A EXPERIÊNCIA DA VIDA
Cada um de nós possui uma existência muito singular, mas em
algum sentido ela é comum a muitos outros seres humanos. Pois, nessa existência,
penso que somos testados repetidamente numa árdua prova para tentar
compreender, interpretar e pouca vezes explicar o que ocorre em nossas vidas e
nas vidas das pessoas que conhecemos. Tentamos explicar mesmo a vida de pessoas
que vieram antes de nós para esse mundo ou, nos dias de hoje, com larga
comunicação e informação, muitas biografias, páginas policiais, colunas
sociais, fofocas, obituários e diversos outros exemplos que podem ser obtidos
aqui ou ali no mundo, podemos até tentar compreender, interpretar ou até mesmo
distorcer e criar versões alternativas para explicar ou julgar a vida de muitos
outros distantes de nós ou de quem só muito remotamente temos informação ou
pelo papel, por ondas de rádio, tevê ou séries e filmes a que produzimos e temos
acesso. Com essas fontes todas e ensaios próprios e de outros tentamos entender
a nossa própria experiência de vida e de outros seres humanos.
Mas o que ocorre conosco quando fazemos estes exercícios?
Encontramos uma lógica rigorosa e uma narrativa padrão para fazer esse processo
de interpretação de si e do outro? Possuímos a varinha de condão da verdade e
da justiça para revelar como essas pessoas eram, são ou serão no futuro, a
partir do que apreendemos delas?
Parece que não. Assim como muitas vidas estão expostas ao
acaso, ao azar, a sorte, aos planos bons, aos planos não tão bons, aos planos
ruins e aos planos muito ruins, em seus destinos, todos nós nos defrontamos com
sucessos e insucessos aparentemente explicáveis, mas que, ao fim e ao cabo,
vistos mais de perto, melhor analisados, são inexplicáveis. Não se resume a
vida de uma pessoa por suas escolhas, sem conhecer as opções que lhes são ofertadas
ou reconhecíveis.
Eu diria que nossa tentativa de explicação da experiência de
vida é feita, então, com muitas concessões e generosidade ao nosso próprio espírito
de síntese e racionalização da existência. Por quê fazemos isso desse modo?
Penso que talvez seja uma necessidade nossa - como muitas outras necessidades
nossas que ganham instituições para concretizar seus nobres objetivos em prol
da saúde psíquica, em prol do bem estar coletivo e muitas vezes em prol de seus
autores e seguidores.
Deve ser necessário mesmo dar sentido à nossa experiência de
vida ou aquele pontinho da história que representa a nossa vida, ao qual se
resume nossa existência e que na vida excepcional ou extraordinária de alguns
ganha muitas tintas ou é exemplar e na vida de muitos outros, na vida da grande
maioria dos seres humanos que vieram a vagar nesse mundo, mal tem um registro,
um número ou tracinho de lápis numa lista qualquer em que somos representados
ou figuramos como "alguém", aquele outro ou uma pessoa.
Temos, então, uma certa experiência de vida muito básica
aqui: ou somos visíveis e notórios por um tempo ou algum tempo que se resume
aos nossos convivas e aos nossos laços sociais ou, então, ao contrário, somos
invisíveis, anônimos ou metas imagens de pessoas que se misturam na multidão
desses quase oito bilhões de habitantes que vivem hoje nesse mundo ou aos
trilhões - suponho eu - que já viveram.
Nossa experiência de vida pode ser, assim, visível e
invisível, comum ou incomum. E, se eu seguir nessa toada, podemos descobrir,
talvez, algo mais sobre os outros e nós mesmos. Como, por exemplo, porque é tão
difícil para os seres humanos aceitar e defender a existência do outro e lutar
junto pela dignidade de todos e não apenas de si mesmo? Creio que isso é algo
que faz parte da nossa experiência de vida e divide o mundo para mim também de
uma outra forma, mais ou menos binária, entre aqueles que se preocupam e se
dedicam a isso e aqueles que não dão a mínima pelota para esse assunto.
Talvez aí resida também um dos limites da nossa dificuldade de
compreender, interpretar e explicar o outro, porque se nós nos dedicássemos de
fato a isso teríamos que assumir certas "responsabilidades e
compromissos" frente aos quais, para a grande maioria seriam uma perda de
tempo, desperdício de recursos e empenho demasiado com a vida dos outros, a
existência dos outros, que não caberiam na nossa experiência de vida.
P.S. Pensando na Páscoa, pensando no sentido da vida, na luta
entre nós pela vida e, só para variar, pensando numas leituras e reflexões que
me provocam. Paul Auster e muitos outros. Experiência de ou da Vida é uma
abordagem mais próxima de tudo que tem me desafiado no que toca à minha compreensão,
a compreensão de minhas escolhas e à compreensão de todos os demais seres
humanos que me chegam ao conhecimento e reflexão sob diversas formas.
Obs. A imagem é um recorte de dois frisos de quatro da capa
de Catatau de Paulo Leminski. Trata-se da capa da edição mais recente pela
Iluminuras em 2000. Foi feita por Éder Cardoso e é baseada na capa da primeira
ata edição da obra de 1975 que foi executada por Miran. Imagem: Cenas de luta
na sala de uma tumba em Beni Hasan (Egito, Circa 2000 a.C., anônimo.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário