AS ILUSÕES BURGUESAS DA CLASSE
MÉDIA BRASILEIRA
– PEQUENO ESBOÇO DE UM PROBLEMA
DE ANÁLISE SOCIAL –
Meu amigo, colega e Professor de
Filosofia Alexandre Noronha Machado, fez uma analogia muito especial sobre a
teoria de Thomas Kuhn presente na obra As Estruturas das Revoluções
Científicas. Vou usar ela aqui para ilustrar talvez o que ocorre com a classe
média no mais das vezes. Como ela funciona em relação a sua aderência às crenças
e valores das classes superiores. Em sua adesão à burguesia e à elite.
Isso talvez sirva para explicar
porque muitos mesmo na penúria, no fracasso, no aumento do desemprego, no
aumento do gás e da gasolina, do diesel e da luz, no aumento da contribuição
previdenciária e em todas as coisas, m....s e lixos que se escuta por aí, ainda
continuam embarcados na nau dos insensatos cujo timoneiro tem mudado de Serra
para Aécio, de Cunha para Temer, de Moro para Bolsonaro e deste para o que mais
vier, porque é um problema de adesão a crenças.
Como diz o Alexandre, em sua
analogia excelente a Thomas Kuhn:
"mesmo que o barco esteja fazendo água,
se ele ainda está flutuando, você não se atira no mar."
Trata-se, portanto, de um paradigma
e talvez só uma nova geração dentro da classe média possa mudar ele. E para
isso a nova geração vai ter que romper com a geração dominante desse estrato
social. Será que isso é possível?
Isso dependerá da dissolução do
que tenho chamado de ilusão burguesa da classe média brasileira. Para ajudar na
esperança da gente. Isso já ocorreu antes. Entre 1960 e 1980. E poderá ocorrer
de novo. Naquela época havia de um lado um ciclo de urbanização,
industrialização combinado com ditadura militar e crise econômica. Na atual
quadra ocorrem outras mudanças também. Alguns acreditam que se faz o movimento
inverso. Para verificar isso precisamos olhar para o regime de adesão a crenças
e examinar quais as tendências dominantes.
Uma das formas mais claras de
identificar as ilusões burguesas da classe média se apresenta na sua adesão,
indiferença ou aversão a determinadas causas das classes superiores ou
inferiores.
O que eu chamo de ilusões
burguesas aqui é simplesmente a ideia de pertencimento a elite ou a burguesia
que ocorre com muita frequência com a classe média, seja por melhoria das
condições materiais, seja por inserção em atividades laborais ou intelectuais
mais elaboradas, seja por sedução ou alguma espécie de engajamento em que fica
flagrante a fantasia de pertencimento a uma classe superior. A classe média
parece ter uma identificação natural a burguesia por uma espécie de desejo de
sucesso e projeto comum. A classe média olha para o burguês e a elite e pensa
de forma consciente ou inconsciente: eu vou ser você amanhã.
Uma forma de verificar esse
intento aparece na adesão ou defesa de
crenças que representam os interesses de sustentação desse segmento superior.
Ou seja, quando ela é capaz de aderir mecanicamente em defesa das demandas da
burguesia que não lhe atendem nenhum interesse material concreto.
Inversamente, observamos o quanto
ela quer se afastar das condições inferiores, quando ela se comporta sendo
completamente avessa a qualquer forma de solidariedade real às classes
inferiores. Mas essa adesão ou afastamento não é linear em todas as questões ou
pautas. Pode ocorrer que um mesmo setor ou estrato seja capaz de ser solidário
em algumas causas e indiferente em outras ou avesso a outras.
Nos últimos anos, as políticas de
inclusão – cotas de todos os tipos – as políticas de distribuição de renda, as
políticas de universalização do acesso a educação e a saúde e as políticas
habitacionais efetivas, para ficar nesses poucos exemplos de adesão,
indiferença ou aversão, tem representado um teste de corte da classe média em
alguns fragmentos ou setores específicos.
Para não ser brutal com a classe
média inteira – o que infelizmente é uma tendência corrente - com uma
simplificação e generalização que desconhece ou não reconhece suas mutações e
diferenças dentro dela, vou dividir ela em três seções ou estratos. No estrato
superior da classe média, aqueles que tem as tais ilusões burguesas e são
conservadores de um status quo, desde que se sintam, nem que em mera fantasia,
inseridos nele. Esse é o estrato conservador que avalia a ascensão social por
mérito individual. O segundo estrato me parece intermediário. Ele poderia ser
caracterizado como indiferente.
