Entrevista –
Estágio 1
Entrevistado:
Professor Daniel Adams Boeira
Entrevistador:
Fábio Cezimbra Rubo
1- Ao lecionar, quais as principais
distinções entre as turmas diurnas e noturnas que o Sr. Professor observa?
Observo que os
alunos e turmas do diurno tem comportamentos mais infantis, porém tem mais
capacidade de concentração e registram melhor os conteúdos, e que os alunos do
noturno estão mais cansados, tem dificuldade de concentração e tem mais
dificuldade para registrar os conteúdos, que, assim, o tempo de hora aula no
noturno é mais reduzido, mas que a maturidade dos alunos do noturno não é
suficiente para compensar este tempo mais reduzido. Também é importante
observar que no noturno alguns alunos encontram-se em defasagem idade série e
que outros ficaram algum tempo afastados da escola. Porém no noturno também
temos alunos/alunas adultos e que dão muita importância ao resultado escolar e
ao avanço nos estudos para suas vidas, sobrevivência, empregabilidade e renda.
Porém, ainda existem alunos que procuram o noturno, não porque trabalham ou
precisam, mas porque acreditam que será mais fácil estudar e as exigências
serão menores, o que não é o caso. Por fim, devo dizer que algumas destas
distinções vão se dissolvendo ao longo de três anos com os alunos, ocorrendo no
ensino médio na maior parte dos casos um maior amadurecimento, uma socialização
maior e também a superação destas dificuldades com apoio dos professores e
disposição e boa vontade dos alunos/alunas.
2- As aulas do turno noturno têm
preparação e dinâmica diferenciadas do turno diurno?
O que eu faço
de diferenciado no noturno é ser um pouco menos expositivo e resumir mais o
conteúdo. Minhas dinâmicas seguem ainda um mesmo padrão procurando acentuar uma
base conceitual, uma explicação temática com exposição e problematização do
conteúdo e abrindo links da matéria com a realidade atual ou conteúdos de
outras disciplinas. Tento amparar as aulas nos dois casos com leitura e
interpretação de textos didáticos. E cuido muito para inserir cada aula no
plano de estudos estabelecendo as relações do conteúdo especifico com o plano
geral e explicitando os objetivos.
3- O que a aprendizagem de Filosofia
pode trazer de significativo aos alunos para o aprendizado das demais
disciplinas do currículo escolar?
O que é
significativo para mim é aquilo que pode ser parte de um mesmo universo de
linguagem e de uma determinada prática social. Tenho evoluído, ao longo do
tempo em que leciono desde 1995, de uma interpretação e avaliação deste aspecto
mais externalista que considera a disciplina de filosofia como mais um conteúdo
ou capital cultural separado, para uma abordagem mais internalista que a
considera altamente vinculada e conectada com as demais disciplinas. Hoje creio
que a filosofia deve ser ensinada como uma espécie de subterrâneo ou paralelo
conectado com a história e o desenvolvimento dos demais ramos do conhecimento,
da ciência, da cultura e das práticas sociais. Tendo a ensinar filosofia no
tempo e e no seu contexto de produção. Por conta disto leciono com um fio
condutor histórico e conectado com as demais disciplinas de ciências humanas com
temas comuns sob enfoques próprios. Sem querer extrapolar ou supervalorizar
nossa disciplina, mas cada dia me convenço mais de que ela pode auxiliar a
organizar, problematizar e gerar entendimento da história das ciências e da
história humana, cumprindo um papel complementar e integrador de oferecer certo
estoque e acervo especifico para os demais ramos do conhecimento ou áreas em
diálogo com as questões atuais e do cotidiano atual.
4- O que a aprendizagem de Filosofia
influencia em geral no cotidiano prático dos alunos?
Em cada alunos
esta influencia deve ser diferenciada dado seu acervo cultural e suas condições
existenciais atuais, mas imagino que deva contribuir para a aquisição e
aplicação de determinadas distinções conceituais, gerar reflexão crítica sobre
a existência, o trabalho e suas relações com os demais seres humanos, sendo
estas de compromisso ou circunstanciais, e que também deve gerar uma certa
compreensão ou esclarecimento sobre as diferenças e os desafios sociais,
materiais, econômicos e políticos de cada aluno em suas comunidades e na
sociedade. Eu resumiria todos os ganhos possíveis em três palavras:
compreensão, reflexão e crítica. E que isto se aplica aos desafios e à busca de
soluções a eles na vida cotidiana e prática dos alunos.
5- O Sr. Professor poderia nos dar um
exemplo prático desta influência contando o caso de algum aluno específico seu?
(sem citar nomes)
Eu te diria
que os exemplos são abundantes, porque tenho alunos/alunas e ex-alunos/alunas
que cumprem diversos papéis sociais diferenciados. E creio que parte de minha
influencia mais forte sobre eles esteja ligada muito ao estimulo ao seu
engajamento sério e comprometido em questões sociais e em cumprir algum papel
social. Em alguns casos isso envolve luta social e disputa em debates em outros
envolve exercer alguma capacidade de organização e reflexão em sociedade.
