O CONTRATO INFELIZ EM ROUSSEAU
Vou pegar algumas notas e estou
redigindo uma espécie de mapa crítico dessa questão que parece nos levar para a
derrocada do contratualismo no seu núcleo essencial.
Talvez o mais interessante seja
explicar a posição de Rousseau como uma espécie de sacrifício teórico em
virtude de outras ideias contratuais e do eixo liberdade e submissão sob o
conceito de vontade geral.
É uma condição curiosa do
contratualismo e das teorias do contrato social que por mais que se elogie a constituição
de um contrato como superação de uma condição prejudicial, perigosa ou
desconfortável anterior, na condição posterior permanece uma marca infeliz nos
traços fundacionais e na duração dos contratos.
Os contratos, como todos dizem,
podem ser feitos, podem ser voluntários e deliberados racionalmente por dois ou
mais pessoas – no casamento monogâmico por dois, no contrato social por muitos
ou vários, mas podem ser rompidos porque em todos paira uma clausula de
encerramento da relação contratual.
As relações consubstanciadas nos
contratos mudam de caráter do modo natural e informal para o modo institucional
ou formal. Todas elas tentam superar uma certa situação original desfavorável
ou infeliz, em que o livre jogo das vontades ocorre sem uma pactuação explicita
e sem regras escritas ou implícitas. Assim, o contrato está propondo um novo
regramento dessas relações naturais, introduzindo um controle e constituindo um
poder formal na pactuação com regras, incluso a regra de encerramento desse
contrato.
A Metafísica ocidental parece ser
autocentrada num sujeito e este sujeito estabelece suas relações segundo seus
interesses e valores. É um fato curioso que os temas da intersubjetividade e da
alteridade na filosofia começam a tratar da questão do outro apenas na
modernidade. Mas isso se arrasta ainda muito por séculos e tem suas recaídas.
De qualquer modo, a relação
estabelecida entre o eu e o outro tem sido diferente de fato quando se trata de
uma relação entre dois homens ou entre um homem e uma mulher. Na relação entre
os homens os contratos procuram preservar algo anterior e garantir algum ganho.
Nas relações entre os homens e as mulheres, parecem mesmo que os ganhos a serem
produzidos e o que procura ser preservado parecem ser macho centrados também.
Estou às voltas, nesse momento,
com o caso de Rousseau, por exemplo, que em sua concepção de casamento colocava
a mulher na condição de satisfazer as necessidades do homem e lhe ser
subserviente. E fico pensando também que talvez essa seja uma condição comum ao
pensamento de que em todo o pensar poderia haver uma espécie de "lado
sombra" não resolvido, em que os filósofos são incapazes de escapar a
condição de seu tempo, por mais que tentem ir além de seu tempo, atingir a
totalidade do real e serem capazes de interpretar a história do pensamento.
E eis que então vai dar para
liquidar com a concepção de Rousseau da relação homem e mulher e descobrir, que
horror, que essa contradição no núcleo essencial do contratualismo é tão
brutal, que não sobra nada. Vejo que quanto mais estudo, mais piora a situação.
E só piora.
Vejamos o núcleo da teoria de
Rousseau no Emílio:
"Na união dos sexos cada
qual concorre igualmente para o objetivo comum, mas não da mesma maneira.”
"Dessa diversidade nasce a
primeira diferença assinalável entre as relações morais de um e de outro."
"Um deve ser ativo e forte,
o outro passivo e fraco: é necessário que um queira e possa, basta que o outro
resista pouco."
Dependência, passividade e
submissão são parte do destino das mulheres em relação aos homens. A educação
de Sofia no Emilio tem por objetivo garantir a sua submissão e confinamento na
esfera privada do lar.
A impressão que nos passa essa
passagem é que a igualdade e a liberdade é concebida como restrita ou exclusiva
dos homens. Cabendo às mulheres preservar a desigualdade natural e adotarem a
submissão de uma possível liberdade contratual a liberdade do homem. O contrato
matrimonial e sexual faz, então, a mulher abdicar de sua liberdade natural a
partir da sua inferioridade física natural e a consolida a partir da sua
desigualdade original como submissa. Ou seja, uma assimetria física natural é
uma espécie de base que vai consolidar a submissão n o contrato.
