MARCOS JUSTO TRAMONTINI: UMA
LEMBRANÇA E HOMENAGEM
"A maioria dos seres humanos
atua como os historiadores: só em retrospecto reconhece a natureza de sua
experiência"
Eric Hobsbawn
A Organização Social dos
Imigrantes: a Colônia de São Leopoldo na Fase Pioneira 1824-1850, é uma tese de
doutorado defendida em 1997 na PUC-RS e publicada em 2000, pela Editora
Unisinos. Uma das obras mais importantes sobre a história de São Leopoldo já
publicadas. Esta Opus Magna de Marcos Justo Tramontini (1958-2004), se destaca
pelo tratamento crítico da bibliografia existente sobre o tema dos imigrantes
alemães nas primeiras décadas e renovou os estudos sobre a imigração e
colonização alemã no Rio Grande do Sul, conforme afirma Marcos Witt em
homenagem póstuma.
O orientador da tese, Rene
Ernaini Geertz, aponta seu caráter e relevância, no prefácio da publicação:
“os imigrantes não eram pobres
coitados abandonados pelo poder público nacional/regional que tinham que
resolver sozinhos seus conflitos. Sua leitura do período inicial da imigração
em São Leopoldo mostrou que os conflitos eram parte do processo de organização
social dos imigrantes. Para ele, a história social e a história
político-cultural não podiam ser separadas. Sendo assim, sua reflexão
conduziu-se no sentido de deixar claro que a teoria do enquistamento social do
imigrante não tem qualquer sustentação, se não for vista como parte integrante
da realidade econômica e social da colônia. Tramontini demonstrou ser lenda a
tese de auto-isolamento, de o imigrante ser avesso à integração e indiferente à
política. Evidenciou, ainda, que, desde os primórdios, a sociedade do imigrante
é brasileira, é plural e tolerante, mas também rebelde.”
Esse estudo do historiador
leopoldense, promoveu o reconhecimento da dinâmica dos conflitos e da
mobilidade social na formação histórica da cidade, que antes era vista e analisada
como uma condição passiva e estática de submissão dos imigrantes e das etnias
na história da cidade. Quando, num certo dia de sua vida, ainda na
adolescência, Marcos decidiu ser professor de história e se lançou com todo o
seu espírito a estudar a história e a pesquisar alguns temas intocados no vasto
campo de estudos por onde se enveredou, talvez ele não imaginava que fosse
conseguir destrinchar toda essa trama. Porém, é bem possível pressupor que este
jovem que viveu os anos de ditadura militar e de lutas por democracia em São
Leopoldo, participou de movimentos sociais e culturais locais e que dialogava
com militantes sociais, intuía que o conflito social encoberto e quase
invisível para a história oficial não era apenas de seu tempo e que a tal passividade
de classes ou de segmentos sociais escondia apenas uma tentativa de apagar as
diferenças e reconhecer as desigualdades sociais, religiosas, étnicas e
culturais que formaram as organizações sociais, os ideias e as lideranças de
diversos segmentos que representavam interesses em conflitos desde o
povoamento, colonização e disputa da terra nessa região abrangida pela colônia
de São Leopoldo.
Quando iniciou sua graduação em
História na Unisinos em 1977, vivíamos o início das lutas urbanas contra a
ditadura que combinavam sindicalistas, lideranças religiosas, camponesas,
culturais e intelectuais que reagiram massivamente em todos os espaços sociais
ao regime decadente. Quando ele concluiu o curso de História, em 1983, já
estávamos em outro patamar e promovendo a luta pelas eleições diretas em todos
os níveis no Brasil. Naquela época ou período de transição de 1977 a 1983, São
Leopoldo vivia um turbilhão de movimentos sociais de base dentro da
universidade, nas escolas, nas comunidades religiosas e também no meio
cultural.
Após um período de ocupação
local, dois anos após a conclusão do curso de graduação, em 1985, Marcos, então
professor já, iniciou o Mestrado em História na PUC de São Paulo e concluiu o
mesmo em 1989, com uma dissertação sobre o Clube de Gravura de Porto Alegre de
1940-1950. Onde ele inaugura uma nova abordagem de história cultural e
intelectual que depois será seguida em muitos outros estudos sobre esse grupo
que articulava arte, política e uma concepção social. Em 1990 iniciou sua carreira
de professor na Unisinos. E em 1997 já estava defendendo sua Tese de Doutorado
na PUC-RS como foi apontado acima. Também deve constar numa biografia mínima de
sua trajetória que parte de seu enfoque de análise social estava fundado em
interpretações e revelações sobre os processos de aquisição, disputa e luta
pela posse da terra em nossa região por diversos agentes e interesses,
demonstrando assim que a disputa ideológica ou cultural repousa principalmente
na luta pela sobrevivência e uma busca de um chão e uma terra para viver,
morar, plantar e existir plenamente.
Em novembro de 2007, Marcos
recebe uma homenagem que marca o reconhecimento de suas atividades minuciosas e
notáveis de pesquisa em arquivos públicos que embasaram sua tese e seu trabalho
de pesquisa e de seus orientados, o auditório do Arquivo Público do Estado do
Rio Grande do Sul passou a se chamar Marcos Justo Tramontini, atendendo à
sugestão da direção da seção gaúcha da Associação Nacional de História (Anpuh)
da qual Marcos também foi Presidente de 1998 a 2000.
A importância de Marcos como
historiador também passa por ter tido assento no Instituto Histórico Visconde
de São Leopoldo-IHVSL, ocupando a cadeira 13, nessa instituição que congrega
historiadores da imigração, colonização e história da região do vale dos sinos.
Marcos se despediu desse mundo de
conflitos e afetos Históricos, Políticos, Culturais e Sociais, em 1° de
Dezembro de 2004.
Agora, em 2019, teremos em São
Leopoldo um possível Local de Memória na Rua Brasil - próximo a Antiga Sede da
Prefeitura e ao lado do Hotel Kleinville onde está sendo construído um centro
de eventos com auditório.
Este lugar, servirá para referir
a este importante historiador de nossa cidade, tendo em vista que o Conselho
Municipal de Patrimônio Artístico e Cultural chegou a um termo na negociação
sobre intervenção e edificação que preserva parte relevante da residência em
que Marcos Justo Tramontini viveu desde sua nascença até sua emancipação
intelectual. O inicio dessa imporante trajetória de um historiador que
contribuiu tanto na compreensão da história da cidade quanto na formação de uma
legenda de historiadores e historiadoras através de suas pesquisas, lições,
orientações e também provocações à reflexão sobre história social, política e
cultural do povo brasileiro, gaúcho, portoalegrense e leopoldense .
Nenhum comentário:
Postar um comentário