Meu bom amigo, ótimo fotógrafo e
professor de filosofia, Luiz Felipe Sahd, postou no seu perfil do Facebook,
após a greve geral, o seguinte texto ou comentário:
"Breve comentário: após o
golpe de Estado e a instauração do estado de exceção judicial, fiquei descrente
em relação a possibilidade de construir uma sociedade mais democrática que
superasse aos poucos o direito penal do inimigo no trato das relações sócio
jurídicas entre os mais pobres, a grande maioria da população. Mas depois de
hoje, da greve geral, mesmo mantendo a falta de otimismo, começo a achar que o
outro lado também começa a perder o otimismo. Isso pode ser positivo."
De certa forma hoje, todos que
reagiram contra o golpe, alguns com mais otimismo e a maioria extremamente
pessimista, pelo quadro desenhado e pelos atos e expressões que o acompanharam,
olham para o horizonte com um pessimismo crescente e muita angustia e
desalento. O que Luiz Felipe expressa é que agora, com a greve geral, mesmo os
golpistas ou defensores da agenda golpista, passam a perder seu otimismo
ufanista e exaltado. Ou seja a arrogância golpista passa a andar um pouco
envergonhada.
Pois, a cada dia que passa, se
exibe mais nitidamente e escandalosamente a face vergonhosa e a disposição e o
revanchismo, as hostilidades e absurdos, que a confraria golpista aplica
duramente e impiedosamente contra a democracia e as instituições, os direitos
dos trabalhadores e cidadãos e contra o patrimônio nacional, ficam mais e mais
escancarados. E não é por falta de reação que eles fazem isso. Existem reações
diversas, protestos, greves e manifestações por todo lado de descontentamento.
Mas eles detém o poder e os poderes de certa forma. Mas sim pelo seu caráter
usurpador e a baixa qualidade das ações dos usurpadores e a sua completa indiferença
às repercussões e a sua blindagem midiática e ideológica, parece que nada vai
mudar o curso das coisas e das ações. Vemos exemplos disso em toda a parte. Em
Ministérios, em Tribunais, Parlamentos e Governos.
Creio que a situação começa a se
reverter, porém, no sentido de que o “outro lado” parece recuperar terreno, mas
que o povo de fato só os engole, porque não vê outra saída, não há outra
alternativa. Porém, é preciso reconhecer que continuam sob suspeita, com uma
crise de confiança e credibilidade que ainda não foi superada. Uma terceira
via, porém, ao contrário do que imaginam seus players e apostadores, sofrerá
também os mesmos riscos já postos à oposição atual e à situação atual. Não há
um caminho neutro e defeso em relação ao grau de acirramento anterior a eleição
ou posterior. Toda ilusão sobre isto precisa ser dissolvida para que o quadro
real seja compreendido de fato e superado. Defendo aqui que não vai haver
superação disso sem mudanças nos modos generalizados.
Eu ainda ando, portanto, sim
muito pessimista, mesmo após ter lutado e continuar lutando e tentado
reconstruir com meus companheiros e companheiras nosso patrimônio político.
Apesar de termos realizado uma grande vitória em nossa cidade – São Leopoldo no
Rio Grande do Sul - ainda vejo um quadro duro no futuro, duríssimo.
Mesmo que Lula consiga ser
candidato e vença, o que não é nada impossível pela sua força no imaginário e
pela sua capacidade efetiva de liderar a política em qualquer tempo, pelo nível
de hostilidades, intolerância e pela falta de escrúpulos da oposição, talvez
seja mesmo necessária uma solução autoritária para debelar toda a instabilidade
e insustentabilidade política do país. E isto é um marco e um desafio muito
ruim para todos os brasileiros. Não é uma alternativa nada agradável. É uma
alternativa pesada, de alto custo, com muitos riscos, porém, não vejo mesmo
outra. Pela esquerda ou pela direita, e mesmo pelo centro, portanto, esse
parece o único caminho para sair do atoleiro em que fomos enfiados pela inconseqüência
e irresponsabilidade de muitos agentes do cenário político e institucional
brasileiro. É isso o motivo pelo qual escrevo agora sobre este tema. Sobre esta
questão ardente que toca de fato a todos.
