Cláudio Abramo
A regra do jogo -- O jornalismo e a ética do marceneiro
Organização e edição: Cláudio Weber Abramo
Prefácio: Mino Carta
Companhia das Letras
(1988, 4ª reimpressão 1998)
[...]
Uma grande tragédia do jornalismo brasileiro é o papel extremamente grave que desempenham alguns jornalistas irresponsáveis, em nome de uma independência ilusória, que eles não têm. Esses jornalistas pesam muito porque veiculam coisas sem verificar, mentem, fazem afirmações absolutamente gratuitas. E isso é muito grave num país como o Brasil, em que os jornais não têm meios de aferir imediatamente se aquilo que está sendo publicado é verdade ou não; freqiientemente, não se dão a esse trabalho. Assim, transformam-se em cúmplices desses jornalistas. Os jornalistas irresponsáveis – que são muitos, no Brasil, e em grande parte estimulados por alguns jornais – são hoje responsáveis por uma grande parte da desfiguração das noções sobre o mundo contemporâneo. Eles são responsáveis pela falsificação da realidade, colaboram com isso. São como as novelas de TV, que harmonizam todos os conflitos.
É muito nefasta a influência desses jornalistas, que de outra forma traba1havam bem – alguns até trabalharam comigo e não se permitiam certas coisas. Se mandassem uma matéria com algum tipo de irresponsabilidade, eu logo dizia: “Olha aqui, ô vigarista, você está pensando o quê? Vai escrever isso no país em que você mora, não no meu jornal”. Eu não permitiria coisas como li um dia na matéria de um correspondente, que escreveu que um banqueiro não identificado 1he teria dito que o Brasil deveria vender a Petrobrás. O jornal não deve publicar uma coisa séria como essa, a não ser que se dê o nome do banqueiro. Sem o nome, a informação não tem valor algum, ainda mais que a opinião é, na verdade, de quem escreve. No momento em que o jornal aceita isso, transmite aos repórteres a mensagem de que eles podem fazer o que quiserem.
O duro é que a irresponsabilidade está passando para a sociedade. Caso se pare o carro numa esquina à procura de uma rua, o sujeito que está atrás já mete a mão na buzina – isto é, todo mundo cobra do seu semelhante, em vez de cobrar do sistema e do regime. É o sistema capitalista que provoca as injustiças, as inadequações, as desigualdades, mas ninguém cobra do sistema e sim do seu semelhante. É a redução clara do nível de combate: o que deveria ser um combate coletivo transforma-se em pequenas refregas individuais. E uma culpa muito grande quanto a isso cabe aos jornalistas irresponsáveis.
Esse tipo de atitude é possível, de um lado, pela permissividade dos jornais; e, de outro, pela criação de um círculo de dependências mútuas. O jornal fica dependente do sujeito e vice-versa. Estabelece-se uma corrente de cumplicidade que não pode mais ser interrompida, o que é extremamente perigoso para o público. Por causa do exemplo desses jornalistas, o jornalismo virou um exercício de ataques gratuitos: o que mais se vê é alguém atacar o outro sem explicar por quê. [...]
NOTA: Este texto cabe aqui par diferenciar o tipo de combate que devemos travar com certas idéias e os seus representantes. Claúdio Abramo já tinha morrido em 1988 quando alguns alunos resolveram publicar as suas entrevistas de forma organizada como um livro. É que ele havia sido mestre de redação e editor de muitos dos maiores jornalistas da história do Brasil entre 1950 e 1985 em dois dos maiores jornais paulistas e do Brasil. Se dependesse dele alguns dos títulos destes mesmos jornais hoje não sairiam. Mas.....
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