Assisti esta semana, na
terça-feira à noite, o discurso do Presidente Americano Barack Obama, de
abertura do ano legislativo e político americano. Tinha uma curiosidade sobre o
que ele diria a respeito de diversos assuntos da conjuntura nacional e internacional.
O famoso e tradicional ESTADO DA UNIÃO – STATE OF THE UNION ADRESS, com que
todos os presidentes americanos saúdam o congresso e propõem temas aos
congressistas americanos de OBAMA me pareceu muito mais focado nos temas
locais, pois discorreu sobre temas muito específicos e importantes para os EUA.
Três exemplos breves disto são as
idéias de incentivo ao ingresso da maior parte das crianças de 3-4 anos nas
escolas infantis, através da redução do custo semanal disto, a idéia de aumento
do salário mínimo e a idéia de promover o fortalecimento das disciplinas de
matemática e ciências e do ensino técnico e tecnológico. Ele falou até mesmo do
desafio de viabilizar o ingresso de um contingente maior de jovens americanos
no ensino superior.
Neste discurso em que ele apresentou
o leque de suas prioridades de governo ou a agenda política de sua
administração, o seu enfoque foi claramente em propostas educacionais, de
salário mínimo, de direitos sociais, e, também, de imigração e de formas de
superação da recessão que ainda abala a economia americana desde a crise
herdada do Governo Bush, na crise de 2007-2008.
Também focou o desafio do
congresso de votar uma nova legislação para o tema do desarmamento com
referências a familiares das vítimas presentes no congresso e – mais que isto –
tratou muito sobre a relação entre os cidadãos americanos e aquilo que Kennedy
cunhou como aquilo que você pode e deve fazer pela América para ela se
constituir através da força dos seus cidadãos.
É o primeiro discurso dele aos
congressistas após a sua reeleição e que abre os próximos 4 anos de sua
derradeira gestão, mas me chama muita atenção o fato de que neste discurso ele
tem dois grandes desafios herdados de Bush: a guerra contra a Al Qaeda e a
crise econômica.
Por mais que tenha divergências e
inclusive urticária quando penso em certas relações políticas internacionais da
grande nação americana, suas ações econômicas e em todo o peso militar daquele
país no mundo, tendo a julgar positivamente o discurso dele.
Por duas razões: primeira ele tem
um discurso que responde sim a realidade americana e aos desafios americanos
atuais, inclusive me surpreendendo em alguns pontos, e, também, apresenta uma
agenda externa correta da perspectiva da realidade que ele enfrenta.
E não creio que seja sensato
recusar in limine o tema geral da
liberdade, da democracia e da cidadania somente porque é proferido pelo
presidente americano como um tema relevante, importante e determinante das
condições de vida das pessoas neste planeta.
E eu tendo sim a tentar avaliar o
que ele está tentando propor com este discurso e o sentido da sua fala, tanto
numa dimensão política, como numa dimensão humana e civilizatória.
Não gosto nada da forma como
alguns intérpretes avaliam discursos políticos, porque eles se esquecem que as
palavras para os políticos são moedas mais preciosas do que para muitos
jornalistas e comentaristas.
Assim, as acusações de
contorcionismo e de mera retórica não me parecem sensatas neste caso em
especial e em diversos outros.
Vejo correntemente uma espécie de
desdém dos comentaristas em relação às intenções e ao sentido dos discursos das
lideranças. Pois eu penso que quem usa esta chave deveria estar fazendo outras
coisas e não comentários sobre performativos ou ação política.
O que, aliás, foi a minha
sensação ao assistir os comentários de Demétrio Magnoli, na GLOBO NEWS. Oscilava
entre um simplismo explicativo e uma espécie de uso e abuso de opostos clássicos
ao tratar da relação entre os Democratas e os Republicanos no tempo atual.
Eu não penso que o principal
debate ali era de Obama com os congressistas, ma sim de Obama com o povo
americano. E se o desafio dele é liderar o seu povo ele deve sim estar
conseguindo pelo que percebi.
Que nenhuma palavra sobre as
novas doutrinas ultra-conservadoras do Tea Party foi apresentada nos
comentários, por exemplo, é sintoma de que o comentarista não entendeu que o
confronto não é entre o liberalismo clássico do século XIX e um estatismo
Rooseweltiano.
O confronto é entre o NEW DEAL do
Obama e o Tea Party. E o Tea Party não é nem perto de uma doutrina liberal
sendo muito mais parecido a um anarco conservadorismo.
Todas as propostas que o Obama
apresenta são consideradas socialistas pelo pessoal do Tea Party, e, aos nossos
olhos, são meramente reformistas e seguem na linha de constituição de direitos
e não no fortalecimento ou inflação do estado americano.
Ainda que quanto às regras de
migração, a reação possa ser mais controversa.
Mesmo quando propõe que se
resolva o acesso regular e tranqüilo dos imigrantes à economia americana é mais
razoável do que esta carnificina que ocorre naquela fronteira com o México e às
condições de vida dos clandestinos.
