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quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

SOBRE HONRAR A PRÓPRIA ALMA: PLATÃO, AS LEIS, LIVRO V

 

SOBRE HONRAR A PRÓPRIA ALMA: PLATÃO, AS LEIS, LIVRO V

Fui ler As Leis numa noite desse ano, bem provocado por uma postagem do Professor Roberto Romano da Silva, in memoriam, sobre o tema do amor excessivo de si mesmo, e acabei buscando um pouco antes da  citação dele o contexto do Livro V que antecede essa passagem citada por Roberto, para ver como se chega a esse ponto. Eis que encontrei lá uma passagem para mim muito maravilhosa no núcleo da doutrina tardia de Platão sobre a alma e sobre um tema de ética e de psicologia.

Vejamos a passagem citada pelo Professor primeiro com seu comentário balizador. A questão é que o amor excessivo de si mesmo não honra a sua alma, como veremos depois. A passagem serve sim como bem comenta Roberto a afirmação de Platão para todos os homens.  Segundo Roberto e Platão: O amor de si mesmo (filáucia) é o pior malefício. E conclui Roberto, como nós nos amamos!

 “Todo homem  deve ser ao mesmo tempo apaixonado e gentil no mais alto grau. Porque, de um lado, é impossível escapar dos malefícios de outros homens quando tais malefícios são cruéis e difíceis de remediar, ou mesmo irremediáveis, a não ser por uma luta vitoriosa e auto defesa e pela punição mais vigorosa; e tudo isso nenhuma grande alma pode efetivar sem nobre paixão.  Mas, de outro lado, quando homens cometem erros remediáveis, deve-se em primeiro lugar reconhecer que todo malfeitor é um malfeitor involuntário, pois ninguém em nenhum lugar quer voluntariamente adquirir grande males, menos ainda em suas preciosas posses. E o mais precioso verdadeiramente em todo homem (...)  é a alma. Ninguém, pois, admitirá voluntariamente nesta preciosíssima coisa o pior mal vivendo nele durante toda a sua vida. Agora, o malfeitor em geral que comete erros deve ser lamentado pois é permitido mostrar piedade a quem pratica erros remediáveis, descontar sua paixão e tratá-lo gentilmente (....) mas relativamente ao homem totalmente e obstinadamente perverso e ruim pode-se dar curso livre à ira. Mas afirmamos que pertence ao homem bom sempre ser ao mesmo tempo apaixonado e gentil. Há um mal, maior do que todos os outros presente nos homens (πάντων δὲ μέγιστον κακῶν ἀνθρώποις), implantado em suas almas e que cada um deles desculpa em si mesmo e não faz esforço algum para evitar. É o mal que vem todo homem ser por natureza amante de si mesmo e que é certo ser assim. Mas a verdade é que a causa dos piores erros em todo caso está no excessivo amor que a pessoa tem por si mesma. Porque o amante é cego na sua visão do objeto amado. Ele é péssimo juiz das coisas justas ou e boas e nobres e  se convence de que sempre o que é seu merece mais estima do que merece na verdade (...) Todo homem deve fugir de amar a si mesmo veementemente, mas deve estar sempre à procura do que vale mais do que ele, sem buscar se por, em tal situação, atrás de algum sentimento de falsa vergonha”. (Platão, Leis, 731 d- e)

 Esse amor de si deve ser para alguns apenas algo como vaidade, orgulho ou excessiva auto estima e também narcisismo. Fico me perguntando se não é algo como a Hybris que Aristóteles vai apontar depois em suas Éticas, a Nicômaco e a Eudemo. Parece que sim, porém, não no sentido negativo sempre divisado, mas sim como aquela grandeza que só quem tem caráter e dignidade inegociáveis pode ter.

Por outro lado, é impressionante como Platão parece introduzir essa nova modalidade de vocabulário moral nesse texto. Você abre lá As Leis, sua última obra, e se dá conta dessa determinação originária da consciência moral ocidental em Platão. Talvez seja só uma impressão minha, mas a releitura desse Platão tardio pode nos ajudar a retomar um fio da meada perdida na trama da moralidade e da imoralidade contemporânea.  

Na passagem, Platão apresenta uma abordagem do que me parece ser uma questão muito fundamental Sobre Honrar a Própria Alma. Então resolvi fazer esta leitura.

Fiquei, primeiramente muito feliz com essa reflexão e me dei por conta de que o fundo oculto mesmo das questões atuais é de fato o tema das virtudes intelectuais e da nossa consideração adequada de respeito a si mesmo e de respeito ao próximo. Na acepção platônica da Leis trata-se de honrar a própria alma como uma forma de preservar sua dignidade ou mérito próprio e ser capaz de compartilhar ou na expressão da tradução platônica repartir   

“De todos os bens que se possuem depois dos deuses, o mais divino é a alma visto que é o mais pessoal.” "Nada que é maligno confere honra."

PLATÃO, As Leis, Liv. V, 726.

E o núcleo que divide absolutamente o mundo, os homens e todas as almas: "Nada que é maligno confere honra."


IN MEMORIAM ROBERTO ROMANO DA SILVA

 

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