoldo, andavam sempre com aqueles bandeirões gigantes na rua em época de campanha. Havia preconceito e a forma que a gente enfrentava o preconceito era se expondo e afrontando aqueles que nos rejeitavam ou nos perseguiam. Talvez muitas pessoas que estão lendo este texto não acreditem, mas tem muito abobado por ai dizendo que o PT antigo era melhor e tals, mas que quando o PT antigo era melhor promoviam perseguição e discriminação de todo e  qualquer petista.

Bem, talvez nada disto tem algo haver com canto coral, mas para mim tem. Porque notei que a forma como o canto coral é tratado por algumas pessoas de fora é extremamente preconceituosa também. E isto aparece na dificuldade permanente de termos sempre vozes masculinas e também na forma subjetiva e leviana como algumas pessoas demonstram tratar o canto coral em certas ocasiões.

Voltando a conversa com Zé Pedro e Nando – que é o nosso prelúdio aqui.

A gente ficou ali umas duas horas conversando sobre política, música, formação acadêmica, pós-graduação, viagens e também sobre algumas escolhas que nós três havíamos feito na vida. Lembro que faz[íamos perguntas uns para os outros e íamos tranquilamente batendo papo e respondendo e misturando assuntos e encadeando temas.

Era muito importante aquela conversa porque ela me serviu de alento em muitos aspectos. Eu era um professor de filosofia formado na UFRGS, mas desempregado e sem nenhuma perspectiva de trabalho estável em vista. E já havia feito várias tentativas de obter emprego em escolas de São Leopoldo e em instituições universitárias.

Naqueles dias trabalhava como eletricista com meu pai que sempre me dizia para eu ficar calmo porque eu era um professor e afinal minha hora ia chegar. Mas era engraçada a atitude dos outros trabalhadores nas diferentes obras que passei. Me olhavam estranhando e as vezes corria um comentário sobre este aspecto. Eu me sentia engraçado, mas me empenhava fisicamente para também não parecer um alien no meio daqueles afazeres físicos às vezes brutais. Qualquer pessoa que já abriu uma canaleta em paredes de tijolos maciços usando apenas a marreta e uma ou duas talhadeiras dando bamgornadas na cabeça das talhas e vendo o ferro se retorcer e os cacos de tijolo e as faíscas, provocadas e lasqueadas, voarem no entorno sabe do que eu digo.

Agora imagina o professor de filosofia com um boné da Taurus, com a aba virada para trás lá fincado na obra fazendo isto. É uma imagem não muito usual devemos admitir. Havia um que de interessante para mim nisto. E confesso que sempre tive uma relação romântica com o trabalho manual seja ele qual for. Lavrar a terra, pintar paredes, subir em escadas, carregar pesos diferentes, mexer em máquinas ou em qualquer coisa com algum mecanismo interessante sempre me atraiu muito. Afinal, se eu fosse marxista de verdade deveria saber exatamente o que é que sentem os trabalhadores manuais neste caso e refletir ali mesmo sobre a alienação, entre uma porrada e outra ou mecanismo ou outro. Eu gostava de coisas engenhosas também. E para mim a música e escrever tinham algo de engenhoso também.

Bem, eu estava sentado ali com duas pessoas que representavam para mim artífices engenhosos de algumas coisas que eu amava. A linguagem – que ia da leitura significativa dos textos que nos caiam nas mãos, para a reportagem e ao poema ou livro, e a música que ia da pequena canção à sinfonia, do canto coral à orquestra. E o Nando era para mim muito especial porque acabou me aproximando muito das duas coisas em meados dos anos 80 e me levando a fortalecer minhas paixões intelectuais que já eram bem precoces. Em 1987 fiz o primeiro vestibular com Silvana, ficando no apartamento de Martin Haag e passando sem, no entanto, ter concluído o ensino médio. Mais tarde e depois em 1989 acabei ingressando no curso de filosofia da UFRGS. Não sei bem a quem devo mais se a Silvana ou ao Nando, pelo apoio, incentivo e companhia neste período todo, mas acabei por fazer filosofia com muita paixão e dedicação pelos seus exemplos e inspirações.

Já o Zé Pedro era incrivelmente animador em qualquer diálogo comigo sempre. Ele tinha aquele carisma e aquela luz fantástica em volta de si que me impressionava muito. E era muito comunicativo também. Prosear acidentalmente com estas duas pessoas naquele dia foi uma grande experiência para mim. Dali muitas idéias que carrego comigo até hoje sobre a cultura como um processo permanente de luta contra a barbárie e da tarefa cultural permanente de humanização do mundo da vida. E também a conexão disto com aquilo que nós alunos da filosofia da UFRGS influenciados pelo Paulo Faria, chamávamos de educação da sensibilidade.

O Zé Pedro havia concluído o Doutorado em Música, onde tinha conhecido um professor meu que pertencia a nossa grande família Boeira – o Nelson Boeira. Mas falávamos muito da experiência acadêmica e dos seus limites em que o tempo certo para as coisas era um grande desafio e era uma grande luta não chegar a saturação por excesso de teoria ou excesso de dedicação. Zé Pedro dizia que todo o trabalho dele sobre Villa Lobos – tema do seu doutorado – envolvia muito prazer também, porque descobria detalhes sobre a composição e os arranjos que o impressionavam muito. A Tese dele era sobre a conexão estética entre o Coro Número 10 “Rasga Coração” de Villa Lobos e a semana de arte moderna de 22. Para quem não sabe e tem alguma curiosidade este coro é concebido em 1926 e já foi apresentado em diversas ocasiões por diferentes orquestras ao redor do mundo. É considerado uma composição que exige muito dos cantores e da orquestra. Ao escutar – enquanto escrevo esta memória umas 7 versões diferentes – que vão desde a Regência em 1988 de Eleazar de Carvalho até nos dias atuais no Liceu catalão, percebo que é uma composição extremamente moderna e ao mesmo tempo conhecida que lembra muitas coisas do Guarani de Carlos Gomes,  das Bachianas Brasileiras e também do Trensinho Caipira. Mas chama muita atenção a mensagem indígena presente na composição para o coro e ao mesmo tempo o ritmo que lembra algo de um avanço e do povoamento do Brasil, o que nos leva para o homenageado pro Villa Lobos. É uma obra modernista dedicada ao amigo Paulo Prado que em 1926 compunha sua obra célebre Retrato do Brasil, que provavelmente foi em algum sentido dialogada com Villa Lobos. É uma imagem fácil associar os movimentos da peça de Villa Lobos ao movimentos da tese de Paulo Prado. Sugiro que vejamos isto mais de perto um dia.

(Thesis: Boéssio, José Pedro. 1996. Choros no. 10 by Heitor Villa-Lobos: aesthetic connections with the Week of Modern Art. Document (D. Mus.)--Indiana University, 1996.)   


O Nando já estava às voltas com a doença que o aborrecia e chateava, mas tinha projetos muito interessantes. Não sei se as pessoas sabem, mas ele tinha uma verdadeira paixão por escrever e eu não duvido que existam alguns livros dele prontos em gavetas ou pastas do seu acervo pessoal. Nando era um perfeccionista. Eu lembro da gente compartilhar por algum momento lendo e tomando café o livro O Nome da Rosa do Umberto Eco e ele super dedicado a traduzir as passagens em latin que Eco tirava tanto da Bíblia quanto de obras filosóficas medievais as mais diversas.

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