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sexta-feira, 2 de abril de 2010

O PERIGO DAS IDÉIAS - CIORAN

"Em si mesma, toda idéia é neutra ou deveria sê-lo; mas o
homem a anima, projeta nela suas chamas e suas demências;
impura, transformada em crença, insere-se no tempo, toma a
forma de acontecimento: a passagem da lógica à epilepsia está
consumada...

Assim nascem as ideologias, as doutrinas e as farsas sangrentas.
Idólatras por instinto, convertemos em incondicionados os objetos de nossos sonhos e de nossos interesses.

A história não passa de um desfile de falsos Absolutos, uma sucessão de templos elevados a pretextos, um aviltamento do espírito ante o Improvável.

Mesmo quando se afasta da religião, o homem
permanece submetido a ela; esgotando-se em forjar simulacros
de deuses, adota-os depois febrilmente: sua necessidade de ficção, de mitologia, triunfa sobre a evidência e o ridículo. Sua capacidade de adorar é responsável por todos os seus crimes: o
que ama indevidamente um deus obriga os outros a amá-lo, na espera de exterminá-los se se recusam.

Não há intolerância, intransigência ideológica ou proselitismo que não revelem o
fundo bestial do entusiasmo. Que perca o homem sua faculdade
de indiferença: torna-se um assassino virtual; que transforme
sua idéia em deus: as conseqüências são incalculáveis. Só se
mata em nome de um deus ou de seus sucedâneos: os excessos
suscitados pela deusa Razão, pela idéia de nação, de classe ou
de raça são parentes dos da Inquisição ou da Reforma.

As épocas de fervor se distinguem pelas façanhas sanguinárias.
Santa Tereza só podia ser contemporânea dos autos-de-fé e
Lutero do massacre dos camponeses. Nas crises místicas, os
gemidos das vítimas são paralelos aos gemidos do êxtase...
Patíbulos, calabouços e masmorras só prosperam à sombra de
uma fé – dessa necessidade de crer que infestou o espírito para
sempre.

O diabo empalidece comparado a quem dispõe de uma
verdade, de sua verdade. Somos injustos com os Neros ou com
os Tibérios: eles não inventaram o conceito de herético: foram
apenas sonhadores degenerados que se divertiam com os
massacres. Os verdadeiros criminosos são os que estabelecem
uma ortodoxia no plano religioso ou político, que os distinguem
entre o fiel e o cismático" (E.M. Cioran, 1995, p. 11-12).

in: CIORAN, E.M. Genealogia do fanatismo. In: CIORAN, E.M. Breviário de decomposição. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.

VAI PRO CAPÍTULO ESPECIAL SOBRE A PERICULOSIDADE DAS IDÉIAS

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