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quinta-feira, 18 de abril de 2019

A EXPERIÊNCIA DA VIDA


A EXPERIÊNCIA DA VIDA



Cada um de nós possui uma existência muito singular, mas em algum sentido ela é comum a muitos outros seres humanos. Pois, nessa existência, penso que somos testados repetidamente numa árdua prova para tentar compreender, interpretar e pouca vezes explicar o que ocorre em nossas vidas e nas vidas das pessoas que conhecemos. Tentamos explicar mesmo a vida de pessoas que vieram antes de nós para esse mundo ou, nos dias de hoje, com larga comunicação e informação, muitas biografias, páginas policiais, colunas sociais, fofocas, obituários e diversos outros exemplos que podem ser obtidos aqui ou ali no mundo, podemos até tentar compreender, interpretar ou até mesmo distorcer e criar versões alternativas para explicar ou julgar a vida de muitos outros distantes de nós ou de quem só muito remotamente temos informação ou pelo papel, por ondas de rádio, tevê ou séries e filmes a que produzimos e temos acesso. Com essas fontes todas e ensaios próprios e de outros tentamos entender a nossa própria experiência de vida e de outros seres humanos.  

Mas o que ocorre conosco quando fazemos estes exercícios? Encontramos uma lógica rigorosa e uma narrativa padrão para fazer esse processo de interpretação de si e do outro? Possuímos a varinha de condão da verdade e da justiça para revelar como essas pessoas eram, são ou serão no futuro, a partir do que apreendemos delas?

Parece que não. Assim como muitas vidas estão expostas ao acaso, ao azar, a sorte, aos planos bons, aos planos não tão bons, aos planos ruins e aos planos muito ruins, em seus destinos, todos nós nos defrontamos com sucessos e insucessos aparentemente explicáveis, mas que, ao fim e ao cabo, vistos mais de perto, melhor analisados, são inexplicáveis. Não se resume a vida de uma pessoa por suas escolhas, sem conhecer as opções que lhes são ofertadas ou reconhecíveis.

Eu diria que nossa tentativa de explicação da experiência de vida é feita, então, com muitas concessões e generosidade ao nosso próprio espírito de síntese e racionalização da existência. Por quê fazemos isso desse modo? Penso que talvez seja uma necessidade nossa - como muitas outras necessidades nossas que ganham instituições para concretizar seus nobres objetivos em prol da saúde psíquica, em prol do bem estar coletivo e muitas vezes em prol de seus autores e seguidores.

Deve ser necessário mesmo dar sentido à nossa experiência de vida ou aquele pontinho da história que representa a nossa vida, ao qual se resume nossa existência e que na vida excepcional ou extraordinária de alguns ganha muitas tintas ou é exemplar e na vida de muitos outros, na vida da grande maioria dos seres humanos que vieram a vagar nesse mundo, mal tem um registro, um número ou tracinho de lápis numa lista qualquer em que somos representados ou figuramos como "alguém", aquele outro ou uma pessoa.

Temos, então, uma certa experiência de vida muito básica aqui: ou somos visíveis e notórios por um tempo ou algum tempo que se resume aos nossos convivas e aos nossos laços sociais ou, então, ao contrário, somos invisíveis, anônimos ou metas imagens de pessoas que se misturam na multidão desses quase oito bilhões de habitantes que vivem hoje nesse mundo ou aos trilhões - suponho eu - que já viveram.

Nossa experiência de vida pode ser, assim, visível e invisível, comum ou incomum. E, se eu seguir nessa toada, podemos descobrir, talvez, algo mais sobre os outros e nós mesmos. Como, por exemplo, porque é tão difícil para os seres humanos aceitar e defender a existência do outro e lutar junto pela dignidade de todos e não apenas de si mesmo? Creio que isso é algo que faz parte da nossa experiência de vida e divide o mundo para mim também de uma outra forma, mais ou menos binária, entre aqueles que se preocupam e se dedicam a isso e aqueles que não dão a mínima pelota para esse assunto.

Talvez aí resida também um dos limites da nossa dificuldade de compreender, interpretar e explicar o outro, porque se nós nos dedicássemos de fato a isso teríamos que assumir certas "responsabilidades e compromissos" frente aos quais, para a grande maioria seriam uma perda de tempo, desperdício de recursos e empenho demasiado com a vida dos outros, a existência dos outros, que não caberiam na nossa experiência de vida.

P.S. Pensando na Páscoa, pensando no sentido da vida, na luta entre nós pela vida e, só para variar, pensando numas leituras e reflexões que me provocam. Paul Auster e muitos outros. Experiência de ou da Vida é uma abordagem mais próxima de tudo que tem me desafiado no que toca à minha compreensão, a compreensão de minhas escolhas e à compreensão de todos os demais seres humanos que me chegam ao conhecimento e reflexão sob diversas formas.

Obs. A imagem é um recorte de dois frisos de quatro da capa de Catatau de Paulo Leminski. Trata-se da capa da edição mais recente pela Iluminuras em 2000. Foi feita por Éder Cardoso e é baseada na capa da primeira ata edição da obra de 1975 que foi executada por Miran. Imagem: Cenas de luta na sala de uma tumba em Beni Hasan (Egito, Circa 2000 a.C., anônimo.)

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