Muitos ex-alunos/alunas meus e de meus colegas são profissionais bem sucedidos,
comprometidos, disciplinados e responsáveis criticamente em suas atividades
pessoais, profissionais e cidadãs. Tenho ex-alunos/alunas que são também
professores hoje e que me orgulham muito e também uma expressiva parcela deles
tenho reencontrado com muita gratidão e reciprocidade. Observo, na maior parte
dos que reencontro, um espírito muito humano, justo e compreensivo que se
destaca na forma em que eles se conduzem e tratam os próximos e também as
situações da vida. Porém, devo dizer que tributo isto a um resultado coletivo
do nosso trabalho coletivo de professores e portanto de outras disciplinas na escola
que reforçam estas dimensões e aspectos nos alunos/alunas durante sua formação.
Assim, vejo hoje com muita clareza meu papel de formador compartilhado com os
demais professores, equipe diretiva, equipe de apoio e servidores dos setores
na escola que contribuem para isto.
6- Quais as
principais transformações o Sr. Professor poderia elencar das suas primeiras
aulas como recém formando para as suas aulas ministradas nos dias de hoje?
Eu tinha uma
metodologia de ensino conteudista e muito planejada e voltada para ensino de
conteúdo e que supervalorizava a importância da disciplina no currículo e
avaliava com excessivo rigor os alunos. Hoje tendo a ser mais relacional e
cognitivo em relação aos alunos e a relativizar com tranquilidade a importância
da minha disciplina e entendo também com tranquilidade a hierarquia diversa ou
adversa de prioridades e disciplinas na aprendizagem dos alunos e suas
dificuldades de apreensão e compreensão. Tento também abrir meu conteúdo para
temas mais típicos da adolescência como escolhas profissionais e de vida,
questões sobre afetividade e relações humanas, compreensão de diferenças
culturais, religiosas e políticas e, também, sobre os desafios de aprendermos a
mudar nossas formas de lidar com sofrimento psíquico e social.
7- A escola apresenta um peculiar
sistema onde os professores têm salas fixas e os alunos encaminham-se para as
mesmas a cada troca de período. Por que razão este sistema foi adotado? E quais
os resultados observados desta nova dinâmica?
Esta dinâmica
de Salas Temáticas foi proposta para promover certa movimentação física nos
alunos, se deslocando e se movimentando de uma sala para outra e combatendo
assim o sedentarismo e dando espaço para que os alunos mais inquietos se
movimentem no ambiente escolar e também para promover um espaço e um ambiente
próprio e singularizado para as disciplinas primeiramente e ultimamente as
áreas. Eu creio que os resultados são ótimos porque também promoveram
integração maior entre os alunos/alunas e, ao mesmo, tempo a qualificação e
maior apropriação dos espaços escolares pelos educadores promovendo
organizações próprias das classes em sala de aula e a inclusão elementos
equipamentos próprios as disciplinas nestas salas. Para mim, em especial,
acabou gerando um cuidado maior e um zelo maior com limpeza e organização do meu espaço de
trabalho, dando também certa ênfase às questões e condições físicas e materiais
do ensino e do meu trabalho.
8- O que a Filosofia representa na sua
vida prática e quanto disso o Sr. Professor tenta passar para seus alunos?
Na minha vida
prática ela representa uma espécie de ordem de reflexão e compreensão sobre a
vida que expresso em palavras e que vou elaborando ao longo de vivencias e
experiências de todo tipo. E praticamente transmito isto sistemática e
organizadamente aos alunos. Ao longo da minha carreira ocorreu uma espécie de
implicação entre vida teórica, cognitiva e cultural e vida prática, sensível e
social. Então ocorre que muitas vezes minhas vivências subjetivas e de
investigação e reflexão filosófica se relacionam diretamente com minhas
experiências, ocorrendo uma alimentação reciproca do um universo pessoal com
meu aparente universo profissional. De certa forma não há uma fronteira entre
minha vida pessoal e profissional no sentido que sou a mesma pessoa nos dois
ambientes e que há conexões profundas entre ambos. Adoto um tom confessional e
pessoalizado, contando a minha história de vida e do meu encontro com a
filosofia e as questões filosóficas ou outras mostrando este desenvolvimento
ligado a uma vida real.
9- Nesses bons anos de magistério,
quais valiosas lições o Sr. Professor obteve de seus alunos?
Parte
fundamental do trabalho de um professor é conhecer a si mesmo, a outra parte é
conhecer os alunos e é a partir deste esforço consciente, paciente e reflexivo
que se consegue trabalhar com algum tipo de conhecimento e produzir alguma
forma de aprendizagem e reflexão filosófica e histórica com eles. Educar é um
processo, nunca estamos prontos, sempre podemos aprender mais e isso depende de
nossa boa vontade e de nossa disposição. Quando os tempos são favoráveis isto
acontece quase ao natural, mas quando as coisas estão difíceis isso é uma
exigência indispensável. E não há problema que não possa ser resolvido ou
reduzido com tranquilidade, disposição e dedicação. Vamos enfrentar
dificuldades, podemos errar e ver outros errarem, mas não podemos desistir. Um
dia, (num texto meu cujo título é Como vai a vida professor? Esta o resultado
disto), após diversas tribulações e dificuldades e em diálogo com meus colegas
e alunos/alunas conclui que era muito mais saudável encarar certas coisas de
certa forma. E, então, muito por força das interações com eles, conclui que a
roda de Sísifo do professor é desistir de desistir todos os dias e a todo
momento que algo não sai ou não está como preferiríamos, desejamos ou
gostaríamos e que assim nos tornamos os professores que os alunos querem e
precisam. Isto tem sido reforçado em mim a cada dia que passa...
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