“Eu compreendo bem o mal-estar de
todos esses. Foi, sem dúvida, muito doloroso, para eles reconhecer que sua
história, sua economia, suas práticas sociais, a língua que falam, a mitologia
de seus ancestrais, até as fábulas que lhes contavam na infância, obedecem a regras
que não se mostram inteiramente à sua consciência; eles não desejam ser privados,
também e ainda por cima, do discurso em que querem poder dizer, imediatamente,
sem distância, o que pensam, crêem ou imaginam; vão preferir negar que o
discurso seja uma prática complexa e diferenciada que obedece a regras e a
transformações analisáveis a ser destituídos da frágil certeza, tão consoladora,
de poder mudar, se não o mundo, se não a vida, pelo menos seu “sentido”, pelo
simples frescor de uma palavra que viria apenas deles mesmos e permaneceria o
mais próximo possível da fonte, indefinidamente. Tantas coisas em sua linguagem
já lhes escaparam: eles não querem mais que lhes escape, além disso, o que
dizem, esse pequeno fragmento de discurso – falado ou escrito, pouco importa –
cuja débil e incerta existência deve levar sua vida mais longe e por mais tempo.
Não podem suportar ( e os compreendemos um pouco) ouvir dizer: “O discurso não
é a vida: seu tempo não é o de vocês; nele, vocês não se reconciliarão com a morte;
é possível que vocês tenham matado Deus sob o peso de tudo que disseram; mas
não pensem que farão, com tudo o que vocês dizem, um homem que viverá mais que
ele.””
Michel Foucault. A Arqueologia do
Saber.
Na última página e parágrafo da
conclusão.
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