- Quando este surto de sabedoria
opinativa, rebarbativa e contemplativa passar, e Paulo Santana é só a pontinha
solta de um gigantesco Iceberg de insensatez e tolice quase generalizada que
assistimos, e tenho a suave impressão que – apesar de tudo - isso e o que vem
vindo junto disso, também vai passar, e, ENTÃO, quando isso ocorrer, talvez eu fale com
mais gosto e com mais reflexão de política e comunicação social. Por enquanto,
me dedico a terminar uma panorâmica propositada e indutiva sobre o ano de 1924
que só me faz ficar embevecido no que vai sair mais disto dai:
CARNAVAL DO ARLEQUIN – JOAN MIRÓ
& AS FROTEIRAS DA
REPRESENTAÇÃO
Para talvez compreender melhor um
acontecimento, parece desejável ver melhor a situação em que este algo se
encontram. E não se trata somente de contextualizar mecanicamente por uma lista
de fatores alheios ou próximos, nem de vasculhar mecanicamente um panorama, mas
sim de compreender uma dinâmica, uma certa topologia que por traz de suas
aparências difusas dialoga aqui e ali com algo que pode ganhar alguma
inteligibilidade, ser interpretado em suas partes e quem sabe receber uma
síntese qualquer que satisfaça nosso desejo de gosto e inteligibilidade. No ano
de 1924, já vivíamos este tempo agitado que conhecemos hoje, muitas coisas
aconteciam ao mesmo tempo, elas se entrecruzavam na história dos homens, das
idéias e das coisas, mas isso não me levará a dizer que havia uma
sincronicidade, nem alguma conspiração superior ou inferior contra este mundo.
Não é da ordem do destino ou do determinismo que estas coisas aconteciam. Elas
nos mostram muitas direções e situações que eram decisivas, transitórias ou
apenas iniciais na ordem das coisas e de uma causalidade qualquer de fatos. Nós
tendemos a ver elas como determinantes, mas sempre é bom lembrar ao homem
finito que por menor que ele seja elas podem ser ainda diferentes, ele ainda
tem suas escolhas a fazer. Coisas que podem representar algo importante aqui e
ali. Eu mesmo dou extremo valor e julgo relevante muitas coisas daquele tempo,
as quais de certa forma fizeram em um dia ou outro parte de minha vida até o
tempo atual e de meus estudos e investigações, curiosidades e reflexões.
1924 é, porém, aos olhos de outros
leitores um ano que poderia não ter nada de incomum, mas que é somente um ano
bissexto, um ano com 366 dias que, portanto, com um dia a mais que os outros,
mas é mais pois, visto desta distância e com os recursos atuais e minhas
associações livres aqui, sabemos que muitas coisas aconteceram naquele contexto
e naquela época. E isso pode ser desfiado como que em cadeia e com uma vista da
distância que possuímos hoje e com a possibilidade que temos hoje bem fácil de
traçar ou fazer uma panorâmica, cujo valor literário até 1990 seria razoável.
E é mais ou menos assim: enquanto
o Império Otomano de mais de 1400 anos sucumbia, sendo deposto o Califa,
enquanto George Mallory e Andrew Irvine desaparecem tentando atingir o topo do
Monte Everest, enquanto Lenin (falecido em 21 de janeiro) era embalsamado e
posto em um Mausoleu em Plena Praça Vermelha e com isto Petrogrado é renomeada
de Leningrado – e o pai de uma utopia
que se tornava real é substituído por seu seguidor mais sanguinário e
impiedoso, sendo um pesadelo para alguns e a máxima realização política para
outros, enquanto Hitler era solto de sua prisão por ser considerado
relativamente inofensivo, enquanto Mussolini e seus Camisas Pardas venciam com
diversas manobras e recursos estatais as eleições italianas consolidando uma
maioria facista de 2/3 no parlamento italiano, enquanto nos EUA, o jovem
ambicioso e inescrupuloso J. Edgar Hoover era apontado como cabeça para dirigir
o FBI, enquanto Franz Kafka falecia solitariamente após pedir a Bröd que queimasse seus rascunhos e textos,
enquanto Virginia Wolf volta a morar em Londres com seu marido e saiu de uma
espécie de exílio auto-infringido e cuidadosamente anotava em sua caderneta as
idéias que a levariam a escrever Mrs. Dalloway, enquanto Ernst Hemingway
bordejava por toda Paris e Europa a procura de suas letras, enquanto
Wittgenstein após passar uma temporada isolado dedicava-se a lecionar em uma
escola primária de Puchberg – não sem conflitos com os pais dos alunos e os
seus alunos, passa a pensar seriamente a cair fora dali e segue para lecionar
em outra cidade um pouco antes de aproximar-se do Círculo de Viena por
intermédio de contattos com Moritz Schlick, enquanto isso Heidegger, após
perder seu pai no ano anterior, lecionava atraindo muitos alunos em Heildelberg
com suas lições sobre Aristóteles como preparatórias para leitura de Platão,
gerando nestas lições a bem conhecida já hoje paixão da jovem Hannah Arendt por
ele e impressionando Hans Georg Gadamer, neste tempo, enquanto Edwin Hubble
descobria a partir de uma observação mais acurada de algumas imagens que eram
então chamadas de nebulosas, e que de fato para sua surpresa que a Via Láctea
era somente mais uma constelação ou melhor, somente uma entre muitas galáxias
do universo, enquanto Freud dedicava-se – não sem um misto de incredulidade e
ceticismo – a escrever um pequeno artigo de cinco páginas sobre a Negação – que
hoje é visto como essencial e fundamental por muitos estudiosos e escolas de
psicanálise e, ao mesmo tempo, prepara sua ruptura com Otto Rank por este
considerar que o trauma do nascimento é mais importante do que o conflito
edípico, enquanto a Rhapsody in Blue, de
George Gershwin, tem sua primeira apresentação em New York City, enquanto o Capitão
de Engenharia Luis Carlos Prestes em outubro liderava um levante de tenentes em
Santo Angelo que levou à Coluna Prestes a andar por mais dois anos no Brasil
até fevereiro de 1927, enquanto aqui em São Leopoldo ao inicio do ano – o
ex-secretário de Borges de Medeiros, Prefeito e interventor indicado pelo
Presidente do PRR e eleito Mansueto Bernardi tomava a difícil decisão pessoal e
política de abandonar a Prefeitura Municipal, voltar ao serviço público
estadual e dedicar-se mais ainda à Editora do Globo e mais às letras do que à
política.
Fico imaginando indutiva e
insensatamente que, então, logo após a publicação do Manifesto do Surrealismo
por André Breton, e a divulgação dos primeiros números de La Révolution
Surrealiste, em que o mesmo defende o surrealismo como um “puro automatismo psíquico”,
e, então, só para contrariar o ditado, com pitadas claras de dadaísmo e cubismo
e passando fome cujos delírios não eram de um sonho e que provavelmente Joan
Miró avançava o sinal a partir de seus esboços para pintar um quadro que virá a
ser conhecido como Carnaval do Arlequim e que expomos aqui – que na minha
modesta e nada especializada opinião talvez seja a obra inaugural de sua longa
e bela trajetória de produção, inovação e criação de uma estética própria e
original que seguirá até sua morte em 1983.
“A natureza generosa deu ao
artista a capacidade de exprimir seus impulsos mais secretos, desconhecidos até
por ele próprio, por meio dos trabalhos que cria; e estas obras impressionam
enormemente outras pessoas estranhas ao artista e que desconhecem, elas também,
a origem da emoção que sentem.”
SIGMUND FREUD - O sonho de infância de Leonardo
da Vinci, 1910.