Vai ser muito difícil, com isto
ou sem isto, conquistar estabilidade política e democracia plena de novo.
Porque o animus beligerandi dissolve todo e qualquer espaço de convívio e de
equilíbrio nas relações políticas e sociais e nos laços de confiança
necessários para uma democracia.
Imagino uns dez anos ou vinte
anos de reconstrução dolorosa ou de trágica perseguição deste objetivo no país.
E a hipótese de reconstrução, que é a mais lógica e desejável, anda muito
inviabilizada, porque a forma como os direitos são atacados, as cenas de
violência institucional e verbal, a lanheza inescrupulosa da situação é sintoma
de que eles já atravessaram o rubicão do bom senso faz tempo.
Uma idosa de 82 anos, que viveu a
Segunda Guerra na Europa em sua infância, ao tratar do que ocorre no Brasil
hoje, e vislumbrar a mesma perspectiva negativa que eu vejo e que ela também
avista, me olhou e me questionou hoje. Se eu não ia fazer nada. Eu só respondi
para ela: não posso fugir! Não posso abandonar o pais, minha família e filhas e
ir embora deste filme e cenário. Não há refúgio possível. O exílio seria
vergonhoso. A busca de uma vida melhor, seria moralmente um gesto de covardia
para mim.
O quadro porém é péssimo e o
golpe mostrou isso e a agenda golpista vai agravando isso. Poucos conseguem
olhar para o quadro geral e negar que é gravíssima a situação. E, porém, apesar
de tudo pelo que temos passado, ainda existem alguns companheiros e
companheiras de esquerda que parecem fingir que nada aconteceu. Atuam na
institucionalidade como se o cenário futuro fosse seguro e os males do passado
contornáveis. Para eles, parece que basta a busca de apoio na sociedade, a
busca de votos e que tudo será reconstruído com uma vitória eleitoral. Mesmo na
relação entre companheiros, vejo que a coisa continua ruim. As relações
deterioradas, os personalismos, os métodos de ruptura do debate sério, a
retórica pseudo ideológica, as disputas por espaços em qualquer tipo de
aparelho, continuam. Os velhos métodos continuam em ação. O povo nos apóia,
porém, por isso mesmo, com uma certa desconfiança ma non troppo, dura e de doer
que só será superada com mudança de método e de postura. E isto, porém, não tem
ocorrido na cabeça de alguns, mesmo com toda a derrota que colhemos em 2016,
alguns ainda se comportam como se estivéssemos em um jogo normal. Qualquer um
que fale e dialogue com os cidadãos de forma livre e não doutrinária, sem
dogmatismo ou imposição de opinião, sem excessos descabidos, sabe o que o povo,
o cidadão e a cidadã pensa. “Conhecemos vocês, mas parece tudo igual.” Esse
juízo está plantado na cabeça das pessoas. E não se pode mesmo atribuir tudo à
grande mídia ou à uma grande lavagem cerebral. Algo de fato ocorreu e foi
testemunhado pelos cidadãos e cidadãs.
É neste quadro que eu penso
agora. Vencendo com Lula o nosso “que fazer?” será muito, mas muito arriscado.
A lógica atual implantada e generalizada é o vale tudo pelo poder e o matar ou
morrer assanha muitos em várias posições. A perda total de escrúpulos, empurra
os cidadãos, a sociedade e o estado para um endurecimento cada vez maior. Não deixo,
porém, de crer que neste cenário duro, talvez Lula seja realmente o líder
político com maiores escrúpulos, mesmo após ter vivido o terrível pesadelo e
perseguição covarde e impiedosa que tem vivido.
