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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

TOMADA DE POSIÇÃO


TOMADA DE POSIÇÃO

Aprendi a observar com mais cuidado as opiniões, posições e expressões dos políticos e dos homens e mulheres públicos, das autoridades e, também, das celebridades em geral, após uma advertência de um professor de filosofia que dizia basicamente que política é a arte de tomar posição. Meu professor João Carlos Brum Torres, não dizia exatamente que era uma arte, mas que o segredo da política é tomar posição. Hoje, passados alguns bons anos dessa lição, eu penso que ele seguia algo como uma inspiração sartreana desde jovem. Não conheço toda a história de militância dele, mas sempre observei suas tomadas de posição e de outros e percebia e percebo o quanto ele valorizava esse gesto e sua responsabilidade nisso. Assim, apesar de nossas divergências partidárias e também algumas refregas eleitorais, sempre pude considerar sua posição como importante no debate. E é assim até hoje, por exemplo, quando ele se posicionou contra o golpe de Temer ou quando considerou um crime o fechamento da FEE – Fundação de Economia e Estatística, entre outras posições que o separavam das iniciativas dos membros do seu partido.   

Ele queria dizer com isso que a questão não era tanto se a posição estava certa ou errada, mas sim que ela demonstrasse uma abordagem alternativa à realidade e à opinião frágil ou fraca sobre ela.

Numa perspectiva mais formal, nós podemos até mesmo fazer inquérito sobre as posições divergentes e tentar monitorar a evolução dos acontecimentos para ver que posições se mostraram acertadas, quais, mesmo erradas ou equivocas, contribuíram para a reflexão pública sobre determinado assunto e, também, quais representavam apenas um beco sem saída ou a mera negação de uma outra perspectiva ou posição.

Na trajetória política deveria ser balanceado isso de alguma forma. Alguns somam pontos por sua lucidez e eventual ousadia em tomar posição, outros perdem pontos por simplesmente vomitarem suas biles, seu ódio, raiva ou grosseria no debate público.

Com o tempo se aprende a observar a mísera diferença entre fanfarrões, oportunistas, parlapatões, grossos e a perceber a grandiosa diferença daqueles que se expressam com responsabilidade e serenidade de tal modo que conquistam nosso respeito e deveriam receber mais atenção do público, enquanto os demais deveriam ser desvalorizados no grande mercado de ideias políticas. Porém, ocorre que de vez em quando observamos uma espécie de surto de insensatez e algumas figuras grosseiras cujo destino deveria ser a nota de pé de página da história, procuram ter capítulo especial como se tivessem algo a dizer, algo a ensinar e algo a fazer, mas não.

Lembrei deste tema da tomada de posição ao saber que uma menina muito querida se posicionou contra o coiso e faz isso muitas vezes ao dia porque não suporta a ideia de ver o Brasil nas mãos desses caras e que tem também muitas precauções contra a mentalidade que ele desperta ou dissemina em seus apoios. Ela toma posição e argumenta todos os dias por #EleNão e #EleNunca.

Eu fico muito orgulhoso ao ver isso. Porque sei que assim ela assume posição e responsabilidade pelos assuntos públicos e vai à medida que o fizer com juízo e serenidade conquistar o respeito público e contribuir de alguma forma para a sociedade. Para aqueles que gostam de ficar sobre o muro, seja por prudência seja por auto preservação, talvez seja importante observar que quem não tem posição ou não contribui no debate público, tem muito pouco a dizer na esfera privada que tenha algum valor e que o valha.

Tomar posição é da essência da política e só quem toma posição compreende o quão sério deveria ser o tratamento dado aos assuntos públicos.



P.S.: Homem fraco em política é aquele que é incapaz de controlar a sua ambição e vaidade nos assuntos públicos. E, em geral, quem não controla essas duas partes de sua alma comete sucessivamente um absurdo ou estupidez atrás do outro. Num seriado que assisto, há um homem mau para cada temporada e a mocinha se vê às voltas com ele. Na vida real, há muitos homens maus e a maior parte deles se engendra sobre a proteção vaidosa da expressão homens de bem que apenas esconde o propósito de fazer mau a outros seres humanos. Veja que aqui ambição está em desmedida e que toda vez que ela aparece e triunfa, ocorrem tragédias. Eu admiro e respeito muito todas as pessoas que estão lutando contra isso e respeitando aqueles que estão ao seu lado, bem como, respeitando, na expressão de suas palavras, mesmo aos seus adversários. O estado de beligerância não será desarmado sem essa atitude e os alegados extremismos deveriam ser melhor sopesados no espectro político brasileiro. Nesse sentido, eu só vejo dois lados no cenário todo. Um, daqueles que usurparam o poder ou que querem persistir fazendo isso e, o outro, daqueles que resistem e vão continuar lutando contra estas tentações e iniciativas. Assim, para mim, homem fraco e homem mau é aquele que se posiciona do lado dos primeiros. O resto é apenas ensaio de diferença.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Merli - 1


