SARTRE, Jean Paul. As Palavras.
Tradução de Jacó Guinzburg. 3ª Edição. São Paulo: Difusão Européia do Livro,
1967, 159p.
“Naturalmente, não sou trouxa;
bem vejo que nós nos repetimos...” (p.151)
“O que eu amo em minha loucura, é
que ela me protegeu, desde o primeiro dia, contra as seduções da “elite”: nunca
me julguei feliz proprietário de um “talento”: minha única preocupação era
salvar-me – nada nas mãos, nada nos bolsos – pelo trabalho e pela fé. Desta
feita, minha pura opção não me elevava acima de ninguém; sem equipamento, sem
instrumental, lancei-me por inteiro a ação para salvar-me por inteiro. Se
guardo a impossível salvação na loja dos acessórios, o que resta? Todo um
homem, feito de todos os homens, que os vale todos e a quem vale não importa
quem.” (p.159)
Este livro é simplesmente a
primeira biografia de filósofo que eu li na vida. Eu adquiri ela por tostões
com a minha consciência de certa incapacidade econômica de adquirir, pelo valor
que tinha na banca, a biografia de Sartre recém lançada em 1987 de Annie Cohen
Solal pela editora L&PM, e eu namorei esta biografia muito tempo na feira
do livro. Nos últimos anos fui ler e bem me vi nas peripécias e na coragem que
agora nesta hora da minha caminhada tenho muita vontade de cometer. ...e creio
que fará muito mais sentido viver com uma consciência plena e assumida do que
fazer papel de desorientado como alguns que nunca estiveram nem perdidos e nem
muito menos desamparados. Estes dias li um texto de uma raposa que atacou mais
de cinquenta galinheiros fazendo Cocoricó. Me senti tocado pela lamentação
moral tardia de alguém que nunca considerei levada de Roldão por coisa, causa
ou pessoa alguma. Como também vi um pusilânime a falar de certas fidelidades
que ele não entendia simplesmente porque ele nunca foi leal à outra coisa do
que sua própria vantagem ou vaidade pessoal. E lembrando também da questão da
virtude ou dá honra como ficamos discutindo ontem que mesmo entre rivais,
adversários ou até inimigos nos leva até o final da peleia e dá vida com
firmeza, lado e muita perseverança mesmo sob o pior quadro.
Mas há algo de maravilhoso para
mim nesta pequena autobiografia de Sartre porque ela substituiu com ganhos para
mim a biografia de Annie. Nela ele conta com ironia e muitos detalhes a sua
formação e influências familiares, culturais e políticas e também de suas
resistências que de forma muito reveladora se constituíram de tal modo que
desde a sua infância, ele tenta ensejar seu próprio caminho apesar de...por
exemplo, ser sobrinho de um piedoso Albert Schweitzer e resistir a fortíssima
influencia da igreja em sua família. E ela me serviu muito no sentido de
construir também em mim certa autoconsciência e um processo de diferenciação
semelhante. Nada disto é feito por vaidade, mas sim por um sentido de
responsabilidade sobre s própria vida, destino e projeto.
Esta passagem, por sua vez,
representa algo muito importante para mim em minha formação e em minha
trajetória porque apresenta a necessidade permanente de tentarmos resistir à
certos papéis que alguns conselheiros ajuizados tentam nos atribuir e que são
melhores para o que os outros querem de nós, do que, para o que, cada um de
nós, pode ser por decisão própria e escolha refletida, ainda que sem o
consentimento ou aprovação de outrem.
O texto da contracapa, enfim,
desta tradução de As Palavras é este:
“Jean Paul Sartre inicia uma nova
tarefa comunicar o sentido que, para ele, tem a sua vida. AS PALAVRAS abrange o
período da infância. Não se deve esperar desse pequeno livro o relato
saudosista de um velho senhor que rememora episódios encantadores do mundo da
criança, ou rostos amados e desaparecidos. Nada disso. Aqui o leitor encontrará
um requisitório contra o mundo da criança e, honesto, não poderá deixar de
examinar, por conta própria, o que foi a sua infância.”
E assim de muito me serviu esta
leitura preambular à minha formação acadêmica em filosofia.
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