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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

OBAMA NÃO ESTÁ SOMENTE DISCURSANDO: AGENDA 2013


Assisti esta semana, na terça-feira à noite, o discurso do Presidente Americano Barack Obama, de abertura do ano legislativo e político americano. Tinha uma curiosidade sobre o que ele diria a respeito de diversos assuntos da conjuntura nacional e internacional. O famoso e tradicional ESTADO DA UNIÃO – STATE OF THE UNION ADRESS, com que todos os presidentes americanos saúdam o congresso e propõem temas aos congressistas americanos de OBAMA me pareceu muito mais focado nos temas locais, pois discorreu sobre temas muito específicos e importantes para os EUA.

Três exemplos breves disto são as idéias de incentivo ao ingresso da maior parte das crianças de 3-4 anos nas escolas infantis, através da redução do custo semanal disto, a idéia de aumento do salário mínimo e a idéia de promover o fortalecimento das disciplinas de matemática e ciências e do ensino técnico e tecnológico. Ele falou até mesmo do desafio de viabilizar o ingresso de um contingente maior de jovens americanos no ensino superior.  

Neste discurso em que ele apresentou o leque de suas prioridades de governo ou a agenda política de sua administração, o seu enfoque foi claramente em propostas educacionais, de salário mínimo, de direitos sociais, e, também, de imigração e de formas de superação da recessão que ainda abala a economia americana desde a crise herdada do Governo Bush, na crise de 2007-2008.

Também focou o desafio do congresso de votar uma nova legislação para o tema do desarmamento com referências a familiares das vítimas presentes no congresso e – mais que isto – tratou muito sobre a relação entre os cidadãos americanos e aquilo que Kennedy cunhou como aquilo que você pode e deve fazer pela América para ela se constituir através da força dos seus cidadãos. 

É o primeiro discurso dele aos congressistas após a sua reeleição e que abre os próximos 4 anos de sua derradeira gestão, mas me chama muita atenção o fato de que neste discurso ele tem dois grandes desafios herdados de Bush: a guerra contra a Al Qaeda e a crise econômica.

Por mais que tenha divergências e inclusive urticária quando penso em certas relações políticas internacionais da grande nação americana, suas ações econômicas e em todo o peso militar daquele país no mundo, tendo a julgar positivamente o discurso dele.

Por duas razões: primeira ele tem um discurso que responde sim a realidade americana e aos desafios americanos atuais, inclusive me surpreendendo em alguns pontos, e, também, apresenta uma agenda externa correta da perspectiva da realidade que ele enfrenta.

E não creio que seja sensato recusar in limine o tema geral da liberdade, da democracia e da cidadania somente porque é proferido pelo presidente americano como um tema relevante, importante e determinante das condições de vida das pessoas neste planeta.

E eu tendo sim a tentar avaliar o que ele está tentando propor com este discurso e o sentido da sua fala, tanto numa dimensão política, como numa dimensão humana e civilizatória.

Não gosto nada da forma como alguns intérpretes avaliam discursos políticos, porque eles se esquecem que as palavras para os políticos são moedas mais preciosas do que para muitos jornalistas e comentaristas.

Assim, as acusações de contorcionismo e de mera retórica não me parecem sensatas neste caso em especial e em diversos outros.

Vejo correntemente uma espécie de desdém dos comentaristas em relação às intenções e ao sentido dos discursos das lideranças. Pois eu penso que quem usa esta chave deveria estar fazendo outras coisas e não comentários sobre performativos ou ação política.

O que, aliás, foi a minha sensação ao assistir os comentários de Demétrio Magnoli, na GLOBO NEWS. Oscilava entre um simplismo explicativo e uma espécie de uso e abuso de opostos clássicos ao tratar da relação entre os Democratas e os Republicanos no tempo atual.

Eu não penso que o principal debate ali era de Obama com os congressistas, ma sim de Obama com o povo americano. E se o desafio dele é liderar o seu povo ele deve sim estar conseguindo pelo que percebi.

Que nenhuma palavra sobre as novas doutrinas ultra-conservadoras do Tea Party foi apresentada nos comentários, por exemplo, é sintoma de que o comentarista não entendeu que o confronto não é entre o liberalismo clássico do século XIX e um estatismo Rooseweltiano.

O confronto é entre o NEW DEAL do Obama e o Tea Party. E o Tea Party não é nem perto de uma doutrina liberal sendo muito mais parecido a um anarco conservadorismo.

Todas as propostas que o Obama apresenta são consideradas socialistas pelo pessoal do Tea Party, e, aos nossos olhos, são meramente reformistas e seguem na linha de constituição de direitos e não no fortalecimento ou inflação do estado americano.

Ainda que quanto às regras de migração, a reação possa ser mais controversa.

Mesmo quando propõe que se resolva o acesso regular e tranqüilo dos imigrantes à economia americana é mais razoável do que esta carnificina que ocorre naquela fronteira com o México e às condições de vida dos clandestinos.

