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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

AS ILUSÕES BURGUESAS DA CLASSE MÉDIA BRASILEIRA


AS ILUSÕES BURGUESAS DA CLASSE MÉDIA BRASILEIRA

– PEQUENO ESBOÇO DE UM PROBLEMA DE ANÁLISE SOCIAL –

Meu amigo, colega e Professor de Filosofia Alexandre Noronha Machado, fez uma analogia muito especial sobre a teoria de Thomas Kuhn presente na obra As Estruturas das Revoluções Científicas. Vou usar ela aqui para ilustrar talvez o que ocorre com a classe média no mais das vezes. Como ela funciona em relação a sua aderência às crenças e valores das classes superiores. Em sua adesão à burguesia e à elite.

Isso talvez sirva para explicar porque muitos mesmo na penúria, no fracasso, no aumento do desemprego, no aumento do gás e da gasolina, do diesel e da luz, no aumento da contribuição previdenciária e em todas as coisas, m....s e lixos que se escuta por aí, ainda continuam embarcados na nau dos insensatos cujo timoneiro tem mudado de Serra para Aécio, de Cunha para Temer, de Moro para Bolsonaro e deste para o que mais vier, porque é um problema de adesão a crenças.

Como diz o Alexandre, em sua analogia excelente a Thomas Kuhn:

 "mesmo que o barco esteja fazendo água, se ele ainda está flutuando, você não se atira no mar."

Trata-se, portanto, de um paradigma e talvez só uma nova geração dentro da classe média possa mudar ele. E para isso a nova geração vai ter que romper com a geração dominante desse estrato social. Será que isso é possível?

Isso dependerá da dissolução do que tenho chamado de ilusão burguesa da classe média brasileira. Para ajudar na esperança da gente. Isso já ocorreu antes. Entre 1960 e 1980. E poderá ocorrer de novo. Naquela época havia de um lado um ciclo de urbanização, industrialização combinado com ditadura militar e crise econômica. Na atual quadra ocorrem outras mudanças também. Alguns acreditam que se faz o movimento inverso. Para verificar isso precisamos olhar para o regime de adesão a crenças e examinar quais as tendências dominantes.



Uma das formas mais claras de identificar as ilusões burguesas da classe média se apresenta na sua adesão, indiferença ou aversão a determinadas causas das classes superiores ou inferiores.

O que eu chamo de ilusões burguesas aqui é simplesmente a ideia de pertencimento a elite ou a burguesia que ocorre com muita frequência com a classe média, seja por melhoria das condições materiais, seja por inserção em atividades laborais ou intelectuais mais elaboradas, seja por sedução ou alguma espécie de engajamento em que fica flagrante a fantasia de pertencimento a uma classe superior. A classe média parece ter uma identificação natural a burguesia por uma espécie de desejo de sucesso e projeto comum. A classe média olha para o burguês e a elite e pensa de forma consciente ou inconsciente: eu vou ser você amanhã.

Uma forma de verificar esse intento aparece na adesão ou defesa  de crenças que representam os interesses de sustentação desse segmento superior. Ou seja, quando ela é capaz de aderir mecanicamente em defesa das demandas da burguesia que não lhe atendem nenhum interesse material concreto.

Inversamente, observamos o quanto ela quer se afastar das condições inferiores, quando ela se comporta sendo completamente avessa a qualquer forma de solidariedade real às classes inferiores. Mas essa adesão ou afastamento não é linear em todas as questões ou pautas. Pode ocorrer que um mesmo setor ou estrato seja capaz de ser solidário em algumas causas e indiferente em outras ou avesso a outras.
Nos últimos anos, as políticas de inclusão – cotas de todos os tipos – as políticas de distribuição de renda, as políticas de universalização do acesso a educação e a saúde e as políticas habitacionais efetivas, para ficar nesses poucos exemplos de adesão, indiferença ou aversão, tem representado um teste de corte da classe média em alguns fragmentos ou setores específicos.

Para não ser brutal com a classe média inteira – o que infelizmente é uma tendência corrente - com uma simplificação e generalização que desconhece ou não reconhece suas mutações e diferenças dentro dela, vou dividir ela em três seções ou estratos. No estrato superior da classe média, aqueles que tem as tais ilusões burguesas e são conservadores de um status quo, desde que se sintam, nem que em mera fantasia, inseridos nele. Esse é o estrato conservador que avalia a ascensão social por mérito individual. O segundo estrato me parece intermediário. Ele poderia ser caracterizado como indiferente.

