“Apesar de você, amanhã há de ser, outro dia...”
Agora
entendo melhor a dedicação de muitos a fazer graça e usar do humorismo na
ditadura militar brasileira (1964-1985). Esse espírito habitou e vivificou a resistência
de forma tão eficaz ou mais eficaz do que outras medidas. Na música, no teatro,
na literatura, poesia, jornalismo alternativo, nas escolas e igrejas. Poderia
dar aqui milhares de exemplos do uso bem dosado do humor para suportar aqueles
dias.
Não é – vejo hoje muito bem - uma
forma de desprezar ou não reconhecer a gravidade da situação, mas é uma forma
de sobreviver ao desalento e ao desespero que uma situação dessas implanta. Porque,
mesmo num horizonte nebuloso, no fundo escuro das trevas de um país mergulhado
em autoritarismo, é preciso sorrir. Ou seja, entendo porque muitos fizeram
graça ou pirraça no meio de uma ditadura militar. Não é por cinismo não. Essa foi
uma forma de debochar perante o fascismo e de manter a erguida a bandeira da
esperança, em meio aos horrores e às piores tempestades. De fato, tratou-se de
uma estratégia de sobrevivência psíquica. Um recurso para preservar a sanidade
em meio à loucura, à insanidade e à decadência de um país mergulhado nas trevas,
isto é e foi, um meio para sobreviver no reino da burrice, no reino da censura
e do autoritarismo. Digo burrice, porque só a ignorância histórica faz hoje o elogio
daquele tempo e mortificar-se em meio a uma tragédia, é somente aumentar o
sofrimento e esticar a corda para além do limite necessário.
Não embarcar, então, no pessimismo
generalizado que sempre acompanha os momentos difíceis – que vem travestido de
um extremo realismo, mas que, de fato, é pura depressão causada pelo desespero
de causa, é uma forma de abrir os horizontes e garantir o ânimo necessário para
a ação e a reação que vão construir a luz no fim do túnel e a saída desse tempo
tenebroso. Ninguém como a esquerda que tantos reveses já sofreu na história –
cujo balanço detalhado inclui mais derrotas do que vitórias – tem mais
necessidade de fazer isso de ter essa atitude e espírito de bom humor.
Dura
demais é a vida para qualquer inteligência mediana e bem informada neste país,
que não seja capaz de rir e debochar com riso alargado dos que promovem os
atuais retrocessos na nossa história. Penso que precisamos fazer isso muito
mais. Lendo os compartilhamentos que fiz nos
anos que antecedem ao golpe/impeachment no passado e tendo sempre a capacidade
de pensar na perspectiva pior em qualquer direção que as coisas sigam – apesar de
não externar isso jamais - me dei conta do todo da obra golpista, do alcance e
das implicações do ridículo que vivemos. Porque todas as vitórias contra nós
são produto de manobras, burlas, fraudes, conspirações e usurpações. Não é a
justiça que nos condena, mas sim a injustiça togada, não é a sabedoria que nos
julga, mas sim a estupidez diplomada, não é a moral que produz juízos sobre
nós, mas sim a imoralidade mal disfarçada. Os exemplos vergonhosos do que digo
são assombrosos. Nenhum dos nossos acusadores sobrevive ao teste da verdade ou
a prova criteriosa da defesa do interesse público, do bem comum ou da soberania
nacional. É cômico ver e ouvir as arguições de nossos adversários em qualquer
palanque, tribuna, sob as câmaras da tevê, nos microfones das rádios, nas
colunas dos jornais, na mesa de bar ou do cafezinho no ônibus ou nas ruas. Veja
que simplesmente não tem a razão, nem boas razões e os argumentos que usam
provam isso ao limite do ridículo. Nos resta mesmo rir deles, além de lutar,
fazer passeatas e erguer a nossa voz nas ruas contra o golpe e a agenda
golpista, porque tal coisa não poderá sobreviver impune à nossa capacidade de
fazer graça.
Se pode ficar
muito pessimista sim, eu compreendo perfeitamente isso, mas é preciso encarar o
pessimismo com altivez e bom humor. Este é um modo de usar o pessimismo de modo
racional de certa forma, na dosagem certa, como a base sobre a qual invertemos
a chave do humor e atacamos impiedosamente e sem temor os absurdos que vivemos.
Não vamos sair mesmo desse estado que parece ser o pior dos mundos possíveis, sair
do muro de lamentações e dos prejuízos sociais e culturais que se vão acumulando,
sem acusar com a ponta do lápis o ridículo disso tudo.
Alguns dizem, porém,
como forma de alerta e de advertência, que vamos viver isso tudo ainda nos
próximos dez ou vinte anos, mas eu creio que isso só pode aumentar, se nós não
enfrentarmos esse processo com a audácia, ousadia, galhardice e a coragem
necessária. Vamos fazer graça. Vamos fazer tudo aquilo que pode envergonhar
esses canalhas, porque de fato o que lhes falta é mesmo a falta de vergonha e o
senso do ridículo. Vou virar um pouco mais humorista. Acho que é no modo de
ação e de reação a única saída mesmo. Muita ironia e garbosidade. Bom humor e
informação precisa ajudam muito na sobrevivência psíquica da gente e de muitos
de nós. Mantendo, então, a ternura, mas endurecendo nas tintas. Fazer então
graça, manter o humor elevado nos fará sobreviver e ao mesmo tempo constranger
esses canalhas.
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