A resumida midiática à pauta socialista ou estatizante, o que em grau algum corresponde as propostas de Obama, salvo no tema das reformas das estradas, escolas, hospitais para gerar mais empregos e reduzir o desemprego atual, no que toca à parcela de investimentos públicos nisto.

Penso que a incompreensão disto está a serviço justamente de uma crítica por tabela ao estado brasileiro e aos direitos civis brasileiros e, também, ao que está sendo difícil para a grande mídia assimilar que são os resultados positivos das medidas de Dilma e Lula contra a crise.

Bem anotadas as coisas – coisa que o grandiloqüente comentarista não faz – se percebe que o Brasil está à frente dos EUA em vários itens da agenda Obama 2013. 

Já o Idelber Avelar – do ex-blog Biscoito Fino e a Massa que promoveu a maior cobertura on line das primárias e da eleição do Obama em 2009, tem críticas em relação a alguns temas também que devem ser consideradas sempre, posto que é um dos maiores e mais profundos especialistas em política americana atual – apesar dele certamente discordar desta avaliação.

E li também um comentário, na minha opinião também ruim porque fica no nível da mera negação do Alfredo Machado no Blog do Nassif que me deixou decepcionado.

Já as agências noticiosas como a AFP (Agencia France Presse) resume assim o discurso de Obama:” lançou uma  ambiciosa agenda de estímulo à economia, controle da venda de armas e reforma do sistema migratório"

Penso que as vezes o pessoal antecipa o ceticismo antes mesmo de entender o significado do que está sendo dito e o seu alcance no seu contexto específico.

Creio que o ceticismo é um bom guia contra a credulidade, o dogmatismo e os instintos alvissareiros tão comuns em colonizados e submissos, mas é absolutamente inútil na interpretação de atos de fala.

A pergunta fundamental neste caso não é se você acredita no discurso dos políticos ou não?, mas sim se você compreende o alcance deste discurso e o seu contexto real de fala?

Penso que é de um primitivismo e açodamento tremendo ler e julgar discursos desta forma. Obama deve ter cumprido uma lista de uns 30 assuntos de sua grande agenda e com um CHECK LIST e obteve uma interação com o público impecável em sua fala.

Uma performance com timing e acentos adequados e tem gente aqui que fica fazendo troça, como se o discurso do cara fosse amador ou como se ele estivesse ali com aquele microfone de brincadeira.

E não vale para mim o fato dele estar repetindo coisas de quatro anos atrás.

Se sim, se é o caso, isso significa que ele persiste numa direção e que persegue seus objetivos.

Visto desta forma é pouco provável que sua reeleição não tenha relação direta com isto.

O que pode acabar por tornar possíveis muitas coisas da sua agenda contra a resistência dura da oposição que ele enfrenta.

Não é de hoje que a política externa americana depende mais de emoções do que de razões, ou que as razões americanas parecem boas, mas são ruins.  

A proposta de  retirada em duas etapas do militares do Afeganistão responde aquilo que eu já comentei aqui no debate entre Obama e Ronmey sobre política externa de que “os EUA tem que parar de sacrificar seus filhos e os filhos de toda a humanidade através de uma política externa belicista, intervencionista e equivocada. Obama não é - salvo melhor juízo - o fim e a remissão desta política, mas diminui esta estratégia que quase independe do Salão Oval, porque está entranhada na ordem de estado americano”.

Com uma primeira leva agora até atingir os 34 mil militares no ano que vem do Afeganistãoe uma outra leva de mais 35 mil até 2014, é sim uma boa notícia e é aquilo que virou manchete na maior parte dos jornais pelo mundo.

Além disso, outra fonte de polêmica é se a Al Qaeda foi derrotada ou não.

Obama afirma que sim em seus discurso, nós podemos até duvidar disto e inclusive suspeitar de que “a Al Qaeda” está mais espalhada e disseminada no mundo hoje do que há dez anos atrás, como disse o Idelber “está hoje em locais onde não havia”.

Mas eu também noto que o uso dos Drones e das outras armas sofisticadas afastam de vez a hipótese de um novo Vietnã, mas mantém os massacres de civis também.

Ele propôs uma aliança econômica com a Europa que deve ter consequências mais rápidas do que parece à primeira vista para os céticos.

Mas observei uma característica muito marcante no discurso do Obama que merece ser destacada: em parte do seu tempo ele fez referências e menções permanentes a importância daqueles que estão em armas defendendo a democracia e a liberdade nos EUA e no mundo.

Diria que ele está mantendo deliberadamente o povo atento às necessidades eventuais de mobilização militar e também acenando com reconhecimento explícito a sua aliança com as forças militares.

Eu não apostaria de forma alguma que no horizonte político do Obama não esteja delineado o pior dos mundos possíveis ainda.

