A VERTIGEM METAFÍSICA EM
HEIDEGGER
"Para quem fica
impressionado/a com alguns poucos intelectuais que defendem, apesar de todas as
evidências de autoritarismo e de suspeitas de corrupção, Bolsonaro basta lembrar que o grande filósofo
Heidegger era nazista e fez discursos em defesa do Führer. Não é uma questão
intelectual. É uma questão de poder e de sua afirmação."
Érico Andrade
O post do amigo e professor de
filosofia, de meses atrás, Érico Andrade sobre os intelectuais que persistem na
defesa de Bolsonaro me faz ter a sensação de estar em uma grande bolha progressista.
Mas também me provoca a
curiosidade de saber quem seriam esses intelectuais resistentes ao que já está
mais do que insustentável e indefensável. Porém, essa curiosidade se dissolve
rapidamente pela insignificância dos mesmos. Me questiono também sobre onde
eles encontram razões ou razoabilidade para fazer a defesa de Bolsonaro.
Suponho que devam ser razões muito tortuosas e que talvez façam esse tipo de
defesa com um excesso de retórica que despreze a verdade escancarada.
Seria uma negação ou uma versão
de negação no âmbito moral e filosófico, sociológico e também ideológico?
Mas a comparação com Heidegger
deveria ser apenas parcial e, bem analisada, absolutamente inaplicável. Pois
nenhum deles possui qualquer virtude intelectual, produção sem igual ou algum
traço de uma grande reflexão metafísica que mereça destaque e consideração.
Sobre Heidegger, me parece claro e
insofismável que Heidegger foi um zero em política e que tinha uma extrema
dificuldade para considerar algo além da sua carreira pessoal e de suas
ocupações intensas com a filosofia e a metafísica. Que por mais relevante que
seja a sua leitura da Metafísica, a profundidade de suas leituras dos gregos e
mesmo a sua concepção filosófica em Ser e Tempo, ele era incapaz também por uma
certa negação em reconhecer a monstruosidade de Hitler. E essa negação talvez
esteja ligada a uma falta de parâmetro político e campo de interlocução
política relevante.
O caso Heidegger que já é um
escândalo bem conhecido carrega junto também a compreensão e a tolerância
afetiva de Hannah Arendt com ele. Certamente a âncora que Hannah Arendt lançou
a ele naufragado, se deve ao notável vínculo pessoal de ambos e a importante
consideração dela as contribuições dele a metafísica. É preciso sim reconhecer
a importância da reflexão ou verstehen metafísica de Heidegger, mas o fato dele
nunca ter dado o braço a torcer ou ter reconhecido a insensatez dessa escolha e
decisão, dessa adesão sem reflexão, me leva a crer - como em outros casos, que
filósofos correm o risco de se perder em paixões e insensatez.
A traição vergonhosa ao mestre
Edmund Husserl e também a conduta de Heidegger na Reitoria é um momento muito
triste e trágico para a filosofia e em especial para a filosofia alemã do
século XX. A adesão de Heidegger ao nazismo não é apenas um detalhezinho. E a ausência
de qualquer autocrítica ou o silencio dele após esse episódio talvez marque
justamente a sua permanência não no nazismo, mas naquilo que chamo de vertigem
metafísica ou certo isolamento espiritual. Essa é uma sombra do negativo ou do
lado escuro da força no mundo intelectual alemão que paira sobre a
racionalidade subjetiva e autocentrada.
Estou às voltas, por outro lado,
nesse momento com o caso de Rousseau, por exemplo, que em sua concepção de
casamento colocava a mulher na condição de satisfazer as necessidades do homem
e lhe ser subserviente. E fico pensando também que talvez essa seja uma
condição comum ao pensamento de que em todo o pensar poderia haver uma espécie
de "lado sombra" não resolvido, em que os filósofos são incapazes de
escapar a condição de seu tempo, por mais que tentem ir além de seu tempo,
atingir a totalidade do real e serem capazes de interpretar e se posicionar
para além do seu tempo, para além do passado na história do pensamento.
Talvez seja também o risco de uma
razão instrumental no pensamento. Ou, ainda, as consequências daquilo que tendo
a chamar de absolutismo da razão em que se buscam soluções absolutas e somos
seduzidos por perspectivas que tentam superar as contradições do real através
de uma medida ou solução absoluta e definitiva.