Mas é bom lembrar que tanto a posição conservadora quanto indiferente não é integrada ou definidora perante todas as causas. Pode ocorrer de ser avesso a uma causa e aderir a outra ou, mesmo, ser avesso a uma e indiferente a outra. Em todas as combinações possíveis em relação as causas podemos encontrar sujeitos e estratos mais rígidos e consistentes ou mais flexíveis e idiossincráticos.    
 
Essa adesão, entretanto, não se dá de forma linear porque nem toda classe média possui ilusões burguesas. Há um elemento de desagregação intraclasse que pode ser medido por influências culturais mais críticas ao establishment ou ao status quo. A classe média é confusa de um ponto de vista do seu pertencimento. Talvez essa seja uma constatação artificial e contestável, devo reconhecer, mas é o que parece. Parte do meu raciocínio e exposição de conjecturas aqui tenta explicar porquê. 

Mas tenho uma impressão, de certa forma empírica e não verificada, seja por estatística seja por observação metódica, que a classe média não constrói consciência de classe basicamente porque - ainda que essa polarização classista possa ser inaplicável aqui - porque ela sempre está num sentido de transição que pode envolver um ponto de partida Cultural ou Material e um ponto de chegada.

Ou seja, a confusão ou dificuldade de formação de uma consciência de classe específica se agrava com a aceleração de possibilidades de ascensão ou com a redução dessas possibilidades. Como esse fenômeno de aceleração e redução nunca é estável no tempo, porque envolve fatores praticamente incontroláveis e muito diversos para todos os indivíduos do mesmo segmento ou classe social, então fica essa impressão de confusão ou indefinição de consciência. O que resta é uma nesga de identidade do que se acha que é e daquilo que se quer ser.

Fatores esses que podem envolver variaco s negativas e positivas em relação a condições diversas nessa classe multifacetada, desde estrutura familiar estável, condições de escolaridade e permanência na escola e aquisição de formação profissional, condições de saúde individuais ou familiares e também acesso a informação de qualidade e relativa a oportunidades.

Todas essas questões fazem parte do que eu gostaria de chamar perfil biográfico específico do indivíduo intraclasse. 

Essa transição e esse estado dinâmico de suas posições sociais instáveis tanto para o descenso ou ascensão social é o que me parece justamente produzir essas ilusões burguesas. Fica claro e deve ser aceito como razoável que os indivíduos dentro de suas classes de pertencimento tenham desejo de ascensão social. Deve ser aceito também que este desejo se traduz em uma tentativa de pertencimento simbólico, estético e cultural a classe superior. Mas também deve ser aceito que parecer ser isso ou aquilo ou pensar ser isso ou aquilo não equivale materialmente a ser isso ou aquilo.

Nesse sentido, creio que podemos pensar sim nesse tema do pertencimento material a determinada classe social e, então, pertencer ou não a uma determinada classe social vai depender efetivamente dessa linha de corte entre classes baixas, médias e superiores. Nas classes superiores é corrente se colocar as elites e a burguesia, mas é também importante fazer uma observação aqui em relação ao termo ou categoria de elites.

Pode se pertencer a elite no sentido puro da palavra, sem pertencer as camadas superiores, porque em cada estrato social sempre vão existir ou se constituir indivíduos cuja posição em relação a própria classe original e sua posição dentro dela, podem nos levar a crer em seu caráter de elite. Não vou dar exemplos porque creio que todos que leem esse texto podem imaginar os indivíduos que possuem essa característica de ser de uma elite entre os seus iguais.

É interessante olhar assim para a classe média porque talvez se explique a baixa adesão dela às lutas dos de baixo - por um esforço de não identificação ou não aceitação de um pertencimento - e a adesão quase instantânea da classe média às demandas da camada superior burguesa ou da elite que ela almeja ser ou julga ser nessa ilusão de classe pertencer. Então, por fim, parte das ilusões burguesas da classe média está orientada pelo desejo de ascensão social, não tanto por uma consciência ideológica ou cultural, mas sim por uma adesão simbólica a características que criam a ilusão de pertencimento a classe superior ou ao almejado status social.

P.S.: Esse texto e o que ele expressa não tem caráter fechado e nem definitivo. É um ensaio que tenta acertar num ponto específico que chamou minha atenção. É apenas uma tentativa de ficar bolando essa questão das ilusões burguesas da classe média. Estará sujeito a revisão e questionamento do próprio autor ou daqueles que assim entenderem.

Daniel Adams Boeira

07/02/2020

E-mail para comentários in off: daniel_boeira@yahoo.com.br

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