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domingo, 13 de outubro de 2019

O IMPULSO DE DAR SENTIDO ÀS COISAS


O IMPULSO DE DAR SENTIDO ÀS COISAS

Mas fiquei pensando numa possível posição entre o "não sei" ou a negação e o "eu acredito nisso" ou "penso assim". Na verdade, fiquei relacionando isso às teorias ou tipos de teorias epistêmicas ou mesmo atitudes epistêmicas que, ao longo da história, tem sido dominantes sobre as nossas crenças.

Eu aceito a crítica a essa minha tendência a tentar dar sentido às coisas e às situações. Esse esforço psíquico - por assim dizer - que é muito persistente em mim de dar sentido a experiência em palavras, numa narrativa e com significado. É um habito adquirido que eu creio que tem me mantido equilibrado na vida e em todas as situações e que envolve um esforço de compreensão e aceitação da realidade. Me parece compensatório e me faz manter uma abordagem positiva das situações.

Aceito essa crítica, por que de fato de um ponto de vista afetivo é muito difícil dar sentido às perdas e ao sofrimento.

Não se fecha as questões da vida e da existência por decreto ou racionalização. Nenhum argumento explica a violência, o desamor, a dor e a morte. E os argumentos ou narrativas que explicam só dão conta da dimensão causal ou fatual, não do sentimento ou do modo como isso fica embolado em nossa cabeça ou trancado na garganta e roendo o nosso coração.

Eu entendo quando você diz que esse sentido ou narrativa não resolve. Porque penso que se eu me confrontar a mim mesmo com as narrativas que eu uso para assimilar ou acomodar as dores do mundo na minha experiência ou biografia, eu sei que posso erguer uma profunda e dolorosa dúvida e pôr abaixo o edifício inteiro da minha personalidade.

Eu fico imaginando que esse enfrentamento é o mesmo que nos coloca numa grande encruzilhada em que as opções são: racionalizações e imposição de um sentido construído com um esforço de compreensão, as mistificações ou construções religiosas ou psíquicas que nos levam a um esforço criativo e interpretativo em que a ficção e a credulidade ficam muito acima de uma racionalidade - que pode até chegar ou carregar para um dogmatismo ou fanatismo, e, por fim, o ceticismo mais negativo que rejeita absolutamente as duas opções anteriores, ou seja, nem a crença crítica e nem a crença desmedida resolvem a explicação da realidade. Uma, porque se satisfaz com pouco e oferece muito pouco e algo insuficiente para nós termos algum conforto, e a segunda porque aposta demais, para muito além dos limites de possibilidade de demonstração ou verificação.

Isso é uma das questões filosóficas - de fundo - mais centrais na história do pensamento humano. Mas temos bons exemplos em todos os três casos. E quase todos eles se resolvem por um único conceito ou juízo bem simples: opto por essa versão porque para mim é melhor assim, ou, para mim tal perspectiva me traz mais conforto.

Eu, por exemplo, adoto a racionalização e a construção de sentido, mas muitas vezes me relaciono com a mistificação e a credulidade e mesmo com a negação ou o ceticismo. É um processo dinâmico na minha cabeça. De fato, o que me ocorre é uma adaptação às três perspectivas dependendo de o quanto elas me trazem conforto. Sobre o término de uma análise disso com um juízo desse tipo: assim está bom, me sinto seguro assim, faz sentido assim ou assim posso esperar ou, em casos muito graves e difíceis, admito minha impotência e incapacidade de responder e aceito a negação ou a incerteza incorporando ela a esse lugar na minha vida ou experiência. Parece que o sentido da negação e da desmedida são irmãos. Nesse último caso, eu aceito a melhor a minha falibilidade ou incapacidade, dou de ombros e me curvo ao imponderável e ao absurdo. Digo: tá legal, não consigo explicar, não há argumentos que resolvam, não posso fazer nada. E suspiro.

Eu creio que Freud, por exemplo, com a interpretação dos sonhos, fica na linha de divisão entre as duas primeiras posições. E, curiosamente, ele é muito autoconsciente disso. 

Com uma outra característica que me chama muita atenção que é a de compreender muito bem no seu pessimismo sobre o destino da humanidade nos anos vinte, em especial, sobre O futuro de uma ilusão e Mal estar da civilização.



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