SÊNECA E A NOSSA EXPERIÊNCIA DE
FORMAÇÃO
Bom Dia....a amiga Mariane Farias
postou uma passagem muito interessante de Sêneca que me levou a refletir sobre
a diferença entre condições e interesses na formação de intelectuais.
"Tanto aquilo que me
escreves como o que oiço dizer de ti fazem-me ter boas esperanças a teu
respeito: não viajas continuamente nem te deixas agitar por constantes
deslocações. Um semelhante deambular é indício duma alma doente: eu, de fato,
entendo que o primeiro sinal de um espírito bem formado consiste em ser capaz
de parar e de coabitar consigo mesmo.
Toma, porém, atenção, não vá essa
tua leitura de inúmeros autores e de volumes de toda a espécie arrastar algo de
indecisão e de instabilidade. Importa que te fixes em determinados
pensadores,que te nutras das suas idéias, se na verdade queres que algo
permaneça definitivamente no teu espírito.
Estar em todo o lado é o mesmo
que não estar em parte alguma! Ora a quem passa a vida em viagens acontece ter
muitos conhecimentos fortuitos, mas nenhum amigo verdadeiro; o mesmo sucede
logicamente àqueles que não se aplicam intimamente ao estudo de um pensador,
mas sim percorrem todos de passagem a correr."
(Trecho de Cartas a Lucílio I, 2
- trad. de J. A .Segurado Campos)
Estamos aqui na parte positiva ao
meu ver desta ferramenta. Esta postagem cai como uma luva para enquadrar e
construir um paralelo e antagonismo entre dois tipos de experiências de
formação de intelectuais bem típicas do século XX, entre nós hoje e muito
provavelmente no passado também. Quando digo passado quero dizer aqui
antiguidade, idade média e modernidade.
Não gostaria de lembrar ou ficar
aqui fazendo lista sem a devida explicitação de porque certas personagens caem
em uma ponta afinada ao que Sêneca diz e porque outros caem na sua oposta
condição.
E começo - para variar meu método
de reflexão - olhando para mim mesmo, sem justificar ou fazer racionalizações
compensatórias. Não haveria nenhuma possibilidade deste jovem aqui ter seguido
um itinerário disciplinar e bem assentado de formação. Ele seguiu sua
curiosidade e a disponibilidade fortuita de bibliografia aqui e ali. Quanto ao
assento houve que vagar e peregrinar de certa forma por vária condição
habitacional em muitos casos em busca do melhor lugar para dar continuidade a
sua trajetória de formação.
Mas agora saio de mim e lembro,
por exemplo, uma figura maior para mim como Kerouac e poderia citar talvez a
maioria dos grandes escritores de nosso tempo, pois que ainda que eles não
tenham uma obra sistemática filosófica, cabe a nós seus leitores atentos
extrair de seus relatos, ficções e inventivas as pérolas talvez de uma
sabedoria tão próxima aos fragmentos e aos aforismos de outros escritores e
sábios. E eles vagaram e muito. Ao ler Kerouac e outros encontro em seus textos
aqui e ali verdadeiros fragmentos filosóficos que não dá uma obra, mas podem me
suscitar idéias tão importantes como ao meu ver esta bela carta de Sêneca a
Lucilio seu discípulo suscitou em mim agora.
Me ocorre também agora a
lembrança deambulante de uma das frases mais singulares e reveladoras que ouvi
para explicar o "milagre grego" do Messier Michel Serres "os
gregos viajavam". Então, não ter assento ou habitar certo lugar pode ser
uma vantagem. Entendo também que o "habitar a si mesmo" referido por
Sêneca ai equivale talvez a um governo de si mesmo, mas eu penso também que não
há melhor governo de si mesmo do que aquele que é exigido - ainda que tenha
seus desconfortos - pela exposição ao mundo, ao estrangeiro, ao estranho. Isso
te obriga a ser muito sábio no teu cotidiano e ao mesmo tempo estar aberto e
cuidadosos para com o outro. Mas eu também me lembrei de Hannah Arendt e suas
múltiplas e diversas paragens e interesses.
Mas com certeza Sêneca deixaria
Jack Kerouac mais reflexivo pela falta de amigos que todas as andanças dele o
levaram a ter e pela sua tragédia pessoal ligada justamente a isto que Sêneca
chama de falta de habitar com conforto a si mesmo. Por fim, com certeza correr
por sobre os textos e passar de visada por teorias é o oposto de qualquer
possibilidade de amadurecimento e aprofundamento de uma reflexão que deveria
ser aguardada e longamente maturada sobre isso ou aquilo.
Nenhum de nós quer ter uma alma
doente, então, muito obrigada pela postagem porque me lembra e me faz refletir
mais ainda sobre estes e outros assuntos o que inclui ai a condição mais ou
menos confortável dos intelectuais de acordo com sua condição de classe e dos
meios de que dispõe para formar-se e viver.
Um abraço.
DE 2014
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