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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

CLAREIRA DO SER EM HEIDEGGER: TEXTO DE RUDIGER SAFRANSKI E IMAGEM DE ANTOINE MELI

A paixão de Heidegger era indagar, não responder. Por isso indagar podia ser para ele a devoção do pensar, porque abria novos horizontes — assim como outrora a religião, quando ainda era viva, ampliara os horizontes e santificara o que neles aparecia. Para Heidegger possuía especial força reveladora a indagação que ele fez durante toda a sua vida filosófica: a pergunta pelo ser. O sentido dessa pergunta não é senão esse abrir, esse remover, esse sair para uma clareira onde de repente é concedido ao evidente (Selbstverstãndlichen) o milagre do seu “aí” (Da); onde o ser humano se vivencia como local onde algo se escancara, onde a natureza abre os olhos e percebe que está ali, onde portanto no meio do ente existe um local aberto, uma clareira, e onde é possível a gratidão por tudo isso existir. Na questão do ser esconde-se a prontidão para o júbilo. A questão do ser no sentido hedeggeriano significa tornar mais claras (lichten) as coisas, assim como se levanta (lichten) uma âncora a fim de partir livremente para o mar aberto. É uma triste ironia da história que a indagação pelo ser na leitura de Heidegger em geral tenha perdido esse traço revelador e iluminador, deixando o pensar antes inibido, enovelado e crispado. Com a indagação pelo ser acontece com a maioria assim como com o discípulo numa história zen. Ele meditara longamente sobre o problema de como tirar o ganso crescido da garrafa com gargalo estreito sem matar o animal ou quebrar a garrafa. O discípulo, já torto de tanto pensar, foi ao mestre e pediu a solução do problema. O mestre afastou-se um momento, depois bateu palmas energicamente e chamou o discípulo pelo nome. “Estou aqui, mestre”, respondeu o discípulo. “Está vendo?”, disse o mestre, “o ganso saiu”. O mesmo vale para a questão do ser.



Também sobre o sentido do ser, que se busca na pergunta pelo ser, existe uma bela história zen, bem na linha de Heidegger. Ela relata que antes de ocupar-se com o zen alguém vê as montanhas como montanhas e as águas como águas. Mas se depois de algum tempo de contemplação interior ele atinge o zen, vê que as montanhas já não são montanhas e as águas já não são águas. Mas quando ele se torna um iluminado, volta a ver as montanhas como montanhas e as águas como águas.

O Heidegger dos anos vinte gosta de empregar a expressão aparentemente abstrata “anúncios formais”. Gadamer relata que a seus estudantes, que tinham dificuldades com o termo por suspeitarem que em seu significado houvesse gradações de abstração, Heidegger explicou da seguinte forma a expressão: ela significava “saborear e completar”. Um anúncio (Anzeige) se mantém na distância do mostrar (Zeigen), e pede que o outro, a quem algo é mostrado, olhe ele mesmo. Precisa ver ele próprio, na boa maneira fenomenológica, o que lhe é “anunciado” e “completá-lo” com sua própria contemplação. E na medida em que o completa, saborear o que ali há para ver. Mas, como se disse, a gente mesma precisa ver.”





Heidegger - em foto clássica no caminho 

SAFRASNKI, Rüdiger. Heidegger um mestre da Alemanha entre o bem e o mal. Tradução Lia Luft. São Paulo: Geração Editorial, 2000, pp. 496-497. 

Obs.: Grifos Meus. Talvez seja uma das passagens mais belas desta grande  biografia. Aqui o biógrafo resume em poucas palavras aquilo que creio ser o maior pensamento filosófico do século XX . A pergunta pelo ser, o encontro com a clareira do ser, o ver e a libertação do ser por si mesmo.

Para a fonte das Imagens de Antoine Meli, veja aqui: Antoine Melis 

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