Caso Lula vença, até mesmo pelo
nível de covardia que ele tem sofrido diuturnamente, vão com certeza tentar
derrubar ele e não há, também, nenhuma perspectiva de que Lula se eleja com uma
maioria de deputados e senadores que vão dar estabilidade ao seu governo. Nem a
estratégia diplomática, de negociação e conciliação serve mais agora ou resolve
o problema. A boa fé e a confiança no outro foi diluída. Força para derrubar os
vícios não resolvidos e que não vão nos sustentar mais, é o que é necessário. E
isto, como alternativa positiva, só será possível se forem reconstituídos
certos valores intrínsecos à democracia.
Em teoria política, John Locke –
talvez um dos maiores gênios políticos que já pisou nesta terra - fala em
trust, quando trata de confiança. Para ele é isto que constitui os laços
necessários entre os diferentes e os adversários. Isso é o que foi quebrado no
Brasil. Não há mais trust no Brasil. E como se você não pudesse dar inicio a um
debate ou a um jogo por falta de confiança de que o outro vá responder à altura
e com qualidade. As respostas a qualquer lançamento ou proposição alternativa
vem sempre com baixa qualidade e são em sua maioria desrespeitosas e
intolerantes, inescrupulosas e vis. E alguns se prestam a reproduzir elas no
espírito do “é isso mesmo”. E vão junto nesta lógica pelo efeito manada e
orientados por uma paixão com gosto por soluções absolutas e definitivas, sem
sequer pensar no curso perigoso destas preferências e paixões
A democracia é absolutamente
insustentável sem laços e sem tolerância. Os pleitos eleitorais no Brasil ganharam
uma dimensão muito ruim no último período. Alguns porque não sabem perder e
outros porque vencem somente com marketing e sonegam seus programas vendendo
ilusões de inocência e bom mocismo. E quando governam, é aquela desgraceira e
irresponsabilidade eivada de choque de excelência, show de competência e muita
barbaridade e absurdos na gestão pública. A regra geral dos perdedores agora
não é mais fazer oposição, disputar projetos, mas derrubar à qualquer titulo ou
pretexto, os eleitos. Não se aceitam os resultados e se prossegue tentando
impugnar a representatividade e a legitimidade dos eleitos. Perdemos
completamente o fair play. E com isto se ergue e se propaga a intolerância, o
revanchismo e as hostilidades ilimitadas entre todos.
E a tolerância e os laços
dissolvidos são de difícil resgate. Este resgate envolve resgate de valores. O
que só se resolve com grandes valores para todos. É necessário, então, que
todos queiram ou que a maioria dominante ou dos dois lados ou três da disputa
queira e não basta mesmo que só uma facção ou fração queira.
É a falta de uma força de fé no
futuro que atormenta este pais. Isso é justamente com o que nos debatemos
negativamente em nossa discussão aqui agora no Brasil. Não há nenhuma
expectativa mais de ações virtuosas de parte a parte. Isso é o fundo do poço de
uma sociedade deteriorada. As hostilidades e a falta de boa vontade para
desarmar elas, a falta de limite nas hostilidades e o abandono completo de
qualquer forma de elegância nas disputas. A lógica do usurpador comtaminou a
sociedade de uma perda completa dos escrúpulos. Ao assistir algumas sessões no
Senado e na Câmara de Deputados, nas Assembléias Legislativas e Câmaras de
Vereadores vemos os mesmos sinais.
Porque está fé no futuro está
dissolvida? Sabemos. Como reconstruí-la é o nosso problema. É isso o que me
preocupa no texto do Luiz Felipe. Sim, os dois lados sentem que a situação está
péssima, mas não há nenhuma iniciativa ou perspectiva de reversão. O que vemos
é os golpistas aplicando um plano à revelia da grande maioria da sociedade. E
toda a sociedade assiste isto, este espetáculo autocrático e autoritário, com
reações que não obtém eco algum. Não há assentimento para a agenda golpista e
mesmo assim ela persiste de forma assombrosa sendo aplicada pelo governo de
modo irresponsável e irrazoável.