A resumida midiática à pauta
socialista ou estatizante, o que em grau algum corresponde as propostas de
Obama, salvo no tema das reformas das estradas, escolas, hospitais para gerar
mais empregos e reduzir o desemprego atual, no que toca à parcela de
investimentos públicos nisto.
Penso que a incompreensão disto
está a serviço justamente de uma crítica por tabela ao estado brasileiro e aos
direitos civis brasileiros e, também, ao que está sendo difícil para a grande
mídia assimilar que são os resultados positivos das medidas de Dilma e Lula
contra a crise.
Bem anotadas as coisas – coisa
que o grandiloqüente comentarista não faz – se percebe que o Brasil está à
frente dos EUA em vários itens da agenda Obama 2013.
Já o Idelber Avelar – do ex-blog
Biscoito Fino e a Massa que promoveu a maior cobertura on line das primárias e
da eleição do Obama em 2009, tem críticas em relação a alguns temas também que
devem ser consideradas sempre, posto que é um dos maiores e mais profundos
especialistas em política americana atual – apesar dele certamente discordar
desta avaliação.
E li também um comentário, na
minha opinião também ruim porque fica no nível da mera negação do Alfredo
Machado no Blog do Nassif que me deixou decepcionado.
Já as agências noticiosas como a
AFP (Agencia France Presse) resume assim o discurso de Obama:” lançou uma ambiciosa
agenda de estímulo à economia, controle da venda de armas e reforma do sistema
migratório"
Penso que as vezes o pessoal
antecipa o ceticismo antes mesmo de entender o significado do que está sendo
dito e o seu alcance no seu contexto específico.
Creio que o ceticismo é um bom
guia contra a credulidade, o dogmatismo e os instintos alvissareiros tão comuns
em colonizados e submissos, mas é absolutamente inútil na interpretação de atos
de fala.
A pergunta fundamental neste caso
não é se você acredita no discurso dos políticos ou não?, mas sim se você
compreende o alcance deste discurso e o seu contexto real de fala?
Penso que é de um primitivismo e
açodamento tremendo ler e julgar discursos desta forma. Obama deve ter cumprido
uma lista de uns 30 assuntos de sua grande agenda e com um CHECK LIST e obteve
uma interação com o público impecável em sua fala.
Uma performance com timing e
acentos adequados e tem gente aqui que fica fazendo troça, como se o discurso
do cara fosse amador ou como se ele estivesse ali com aquele microfone de
brincadeira.
E não vale para mim o fato dele
estar repetindo coisas de quatro anos atrás.
Se sim, se é o caso, isso significa
que ele persiste numa direção e que persegue seus objetivos.
Visto desta forma é pouco
provável que sua reeleição não tenha relação direta com isto.
O que pode acabar por tornar
possíveis muitas coisas da sua agenda contra a resistência dura da oposição que
ele enfrenta.
Não é de hoje que a política
externa americana depende mais de emoções do que de razões, ou que as razões
americanas parecem boas, mas são ruins.
A proposta de retirada em duas etapas do militares do
Afeganistão responde aquilo que eu já comentei aqui no debate entre Obama e
Ronmey sobre política externa de que “os EUA
tem que parar de sacrificar seus filhos e os filhos de toda a humanidade
através de uma política externa belicista, intervencionista e equivocada. Obama
não é - salvo melhor juízo - o fim e a remissão desta política, mas diminui
esta estratégia que quase independe do Salão Oval, porque está entranhada na
ordem de estado americano”.
Com uma primeira leva agora até
atingir os 34 mil militares no ano que vem do Afeganistãoe uma outra leva de
mais 35 mil até 2014, é sim uma boa notícia e é aquilo que virou manchete na
maior parte dos jornais pelo mundo.
Além disso, outra fonte de
polêmica é se a Al Qaeda foi derrotada ou não.
Obama afirma que sim em seus
discurso, nós podemos até duvidar disto e inclusive suspeitar de que “a Al
Qaeda” está mais espalhada e disseminada no mundo hoje do que há dez anos
atrás, como disse o Idelber “está hoje em locais onde não havia”.
Mas eu também noto que o uso dos
Drones e das outras armas sofisticadas afastam de vez a hipótese de um novo
Vietnã, mas mantém os massacres de civis também.
Ele propôs uma aliança econômica
com a Europa que deve ter consequências mais rápidas do que parece à primeira
vista para os céticos.
Mas observei uma característica
muito marcante no discurso do Obama que merece ser destacada: em parte do seu
tempo ele fez referências e menções permanentes a importância daqueles que
estão em armas defendendo a democracia e a liberdade nos EUA e no mundo.
Diria que ele está mantendo
deliberadamente o povo atento às necessidades eventuais de mobilização militar
e também acenando com reconhecimento explícito a sua aliança com as forças
militares.
Eu não apostaria de forma alguma
que no horizonte político do Obama não esteja delineado o pior dos mundos
possíveis ainda.
