SOBRE HONRAR A PRÓPRIA ALMA:
PLATÃO, AS LEIS, LIVRO V
Fui ler As Leis numa noite desse
ano, bem provocado por uma postagem do Professor Roberto Romano da Silva, in
memoriam, sobre o tema do amor excessivo de si mesmo, e acabei buscando um
pouco antes da citação dele o contexto
do Livro V que antecede essa passagem citada por Roberto, para ver como se
chega a esse ponto. Eis que encontrei lá uma passagem para mim muito maravilhosa
no núcleo da doutrina tardia de Platão sobre a alma e sobre um tema de ética e
de psicologia.
Vejamos a passagem citada pelo
Professor primeiro com seu comentário balizador. A questão é que o amor
excessivo de si mesmo não honra a sua alma, como veremos depois. A passagem
serve sim como bem comenta Roberto a afirmação de Platão para todos os
homens. Segundo Roberto e Platão: O amor
de si mesmo (filáucia) é o pior malefício. E conclui Roberto, como nós nos
amamos!
“Todo homem deve ser ao mesmo tempo apaixonado e gentil
no mais alto grau. Porque, de um lado, é impossível escapar dos malefícios de
outros homens quando tais malefícios são cruéis e difíceis de remediar, ou
mesmo irremediáveis, a não ser por uma luta vitoriosa e auto defesa e pela
punição mais vigorosa; e tudo isso nenhuma grande alma pode efetivar sem nobre
paixão. Mas, de outro lado, quando
homens cometem erros remediáveis, deve-se em primeiro lugar reconhecer que todo
malfeitor é um malfeitor involuntário, pois ninguém em nenhum lugar quer
voluntariamente adquirir grande males, menos ainda em suas preciosas posses. E
o mais precioso verdadeiramente em todo homem (...) é a alma. Ninguém, pois, admitirá voluntariamente
nesta preciosíssima coisa o pior mal vivendo nele durante toda a sua vida.
Agora, o malfeitor em geral que comete erros deve ser lamentado pois é
permitido mostrar piedade a quem pratica erros remediáveis, descontar sua
paixão e tratá-lo gentilmente (....) mas relativamente ao homem totalmente e
obstinadamente perverso e ruim pode-se dar curso livre à ira. Mas afirmamos que
pertence ao homem bom sempre ser ao mesmo tempo apaixonado e gentil. Há um mal,
maior do que todos os outros presente nos homens (πάντων δὲ μέγιστον κακῶν ἀνθρώποις),
implantado em suas almas e que cada um deles desculpa em si mesmo e não faz
esforço algum para evitar. É o mal que vem todo homem ser por natureza amante
de si mesmo e que é certo ser assim. Mas a verdade é que a causa dos piores
erros em todo caso está no excessivo amor que a pessoa tem por si mesma. Porque
o amante é cego na sua visão do objeto amado. Ele é péssimo juiz das coisas
justas ou e boas e nobres e se convence
de que sempre o que é seu merece mais estima do que merece na verdade (...)
Todo homem deve fugir de amar a si mesmo veementemente, mas deve estar sempre à
procura do que vale mais do que ele, sem buscar se por, em tal situação, atrás
de algum sentimento de falsa vergonha”. (Platão, Leis, 731 d- e)
Esse amor de si deve ser para
alguns apenas algo como vaidade, orgulho ou excessiva auto estima e também
narcisismo. Fico me perguntando se não é algo como a Hybris que Aristóteles vai
apontar depois em suas Éticas, a Nicômaco e a Eudemo. Parece que sim, porém,
não no sentido negativo sempre divisado, mas sim como aquela grandeza que só
quem tem caráter e dignidade inegociáveis pode ter.
Por outro lado, é impressionante
como Platão parece introduzir essa nova modalidade de vocabulário moral nesse
texto. Você abre lá As Leis, sua última obra, e se dá conta dessa determinação
originária da consciência moral ocidental em Platão. Talvez seja só uma
impressão minha, mas a releitura desse Platão tardio pode nos ajudar a retomar
um fio da meada perdida na trama da moralidade e da imoralidade contemporânea.
Na passagem, Platão apresenta uma
abordagem do que me parece ser uma questão muito fundamental Sobre Honrar a
Própria Alma. Então resolvi fazer esta leitura.
Fiquei, primeiramente muito feliz
com essa reflexão e me dei por conta de que o fundo oculto mesmo das questões
atuais é de fato o tema das virtudes intelectuais e da nossa consideração
adequada de respeito a si mesmo e de respeito ao próximo. Na acepção platônica
da Leis trata-se de honrar a própria alma como uma forma de preservar sua
dignidade ou mérito próprio e ser capaz de compartilhar ou na expressão da
tradução platônica repartir
“De todos os bens que se possuem
depois dos deuses, o mais divino é a alma visto que é o mais pessoal.” "Nada
que é maligno confere honra."
PLATÃO, As Leis, Liv. V, 726.
E o núcleo que divide
absolutamente o mundo, os homens e todas as almas: "Nada que é maligno
confere honra."
IN MEMORIAM ROBERTO ROMANO DA SILVA
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