Essa vertigem Metafísica talvez
seja o descaminho ou o risco mesmo de toda aventura na filosofia e no caminho do
pensamento.
O que se passa? Que mecanismo é
esse? Quanto mais se busca a totalidade, mais se desprezam as singularidades e
diferenças. Quanto mais se busca a
razão, mais pessimistas ficamos. E talvez assim, por esse pessimismo mesmo,
acabe por ocorrer essa sedução do absoluto.
É nisso que encontro a comparação
que merece mais distinções com a Vertigem Metafísica de Heidegger e a miséria
moral do Bolsonarismo entre intelectuais que podem ser considerados no mínimo
desonestos. No sentido, de se precisar fazer a distinção clara entre as poderosas
reflexões Metafísicas dele e a miséria moral e política da conduta dele. Acredito
em que ele foi reacionário por estar profundamente desconectado de um círculo
mais amplo e consistente de intelectuais alemães.
Tudo se passa como se ele só se
dedicasse mesmo aos seus trabalhos numa cabana, ler e escrever sobre os gregos,
sobre os pré-socráticos, Platão e Aristóteles e sobre Nietzsche, Hölderlin,
Kant e Descartes e que, portanto, não tinha mesmo tempo para acompanhar algo
como um pensamento coletivo e refletir profundamente sobre as contradições
políticas do seu tempo.
Porém, ninguém poderá negar que
sua obra Metafísica e releituras e interpretações da filosofia possuem uma
grandeza notável e extremamente singular. Ninguém que se dedique efetivamente
aos temas filosóficos que ele estuda poderia diminuir o seu valor. Alguns
tentam vincular a Metafísica dele às suas escolhas e descaminhos políticos. Eu
creio que isso é enganador e absolutamente injusto com a sua obra.
Heidegger sucumbiu, então, talvez
por mergulhar muito mais profundamente na tradição, a uma certa vertigem da
Metafísica ocidental. Sim, vertigem no sentido de tonteira e uma perturbação do
equilíbrio, mas também como queda no abismo de uma razão cega e não apropriada
dos seus limites.
Que isso parece ser uma
perspectiva profundamente individualista e egocentrada em Heidegger. E uma
Vertigem bem mais miserável e improdutiva nesses intelectuais brasileiros
adoradores do mito ou do novo anti-logos negacionista.
Eu penso que precisamos fazer uma
revisão da Metafísica de tempos em tempos. Ou como já disse Nietzsche, são nos
tempos difíceis que a Metafísica dá seus saltos e mergulha muitos no seu
abismo. Como se fosse uma esfinge da história a desafiar a racionalidade e a
busca da totalidade.
O real tem esse ou parece ter
sempre uma espécie de seu avesso que leva aos descaminhos ou labirintos do
pensamento e da liberdade. O problema dessa vertigem desafiadora parece ser
intrínseco a isso. Cada vez que nos deixamos levar a isso acabamos
negligenciando ou descuidando mesmo os assuntos mundanos. Perdemos o chão sobre
o qual pisamos. Isso não ocorre por uma transcendência virtuosa, mas sim pelas
desventuras viciosas ou ansiosas do pensamento que quer se livrar das
contradições do real com um absoluto.
Eu me convenço às vezes que não
tem como. Deveríamos pensar todos em sermos solidários aos metafísicos e eles
aos mundanos. Tanto para evitar essa vertigem do absoluto, quanto o mergulho na
contradição do real.
Bem de boas. Podemos olhar para
outra coisa também. Uma certa divisão do trabalho intelectual. Por fim, após
toda essa peroração aqui, também penso na provável falta de "qualidade
acadêmica aceitável".
Quem são estes que, apesar de todas
as advertências e ocorrências negativas, ainda resistem nesses descaminhos e
nessa estrada da perdição? Certamente não serão bem lembrados no futuro, tanto
porque erram na caminhada, quanto porque são absolutamente inexpressivos em
suas áreas de atuação e jamais poderiam ser comparados a um Heidegger e sequer
podemos aplicar a eles alguma causa como a grande vertigem metafísica descrita
e ao meu ver com justiça aplicável a Heidegger.
P.S.: esse texto foi esboçado no
inicio do ano e estava guardado. Resolvi publicar para gerar reflexão.
Reconheço que poderia fazer algumas revisões ou melhorias, mas desejo que cada leitor
ou leitora reflita por si mesmo.
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