Neste sentido, ao contrário do
que alguns imaginam o fato de Obama citar a aliança econômica com a Europa e
não referir alguma proposta para a América Latina, pelo bem e pelo mal, nos
deixa em paz. E
não se passaram nem três dias e Obama já foi lá fazer a sua negociação com a
Europa ou a Comunidade Européia. Ele sabe, e qualquer um pode saber disso, que
se a Europa sucunbe à crise os EUA vão juntos. Creio que está valendo um estudo
das últimas crises econômicas para se compreender o que anda ocorrendo na
economia mundial desde a crise do petróleo até a de 2008. Esta crise atual que se prolonga e teve seu
início na economia americana é bem mais desafiadora do ponto de ista da
política externa do que parece.
Não sou ancora nem especialista
em política externa, mas com uma leitura básica da história americana e com um
acompanhamento atento dos últimos tempos – últimos 30 anos – ou seja, desde
Reagan vejo em Obama o maior presidente americano e o mais honesto e sincero
discurso da política contemporânea. E ele precisa ser verdadeiro mesmo para
superar esta crise atual. Não é por nada que ele conseguiu se eleger presidente
e se reeleger.
Então eu diria a partir disto que
uma leitura simplista e o usos excessivos de chavões surrados para interpretar
o que ele diz não é nada recomendável.
Considerando o contexto - a fúria
fascista e liberal que o partido republicano representa naquele país - Obama
tem boas propostas, excelentes conceitos e também uma abordagem muito correta
do tema da cidadania.
Ele não fez uma salada de frutas
como alguns pensam, nem deu um show de retórica. Quando propõe uma comissão
para estudar e propor solução às filas de votação e ao sistema de apuração
americano, fazendo homenagem a uma eleitora de 102 anos que ficou sete horas na
fila esperando para votar ele indica de forma direta que os seus desafios são
desafios do povo americano.
Ele pontuou temas e problemas que
realmente precisam ser enfrentados e pediu votos do congresso com uma
estratégia de discurso muito forte para questões que realmente podem melhorar a
vida do povo americano e as suas relações com o resto da humanidade. E isso
aborreceu os Republicanos nesta noite.
Ao escalar o Jovem senador pela
Florida, para responder ao discurso presidencial os republicanos sinalizam com
uma situação tipo regra três, ou seja, manda o menino.
E aquilo que poderia parecer um
sinal de renovação, é, na verdade, uma forma de tentar reduzir a importância do
discurso de Obama, o que, aliás, é a mesma atitude de alguns comentaristas
locais.
Quer dizer que o maior desejo dos
republicanos em relação ao discurso de Obama é que eles esqueçam tudo que ele
disse e olhem somente para a questão migratória e o velho problema que eles
mesmos criaram de um estado que gasta mais dinheiro para tirar vidas humanas do
que para fazerem os homens e mulheres deste mundo viverem.
É sim, isto que penso, os
republicanos que rejeitam um estado inchado e caro, com deficit e dividas,
fazem política para criar um estado disfuncional que mais mata - guerras e
fronteiras, do que faz viver. E é ai que entra a discussão deles sobre o
Medicare.
O custo do Medicare é alto
segundo eles, mas é algo muito controverso o fato de que um EX-Seal, um Marine
que foi o assassino do Osama Bin Laden na noite mais escura, ter se desligado
das forças especiais e do serviço militar e ser hoje em menos de dois anos um
homem sem assistência à saúde. (Os brasileiros deveriam valorizar muito mais o
SUS.)
O custo da guerra é alto, mas o
mais Sniper americano, morreu com um outro amigo em solo americano alvejado por
uma arma de fogo num centro de treinamento, após ter enfrentado missões e
liquidado aproximadamente 150 inimigos, ou 250 em suas próprias contas. São
coisas como esta, e os exemplos podem ser ampliados, que nos levam a perguntar
sim pelo tipo de conceito de segurança que a nação americana tem
construído.
Tendo a prestar mais atenção nos
desdobramentos e imagino que um pouco de mais atenção ao discurso dele possa
ajudar a entender melhor a conjuntura internacional em sua atual instabilidade
e com seus dois principais desafios: a crise econômica global e o cenário de
conflito ainda presente entre o Ocidente e o Oriente.
Todo mundo fica esperando como a
China vai se comportar neste cenário, mas o que me parece mais plausível é que
ela não vá se envolver mesmo nestes conflitos. E tudo se passa como os
problemas do mundo fossem somente religiosos com a renúncia do Papa.
Por fim, com a Coréia do Norte se
expondo desta forma, creio que os outros elementos do cenário acabam se
mitigando e se aproveitando para armar algo como um contra-ataque. Não gosto do
comportamento diplomático em geral, pois vejo mais dissimulação hoje do que se
podia observar às vésperas da segunda guerra mundial.
Para concluir, é mesmo notável como para nós, as
medidas internas de Obama parecem desimportantes e o quanto nos preocupamos
sobre como será o comportamento exterior desta nação que já foi outrora a mais
poderosa do planeta, mas vejo estas medidas como extremamente ligadas em seu
discurso que reforça o tempo todo o espírito civil que a América precisa para
enfrentar os tempos futuros.
P.S. Também publicado em primeira versão no Blog do Nassif: AS PRIORIDADES DO GOVERNO OBAMA
P.S. Também publicado em primeira versão no Blog do Nassif: AS PRIORIDADES DO GOVERNO OBAMA
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