"HÁ UM HOMEM PELAS RUAS" : Sérgio Jockyman
“Há um homem pelas ruas.
(artigo escrito para o jornal Diário de Notícias em 25/08/1954)
Muitos estiveram junto dele e não o viram. Muitos tocaram suas mãos e não o sentiram. Muitos desejaram suas palavras, mas não o ouviram. Muitos juram que ele não existe, mas há um homem pelas ruas. Ele estava na frente do povo na terça-feira. Ele subiu também as escadas, comandando a revolta. Ele rompeu as portas, ele destruiu e queimou junto com o povo. Muitos falavam no seu nome, mas ninguém o viu. Quando muitos choravam eram dele as palavras de consolo. Só ele sabia que a revolta também era um pranto. Só ele sabia que aquele povo que depredou e destruiu estava apenas à procura de justiça.
Há um homem pelas ruas. Um homem que sabe que foi melhor trocar fogo e destruição por sangue e sacrifício. Onde estava ele? Andou pelas favelas de Recife, pelas ruas estreitas de São Luiz, pelo asfalto do Rio, pelos arranha-céus de São Paulo, pelas ruas de Porto Alegre. Quando o povo recuava diante dos fuzis e das baionetas, ele sorria.
Há um homem pelas ruas que não teme metralhadoras, que não teme fuzis, que não teme baionetas.
Ele estava na mira de todas as armas, mas inatingível para todas elas. Passou com um sorriso pelos tanques, e com um sorriso tocou o cano das metralhadoras. Detiveram o povo com fileiras de soldados, mas ele passou incólume por elas.
Há um homem pelas ruas, que não poderá mais ser detido com exércitos.
Há um homem pelas ruas, que não poderá mais ser preso ou sacrificado. Cautela com ele. Ele deverá votar em todas as urnas do Brasil. Mesa por mesa, secção por secção. Seus votos se multiplicarão e são uma garantia de vitória.
Há um homem pelas ruas que vai ser o mais votado do Brasil. Embora as leis eleitorais o proíbam, ele será candidato milhares de vezes para milhares de postos. Seu nome figura nas listas de candidatos à Assembléia Legislativa, mas também nas listas de candidatos à Câmara Federal. Ele é candidato a todas as cadeiras do Senado, a todos os governos estaduais do Brasil. Não há máquina política, nem publicidade ciclópica que o possa vencer.
Há um homem pelas que ruas que vai transformar as eleições de outubro. Os que o conhecem dizem seu nome com devoção e não há propaganda que possa mais que esse sentimento.
Há um homem pelas ruas acima das leis, acima dos regulamentos. Ele vai despertar um por um daqueles que um dia ouviram seu nome. E muitos daqueles que desgostaram seu nome passarão a venerar a sua memória. Nenhum cabo eleitoral distribuirá tantas cédulas quanto ele. Entre ricos e pobres, entre homens e mulheres, entre jovens e velhos estará o seu nome. Ainda existirá alguém que o persiga. Mas por mais que procure, por mais que busque e investigue, não o encontrará.
Cerrarão as portas e assim mesmo ele entrará. Deixarão guardas, mas assim mesmo ele passará. Dirão e escreverão que ele não é bom, mas ninguém acreditará. E durante muitos anos, aqueles que veneram o seu nome terão o poder e a glória.
Muitos baterão no peito e dirão: eu fui seu amigo. Mas ele desvendará as intenções, e todos os seus saberão que aqueles mentem. Embora ele sorria, os seus inimigos tremerão. Ele deitou a confusão entre os que o procuravam e combatiam. E quando disseram: ele não mais existe, ele os destruiu.
Há um homem pelas ruas. Muitos poderão falar e aconselhar, pedir e admoestar, mas só ele poderá dar ou tirar a ordem e a tranqüilidade. Não há bala que o atinja, não há calúnia que o fira. Virão novos Presidentes, mas ele será o único existente. Muitas vidas passarão, mas ele não perecerá.
Há um homem pelas ruas além da vida, além da morte, além do tempo. Há um homem que descerrará os portões dos quartéis e sem uma palavra desarmará as mãos que se erguerem contra ele.
Há um homem pelas ruas mais forte que exércitos, mais forte que leis, mais forte que os Partidos, mais forte que laços de sangue, que sentimentos de pátria. Chamava-se Getúlio Dornelles Vargas, hoje não se chama mais. Pode ter errado, pode ter caído não uma, mas várias vezes, pode ter feito tudo o que dizem, tudo o que ainda dirão, mas nada disso importará.
Há um homem pelas ruas que se chamava Getúlio Dornelles Vargas, mas hoje não se chama mais. Os que procuram um nome poderão dizer que ele é: revolta, justiça, ideal, ação ou qualquer outra palavra. Mas, embora podendo ser tudo que dizem, na verdade não o é. Os que o adoram, os que simpatizam com ele, os que o lamentam, os que se apiadam dele não o vão recordar por ter sido Getúlio Dornelles Vargas, não por ter sido Presidente do Brasil, não por ter sido chefe de Partido, não por ter sido líder de qualquer coisa, mas simplesmente por ter sido um homem.
Há um homem pelas ruas… mais forte que o tempo, mais forte que a vida. Um homem que se chamou Getúlio Dornelles Vargas, mas que hoje não se chama mais. Chama-se apenas: um homem”.
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