UM DESAFIO CULTURAL PARA SÃO
LEOPOLDO
Caracterizada e reconhecida como
berço da imigração alemã no Brasil, a cidade de São Leopoldo, localizada na
região metropolitana de Porto Alegre - capital do estado do Rio Grande do Sul -
pode ser definida, de fato, pela diversidade étnica e cultural de seu povo, sua
resistente e forte economia e sua importância regional. Tal aspecto, a
diversidade, não se limita às questões étnicas e/ou sociais. Há, além disso,
outras duas questões importantes: a territorial e, por conseguinte, a cultural.
A territorial se destaca pela proximidade e inserção na Região Metropolitana de
Porto Alegre (RMPA), podendo São Leopoldo ser considerada uma cidade conturbada.
Isto é, uma cidade cuja população está envolvida e relacionada territorialmente
a população de outras cidades, cujas fronteiras são transpostas com facilidade
devida a ampla mobilidade dessa população e da rede de transportes articulados da
RMPA, o que gera demandas e desafios político administrativos novos e também uma
importante demanda de espaços culturais e para moradias, indo para muito além
da dimensão meramente econômica.
Mas a dimensão cultural apresenta
um desafio de integração que perpassa a cidade. Uma parcela muito elevada dos
moradores dessa cidade provem ou são naturais de outras cidades e outros
estados. Hoje, sobre essas camadas de povoamento e imigração do território, já
existe também um amplo contigente de novos imigrantes de outros paises, que num
novo ciclo de imigração chegam a essa cidade em busca de uma vida melhor.
A partir dos anos 60, muitas
famílias de outras cidades e estados brasileiros - principalmente de
localidades rurais - migraram não só para São Leopoldo, mas também para a
região do Vale do Sinos, pois esta cidade faz parte daquilo que foi chamado na
caracterização de sua inserção na região metropolitana de polo de atração. O
referido processo de migração se manteve por seis décadas e trouxe, junto às
bagagens e demais pertences dessas famílias, traços e costumes característicos
de suas regiões. Esta demanda por espaço e migração combinada com certo
desenraizamento cultural e identitário apresenta um importante desafio para as
políticas culturais, ou seja, o desafio de integrar culturalmente e socialmente
esses novos cidadãos e cidadãs valorizando suas identidades e os situando na
cidade com a formação e a articulação de trocas simbólicas e culturais que
permitam o seu reconhecimento e abram espaços para a sua manifestação e
contribuição cultural as relações sociais, econômicas e políticas na cidade.
Instalados na periferia da
cidade, inicialmente de maneira precária, estabeleceram relações de trabalho,
de amizade e assim criaram seus filhos. É justamente a partir das novas
gerações que, fundindo antecedentes remotos com a adoção de novos hábitos,
sistema de habitação, manifestações de recreação e relações com outras pessoas,
assumem outro tipo de integração. Diferente dos antepassados, as novas gerações
realizam essa integração de maneira progressiva e irreversível a partir dos
diversos fenômenos culturais do século XXI.
Na atualidade, muitos dos jovens
de periferia dedicam boa parte de seu tempo - e alguns quase que integralmente
- com afazeres culturais das mais distintas linguagens. Tais atividades surgem
das mais variadas formas: estímulo das escolas formais, oficinas de arte,
organizações que dispõe de professores de arte em contraturnos, redes sociais e
demais plataformas midiáticas.
A literatura, especialmente a
poesia através do movimento Hip-hop, do tradicionalismo gauchesco, das escolas
de samba e demais movimentos paralelos é desenvolvida nas ruas e nos bairros.
Além disso, a música, como característica e linguagem mais presente no
município, apresenta um universo de diversidades de estilo, temas e técnicas
que precisam ser reconhecidas e encontrar espaços de manifestação e integração
para ampliar as trocas e fortalecer os laços no tecido social da cidade. O
mesmo ocorre com as artes cênicas, teatro e dança e, também com as artes
visuais, donde se destaca a fotografia e a imagem em movimento através de
vídeos.
O problema que se observa é a
falta de integração com as culturas regionais próximas, principalmente no que
se refere à América Latina. Os jovens da região metropolitana de Porto Alegre
não têm qualquer relação e nem mesmo intercâmbio cultural – como em outros tempos,
nos anos 60, 70,80, com a cultura dos países que fazem divisa com o estado, o
Uruguai, Argentina e Paraguai. Da mesma forma, o contrário também ocorre.
Deve-se considerar as
especificidades desses países e regiões compondo a área latino-americana,
embora é preciso considerar nessa busca de traços comuns que permitam maior
proximidade e cooperação, e o conjunto de fatores externos que influem sobre
ela e sobre outras regiões do mundo. A identificação dos traços comuns
contribuirá para a adoção de medidas que facilitem as soluções e a criação de
alternativas de trocas simbólicas e culturais. A inquietude intelectual, no
entanto, pressiona por mudança de atitude e uma nova forma de adoção de medidas
que permitam aumentar a capacidade na geração de políticas comuns.
O isolamento a que estão
submetidos esses atores, principalmente os jovens das localidades mais
carentes, nega a possibilidade de qualquer tentativa de integração com as
demais regiões de países da América Latina. Para romper essa lógica de
enclausuramento intelectual e cultural, que gera um isolamento ou insulamento cultural
e também uma auto alienação simbólica e identitária em pleno meio urbano, há de
interferir positivamente, incentivando novas relações de troca simbólica e de
reconhecimento e possibilitando à população, através da criação de novos
espaços e tempos que apresentem oportunidades positivas de integração e encontros,
intercâmbios para a efetiva troca de saberes experiências.
Sobretudo, para a ampliação dos
horizontes e do reconhecimento recíproco, com mais diálogo e democracia sobre as
possíveis soluções para os problemas comuns a comunidade a qual esses cidadãos
e cidadãs jovens passam a ser integrados. Construindo através dessas novas
relações, oportunidades de integração que vão gerar novas oportunidades e
promover uma dinâmica positiva de interação social que possa dar curso a
construção de seus projetos pessoais em espaços coletivos e, portanto, que
viabilizem a produção e a geração de emprego e renda, consumo e lazer nas
dimensões culturais, simbólicas, materiais e econômicas.
Obs.: Esse texto foi apresentado,
em agosto de 2019, com pequenas alterações em caráter de justificativa na
captação de recursos para um projeto cultural junto ao Fórum das Mercocidades.
A autoria é compartilhada por Jari da Rocha – Diretor da Secretaria de Cultura
e Relações Internacionais e Daniel Adams Boeira – Assessor de Planejamento Estratégico
em Comunicação da Administração Municipal de São Leopoldo.
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