O IMPULSO DE DAR SENTIDO ÀS
COISAS
Mas fiquei pensando numa possível
posição entre o "não sei" ou a negação e o "eu acredito
nisso" ou "penso assim". Na verdade, fiquei relacionando isso às
teorias ou tipos de teorias epistêmicas ou mesmo atitudes epistêmicas que, ao
longo da história, tem sido dominantes sobre as nossas crenças.
Eu aceito a crítica a essa minha
tendência a tentar dar sentido às coisas e às situações. Esse esforço psíquico
- por assim dizer - que é muito persistente em mim de dar sentido a experiência
em palavras, numa narrativa e com significado. É um habito adquirido que eu
creio que tem me mantido equilibrado na vida e em todas as situações e que envolve
um esforço de compreensão e aceitação da realidade. Me parece compensatório e
me faz manter uma abordagem positiva das situações.
Aceito essa crítica, por que de
fato de um ponto de vista afetivo é muito difícil dar sentido às perdas e ao
sofrimento.
Não se fecha as questões da vida
e da existência por decreto ou racionalização. Nenhum argumento explica a
violência, o desamor, a dor e a morte. E os argumentos ou narrativas que
explicam só dão conta da dimensão causal ou fatual, não do sentimento ou do
modo como isso fica embolado em nossa cabeça ou trancado na garganta e roendo o
nosso coração.
Eu entendo quando você diz que
esse sentido ou narrativa não resolve. Porque penso que se eu me confrontar a
mim mesmo com as narrativas que eu uso para assimilar ou acomodar as dores do
mundo na minha experiência ou biografia, eu sei que posso erguer uma profunda e
dolorosa dúvida e pôr abaixo o edifício inteiro da minha personalidade.
Eu fico imaginando que esse
enfrentamento é o mesmo que nos coloca numa grande encruzilhada em que as
opções são: racionalizações e imposição de um sentido construído com um esforço
de compreensão, as mistificações ou construções religiosas ou psíquicas que nos
levam a um esforço criativo e interpretativo em que a ficção e a credulidade ficam
muito acima de uma racionalidade - que pode até chegar ou carregar para um
dogmatismo ou fanatismo, e, por fim, o ceticismo mais negativo que rejeita
absolutamente as duas opções anteriores, ou seja, nem a crença crítica e nem a
crença desmedida resolvem a explicação da realidade. Uma, porque se satisfaz
com pouco e oferece muito pouco e algo insuficiente para nós termos algum
conforto, e a segunda porque aposta demais, para muito além dos limites de
possibilidade de demonstração ou verificação.
Isso é uma das questões
filosóficas - de fundo - mais centrais na história do pensamento humano. Mas
temos bons exemplos em todos os três casos. E quase todos eles se resolvem por
um único conceito ou juízo bem simples: opto por essa versão porque para mim é
melhor assim, ou, para mim tal perspectiva me traz mais conforto.
Eu, por exemplo, adoto a
racionalização e a construção de sentido, mas muitas vezes me relaciono com a
mistificação e a credulidade e mesmo com a negação ou o ceticismo. É um
processo dinâmico na minha cabeça. De fato, o que me ocorre é uma adaptação às
três perspectivas dependendo de o quanto elas me trazem conforto. Sobre o término
de uma análise disso com um juízo desse tipo: assim está bom, me sinto seguro
assim, faz sentido assim ou assim posso esperar ou, em casos muito graves e
difíceis, admito minha impotência e incapacidade de responder e aceito a
negação ou a incerteza incorporando ela a esse lugar na minha vida ou
experiência. Parece que o sentido da negação e da desmedida são irmãos. Nesse
último caso, eu aceito a melhor a minha falibilidade ou incapacidade, dou de
ombros e me curvo ao imponderável e ao absurdo. Digo: tá legal, não consigo
explicar, não há argumentos que resolvam, não posso fazer nada. E suspiro.
Eu creio que Freud, por exemplo,
com a interpretação dos sonhos, fica na linha de divisão entre as duas primeiras
posições. E, curiosamente, ele é muito autoconsciente disso.
Com uma outra
característica que me chama muita atenção que é a de compreender muito bem no
seu pessimismo sobre o destino da humanidade nos anos vinte, em especial, sobre
O futuro de uma ilusão e Mal estar da civilização.
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