Eu acho que, na verdade, o
casamento, essa instituição, como contrato, é uma instituição, que tem um caráter
aberto, está sempre sob avaliação. E o problema de estar sob avaliação,
significa que nem sempre a avaliação é compartilhada, o efeito tem como forma
como comungada, digamos assim, como através de um diálogo. Às vezes o momento
do diálogo não aparece. E há um outro elemento importante é que, o problema é
que o abre ali, me parece claro, é que as pessoas mudam, né? As crianças
crescem, os homens envelhecem, as mulheres também a libido e várias outras
questões aparecem em jogo. O que talvez explica a instabilidade ocultada
durante muito tempo das relações matrimoniais.
Ou seja, o casamento é uma
instituição artificial. Mais artificial tem menos que estado, porque a
sustentação dela depende de dois, da vontade, entre aspas, soberana, autônoma e
reflexiva, sentimental, através de paixões, através de razões de cada um por si
no fundo, ela se torna, fecha aspas, estável. Casamento no fundo de uma
instituição aberta. A minha inspeção contrata infeliz tem a ver com isso,
talvez, com o fato de que esse contrato não é tão livre esclarecido o quanto a
gente gostaria. E a submissão é forçosamente uma situação que tanto o homem
resiste a ela, porque o homem também tem essa questão da submissão, portanto,
essas obrigações matrimoniais, como a mulher.
E assim se entende que os seres
humanos não suportam a submissão por muito tempo ou todo o tempo. Talvez aí
tenha uma um, digamos, um grito do nosso homem primitivo, ou um grito da nossa
mulher primitiva. Que a submissão não é uma situação confortável, ou pelo menos
não é confortável durante o tempo todo. Durante algum tempo, talvez sim, mas
era o tempo todo, não.
Grande abraço Eduardo e parabéns
pelo livro, é um livro que merece um prêmio, viu? Merece tradução, inclusive,
próprias línguas, gostei muito, assim. Tem os, a erudição, que eu acho que faz
parte, mas a coisa mais legal é a retórica atualizada sim senhor, um estilo
irônico e bem humorado no tratamento de um tema tão desafiador quanto o
casamento, que não é, não é uma instituição fechada e está como qualquer
contrato sempre aberto a discussão, portanto, se eu digo que ela é aberta, não
é uma instituição tão sólida, como as pessoas gostariam que ela fosse.
Algumas esperam que ela seja por
causa de um contrato assinado, um papel passado. Por fim, me parece importante
frisar nessa nota o tema da questão dos compromissos tácitos, implícitos. Porque,
às vezes, revelar os compromissos é um desprazer. E talvez isso explique um contrato
de interesse.
Grande abração, parabéns, gostei
muito. Li aqui, de forma relâmpaga, o teu texto, mas eu gostei muito, quero ler
com mais detalhe e eu abri um buracão aqui, acho que ele contratou a tua lista,
porque tradição interna. Ao modelo de contratalismo que não inclui as mulheres,
na conquista da igualdade da liberdade, não é um pecado pequeno, é de natureza
essencial e como diz a Yara Frateschi, no vídeo que eu vi, amanhã vamos fazer
questão de citar isso, né? É uma contradição intra-núcleo central do sistema.
Se os princípios de igualdade e liberdade são fundamentais pra constituição do
contrato, que se preserve os para todas as partes.
Me parece também que o velho
Hegel fornece duas pistas interessantes externas a Rousseau, mas que exibem na
dialética do senhor e do escravo - que eu sempre uso nesse tema das relações de
dependência material, afetiva e espiritual e a necessidade de uma instituição
acima dos homens em sua crítica à Vontade Geral. Mas isso fica para uma outra
abordagem.
BIBLIOGRAFIA:
MEDEIROS, Eduardo Vicentini de. Até que a razão os separe: dez cenas sobre casamento e filosofia.1ª Ed. Porto Alegre: Abre Parêntese, 2021. E PDF
Veja também o video do nosso diálogo no link a seguir:https://open.spotify.com/episode/0iiKrWl34tMit6tDvXdfNo?si=9dUVDbVWTyKexNYzqRoOWg&utm_source=whatsapp&dl_branch=1
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