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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

O INDIVÍDUO AUTOSSUFICIENTE E AS ILUSÕES SERVIS


O INDIVÍDUO AUTOSSUFICIENTE E AS ILUSÕES SERVIS

A modernidade é marcada pela afirmação do individualismo. Muitos filósofos plantaram nesse campo ideias de autonomia, independência, autodeterminação e autossuficiência. Seria desonesto intelectualmente dizer que é tudo a mesma coisa. As distinções entre esses termos e conceitos perante a nossa existência são razoavelmente reconhecidas semanticamente ou conceitualmente e também no jogo de linguagem da nossa vida comum. Ainda que possamos nos atrapalhar com elas. 

Basta se deter um pouco para perceber as diferenças reais e o status de cada um desses conceitos nas nossas vidas ou quando são atribuídos a nós mesmos. Isso, entretanto, por mais claro que possa ser visto, não escapa ao espírito geral do individualismo moderno.

A razão disso não é intelectual, isto é, não é por conta de falta de reflexão que esses conceitos ficam embaralhados e parecem estar entrelaçados na cabeça do indivíduo. O que ocorre de fato, ao meu ver, é que o laço que une esses conceitos na cabeça do individuo envolve duas questões aparentemente dissociadas, mas que tem relações fundamentais com esse projeto de homem ou mulher modernos. Um dos temas envolve a liberdade e correlatamente a liberdade de escolha. 

O outro tema envolve a construção de um projeto de vida e a liberdade de poder fazer essa escolha de projeto com mais ou menos independência do meio, das suas relações e daquilo que, inclusive, contra a nossa vontade e desejo, o destino e a história nos impõem.

A ideia de liberdade e de projeto individual envolve uma opção pela escolha solitária de um destino e de uma vida. Mas tem um dia em que você descobre que não faz mais mesmo certas coisas sozinho. É limite do indivíduo autossuficiente que é descoberto aí.

O limite de Nietzsche sempre é atingido na vida real. Nem Zaratustra e nem o Super Homem são reais, por mais sábios e poderosos que sejam. Ambos dependem e muito de que o agricultor plante os alimentos, que o lixeiro recolha o lixo e que, de certa forma, a humanidade inteira faça algumas coisas para que ele possa eventualmente não fazer nada ou ficar só pensando.

Ele tem, ecce homo, este limite individual que foi bem demonstrado em sua própria vida. Quando olhamos mais de perto a vida dele sempre percebemos que foi dependente de outras pessoas.

A mãe, a irmã, as mulheres, os amigos, o pai morto como uma sombra que paira em sua mente, as enfermeiras e médicos dos sanatórios, pois é que seu corpo não sobrevive sozinho e sua mente não funciona sem certos cuidados de outros.

No final, ele repousou a sete palmos com a ajuda dos outros também. E com todos nós vai ocorrer a mesma coisa, para além da terra redonda e desse mundo que dá suas voltas, para além do tempo que passa e da vida que segue. E para além também da nossa mortalidade porque atinge todos os demais. A morte é um dos fins mais justos. É como a divina providência para todos aqueles que viveram desiguais durante todas as suas vidas. Existem mortes diferentes sim. Algumas com mais sofrimento e outras com menos. Algumas de surpresa e outras esperadas. Algumas mortes cruéis e outras tranquilas. 

Parece estranho falar disso, mas é um mistério insondável relacionar a boa vida a boa morte. Às vezes é tudo ao contrário. A vida ruim sobrevém a boa morte. E a vida boa sobrevém a morte ruim. O que aparece aqui é uma espécie de motivo para reduzir a preocupação, pois se ao perverso é possível a boa morte e ao bondoso a morte dolorosa, então não há porque se preocupar com isso. E cada indivíduo há de ter o seu desfecho, ainda que talvez mal possa saber como será, como é e como foi.

Nosso mundo ocidental vive este tipo de mitologia do indivíduo, do caminhante solitário e do herói por si mesmo, mas isso tem aqui um claro limite. Isso pode ser o caso em muitos momentos, mas não é mesmo o caso o tempo todo e na vida inteira.
Esta ilusão do indivíduo acaba servindo na maior parte das vezes para tornar a vida mais difícil ainda. Então, como é possível e porque criar esta pretensão de prescindir dos outros e a julgar os outros desimportantes? 

É um erro brutal que deve ser combatido e criticado pelo bem de cada um e de todos. Pois se não há final garantido até lá vamos continuar sim dependendo uns dos outros.

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