O país está dividido em três
grandes facções. Duas partes intolerantes e uma que quer evitar ao máximo está
refrega, fugir ou somente se proteger disso. É esta parte que se dobra e se
vende fácil para a direita e fica corajosa contra a esquerda. No fundo, eles
não temem a esquerda e por isto não respeitam a esquerda. Olha para esquerda
como um conjunto de sonhadores, como uma fração de incapazes pela lógica das
crenças plantadas e entranhadas na opinião pública e mesmo que a esquerda
esteja certa, persistem submissos à agenda golpista. Rejeitam a agenda em todas
as pesquisas de opinião, mas não dão o passo em frente de repudiar publicamente
esta agenda. Roda a roda e não produzem posições públicas. Se mantém alguns
ainda muito tímidos e recuados, para não dizer omissos. Porém, não haverá água
que lave as suas mãos, quando o inferno social brasileiro se consagrar. Eles
olham para o quadro geral como se fosse apenas um caso de não chorar pelo leite
derramado. Porém, é de outra cor a substância que escorre de suas omissões e
indiferenças.
Esta parte, que era bem mais
tímida no passado, está solta no espaço virtual e ultra-pragmática e repete a
retórica golpista no mundo real. Legítima o golpe pelo é isso mesmo também.
Está difícil reconstruir, então, uma posição sensata na sociedade. Com as
igrejas e seitas crescendo – e todo respeito meu vai aqui para aqueles que
efetivamente e responsavelmente não fazem isso - só aumenta a intolerância e o
fanatismo. E isso leva aquelas fantasias conhecidas de dar solução absoluta e
final para qualquer tipo de problema. Isso tem seduzido uma parte da sociedade.
Acho que é bom vacinar as pessoas
neste quadro e contra as perspectivas negativas de cenário futuro. Até porque
mesmo uma terceira via corre os mesmos riscos autoritários. E isso não é
vantajoso para ninguém. Só para os insensatos. E ninguém razoável quer ser
governado por insensatos. Este é o extremo risco que corremos. Sermos
governados por insensatos e de forma insensata e sofrer um avanço autoritário
na relação entre estado e sociedade no Brasil. Vejam que isto já ocorre
claramente em muitos estados e cidades e que o modus operandi do governo
federal no congresso, segue claramente a mesma lógica. Nem vou, porém, falar
nada do judiciário desta vez. Porque dispensa completamente comentários e
considerações de qualquer natureza. Enfim, esta é a questão ardente e que
interessa a todos responderem no Brasil: como superar o quadro atual e o animus
beligerandi atual do nosso pais?
NO TRUST
NO FUTURE
THIS IS A BURNING QUESTION
Daniel Adams Boeira
São Leopoldo, 5 de maio de 2017.
P.S.: O texto é resultado de
diversos diálogos sobre a conjuntura nacional que desde o ano passado tenho
realizado. Grandes amigos e amigas, alunos e alunas, colegas e profissionais de
educação, jornalismo, agentes políticos e militantes sociais e sindicais.
Também empresários e setores médios que passam a reagir contra os descalabros
do governo Temer. Donas de casa, país de família e trabalhadores que tem
memória histórica da ditadura militar. Muitos poderão ser citados aqui por que
apontaram uma ponta ou outra deste meu texto literário que não passa de um
encordoamento de impressões e ideias de muitos. Agradeço... Espero que o
conteúdo do texto seja realmente uma ficção nossa. A questão interna ao PT, que
evitei expressar aqui, apesar das críticas apresentadas, no fundo, é para mim mais
ou menos assim: Acho que a questão real é Muda PT, por que o povo brasileiro
quer voltar a confiar em você.
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