Neste sentido, ao contrário do que alguns imaginam o fato de Obama citar a aliança econômica com a Europa e não referir alguma proposta para a América Latina, pelo bem e pelo mal, nos deixa em paz. E não se passaram nem três dias e Obama já foi lá fazer a sua negociação com a Europa ou a Comunidade Européia. Ele sabe, e qualquer um pode saber disso, que se a Europa sucunbe à crise os EUA vão juntos. Creio que está valendo um estudo das últimas crises econômicas para se compreender o que anda ocorrendo na economia mundial desde a crise do petróleo até a de 2008.  Esta crise atual que se prolonga e teve seu início na economia americana é bem mais desafiadora do ponto de ista da política externa do que parece.   

Não sou ancora nem especialista em política externa, mas com uma leitura básica da história americana e com um acompanhamento atento dos últimos tempos – últimos 30 anos – ou seja, desde Reagan vejo em Obama o maior presidente americano e o mais honesto e sincero discurso da política contemporânea. E ele precisa ser verdadeiro mesmo para superar esta crise atual. Não é por nada que ele conseguiu se eleger presidente e se reeleger.

Então eu diria a partir disto que uma leitura simplista e o usos excessivos de chavões surrados para interpretar o que ele diz não é nada recomendável.     

Considerando o contexto - a fúria fascista e liberal que o partido republicano representa naquele país - Obama tem boas propostas, excelentes conceitos e também uma abordagem muito correta do tema da cidadania.

Ele não fez uma salada de frutas como alguns pensam, nem deu um show de retórica. Quando propõe uma comissão para estudar e propor solução às filas de votação e ao sistema de apuração americano, fazendo homenagem a uma eleitora de 102 anos que ficou sete horas na fila esperando para votar ele indica de forma direta que os seus desafios são desafios do povo americano.

Ele pontuou temas e problemas que realmente precisam ser enfrentados e pediu votos do congresso com uma estratégia de discurso muito forte para questões que realmente podem melhorar a vida do povo americano e as suas relações com o resto da humanidade. E isso aborreceu os Republicanos nesta noite.

Ao escalar o Jovem senador pela Florida, para responder ao discurso presidencial os republicanos sinalizam com uma situação tipo regra três, ou seja, manda o menino.

E aquilo que poderia parecer um sinal de renovação, é, na verdade, uma forma de tentar reduzir a importância do discurso de Obama, o que, aliás, é a mesma atitude de alguns comentaristas locais.

Quer dizer que o maior desejo dos republicanos em relação ao discurso de Obama é que eles esqueçam tudo que ele disse e olhem somente para a questão migratória e o velho problema que eles mesmos criaram de um estado que gasta mais dinheiro para tirar vidas humanas do que para fazerem os homens e mulheres deste mundo viverem.

É sim, isto que penso, os republicanos que rejeitam um estado inchado e caro, com deficit e dividas, fazem política para criar um estado disfuncional que mais mata - guerras e fronteiras, do que faz viver. E é ai que entra a discussão deles sobre o Medicare.

O custo do Medicare é alto segundo eles, mas é algo muito controverso o fato de que um EX-Seal, um Marine que foi o assassino do Osama Bin Laden na noite mais escura, ter se desligado das forças especiais e do serviço militar e ser hoje em menos de dois anos um homem sem assistência à saúde. (Os brasileiros deveriam valorizar muito mais o SUS.)

O custo da guerra é alto, mas o mais Sniper americano, morreu com um outro amigo em solo americano alvejado por uma arma de fogo num centro de treinamento, após ter enfrentado missões e liquidado aproximadamente 150 inimigos, ou 250 em suas próprias contas. São coisas como esta, e os exemplos podem ser ampliados, que nos levam a perguntar sim pelo tipo de conceito de segurança que a nação americana tem construído.   

Tendo a prestar mais atenção nos desdobramentos e imagino que um pouco de mais atenção ao discurso dele possa ajudar a entender melhor a conjuntura internacional em sua atual instabilidade e com seus dois principais desafios: a crise econômica global e o cenário de conflito ainda presente entre o Ocidente e o Oriente.

Todo mundo fica esperando como a China vai se comportar neste cenário, mas o que me parece mais plausível é que ela não vá se envolver mesmo nestes conflitos. E tudo se passa como os problemas do mundo fossem somente religiosos com a renúncia do Papa.

Por fim, com a Coréia do Norte se expondo desta forma, creio que os outros elementos do cenário acabam se mitigando e se aproveitando para armar algo como um contra-ataque. Não gosto do comportamento diplomático em geral, pois vejo mais dissimulação hoje do que se podia observar às vésperas da segunda guerra mundial.

Para concluir, é mesmo notável como para nós, as medidas internas de Obama parecem desimportantes e o quanto nos preocupamos sobre como será o comportamento exterior desta nação que já foi outrora a mais poderosa do planeta, mas vejo estas medidas como extremamente ligadas em seu discurso que reforça o tempo todo o espírito civil que a América precisa para enfrentar os tempos futuros.

P.S. Também publicado em primeira versão no Blog do Nassif: AS PRIORIDADES DO GOVERNO OBAMA

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