Mas é bom lembrar que tanto a
posição conservadora quanto indiferente não é integrada ou definidora perante
todas as causas. Pode ocorrer de ser avesso a uma causa e aderir a outra ou,
mesmo, ser avesso a uma e indiferente a outra. Em todas as combinações
possíveis em relação as causas podemos encontrar sujeitos e estratos mais
rígidos e consistentes ou mais flexíveis e idiossincráticos.
Essa adesão, entretanto, não se
dá de forma linear porque nem toda classe média possui ilusões burguesas. Há um
elemento de desagregação intraclasse que pode ser medido por influências
culturais mais críticas ao establishment ou ao status quo. A classe média é
confusa de um ponto de vista do seu pertencimento. Talvez essa seja uma
constatação artificial e contestável, devo reconhecer, mas é o que parece.
Parte do meu raciocínio e exposição de conjecturas aqui tenta explicar
porquê.
Mas tenho uma impressão, de certa
forma empírica e não verificada, seja por estatística seja por observação
metódica, que a classe média não constrói consciência de classe basicamente
porque - ainda que essa polarização classista possa ser inaplicável aqui -
porque ela sempre está num sentido de transição que pode envolver um ponto de
partida Cultural ou Material e um ponto de chegada.
Ou seja, a confusão ou
dificuldade de formação de uma consciência de classe específica se agrava com a
aceleração de possibilidades de ascensão ou com a redução dessas
possibilidades. Como esse fenômeno de aceleração e redução nunca é estável no
tempo, porque envolve fatores praticamente incontroláveis e muito diversos para
todos os indivíduos do mesmo segmento ou classe social, então fica essa
impressão de confusão ou indefinição de consciência. O que resta é uma nesga de
identidade do que se acha que é e daquilo que se quer ser.
Fatores esses que podem envolver
variaco s negativas e positivas em relação a condições diversas nessa classe
multifacetada, desde estrutura familiar estável, condições de escolaridade e
permanência na escola e aquisição de formação profissional, condições de saúde
individuais ou familiares e também acesso a informação de qualidade e relativa
a oportunidades.
Todas essas questões fazem parte
do que eu gostaria de chamar perfil biográfico específico do indivíduo
intraclasse.
Essa transição e esse estado
dinâmico de suas posições sociais instáveis tanto para o descenso ou ascensão
social é o que me parece justamente produzir essas ilusões burguesas. Fica
claro e deve ser aceito como razoável que os indivíduos dentro de suas classes
de pertencimento tenham desejo de ascensão social. Deve ser aceito também que
este desejo se traduz em uma tentativa de pertencimento simbólico, estético e
cultural a classe superior. Mas também deve ser aceito que parecer ser isso ou
aquilo ou pensar ser isso ou aquilo não equivale materialmente a ser isso ou
aquilo.
Nesse sentido, creio que podemos
pensar sim nesse tema do pertencimento material a determinada classe social e,
então, pertencer ou não a uma determinada classe social vai depender efetivamente
dessa linha de corte entre classes baixas, médias e superiores. Nas classes
superiores é corrente se colocar as elites e a burguesia, mas é também
importante fazer uma observação aqui em relação ao termo ou categoria de
elites.
Pode se pertencer a elite no
sentido puro da palavra, sem pertencer as camadas superiores, porque em cada
estrato social sempre vão existir ou se constituir indivíduos cuja posição em
relação a própria classe original e sua posição dentro dela, podem nos levar a
crer em seu caráter de elite. Não vou dar exemplos porque creio que todos que
leem esse texto podem imaginar os indivíduos que possuem essa característica de
ser de uma elite entre os seus iguais.
É interessante olhar assim para a
classe média porque talvez se explique a baixa adesão dela às lutas dos de
baixo - por um esforço de não identificação ou não aceitação de um
pertencimento - e a adesão quase instantânea da classe média às demandas da
camada superior burguesa ou da elite que ela almeja ser ou julga ser nessa
ilusão de classe pertencer. Então, por fim, parte das ilusões burguesas da
classe média está orientada pelo desejo de ascensão social, não tanto por uma
consciência ideológica ou cultural, mas sim por uma adesão simbólica a
características que criam a ilusão de pertencimento a classe superior ou ao
almejado status social.
P.S.: Esse texto e o que ele
expressa não tem caráter fechado e nem definitivo. É um ensaio que tenta
acertar num ponto específico que chamou minha atenção. É apenas uma tentativa
de ficar bolando essa questão das ilusões burguesas da classe média. Estará
sujeito a revisão e questionamento do próprio autor ou daqueles que assim
entenderem.
Daniel Adams Boeira
07/02/2020
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