MERLI - DEBATE NA 33• FEIRA DO LIVRO DE SÃO LEOPOLDO - RS

Nesta quinta-feira, às 19 horas, vou conversar com a Professora Elvira Hoffmann, apaixonada pela série e com o público que prestigiar o evento. Tudo com a mediação e a proteção do mestre Jari da Rocha, Diretor de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura e Relações Internacionais de São Leopoldo.

A SÉRIE E O ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO

Convido para comparecerem ao debate sobre esta série e apresento algumas considerações sobre ela aqui. Sem spoiler nem da série e nem da minha fala sobre ela para a ocasião.

A série tem como personagem principal Merli que é um professor de filosofia razoavelmente excêntrico, crítico e que se arrisca muitas vezes em relação ao ambiente escolar, em algumas errando e em outras acertando, mas que é muito dedicado e que estabelece uma relação intensa e dialética com seus alunos e alunas e também colegas na escola. É um personagem muito bem construído pelos autores e pelo ator, cujas experiências apresentam uma espécie de somatório de muitas experiências de outros educadores que são orientados pela ousadia e criatividade. Ele encara as contradições da vida e provocativamente gera nos alunos e alunas uma espécie muito singular de autoconhecimento e autocompreensão que os estimula a ter uma vida refletida em suas relações com os outros seres humanos.

Na série, é importante destacar, os jovens alunos, meninos e meninas apresentam características muito bem boladas e construídas em seus personagens. Apesar da turma ter 25 alunos, a série se concentra nas vivências e experiências de 11 alunos e alunas. Os demais da turma são coadjuvantes sendo citados e nominados apenas mais cinco. Os demais alunos da escola figuram no cenário dando uma bela ambientação e ideia de um ambiente escolar completo. Destaco em relação a escola mais duas coisas. De um lado a estrutura física da escola é razoável e também o fato da escola ficar em frente a uma bela praça arborizada - na minha opinião isso poderia ser uma diretriz excelente para todas as escolas brasileiras.

Em quarenta episódios a série apresenta os três anos na formação do ensino médio de jovens espanhóis, em Barcelona, em uma escola pública de ensino médio. A série nos permite estabelecer claramente uma leitura da experiência formativa dos alunos e alunas, as contradições e conflitos geracionais entre alunos e pais, os conflitos e desafios pedagógicos inerentes ao espaço escolar e também consolida - ao meu ver - um paradigma educativo que é fundado no conhecimento dos alunos e alunas por parte dos professores.

Um outro aspecto muito importante e bem trabalhado na série é a questão da educação afetiva e sexual dos adolescentes com exemplos muito bem trabalhados sobre este tema, seja no universo dos jovens, seja no universo dos adultos, pais e professores. Ao mesmo tempo, a série nos permite ter uma visão da educação como uma atividade e uma prática de cuidado e de proteção, apoio, amparo e compreensão dos jovens. As experiências em três anos mudam a compreensão dos jovens e promovem o seu amadurecimento, melhorando suas relações sociais e afetivas. As questões de sexualidade e gênero tem papel fundamental também ao longo de toda a trama.

No que respeita aos conteúdos filosóficos ministrados pelo professor Merli é preciso destacar a inclusão de autores mais contemporâneos a uma série de autores considerados mais clássicos. O tratamento resumido dos autores é exemplar e auxilia muito aos professores e professoras da disciplina a repensarem ou trabalharem estes autores e os temas elegidos em cada um deles. Creio que a principal lição pedagógica da série se expressa no seguinte: é possível lecionar filosofia no ensino médio desde que se estabeleça uma relação entre os temas dos autores e as questões existenciais atuais suscitadas pelas vivências dos alunos, alunas, professores e professoras. Em meio a isso tudo destaco quatro ou cinco temas que me parecem centrais na série toda: a sinceridade, o segredo, a surpresa, a mentira e a verdade. E isso no que toca a questões de adultos e de jovens.

Por fim, a minha impressão pessoal é que a série valoriza de forma muito adequada um método dialético e libertário de ensino de filosofia, quer dizer, o uso do diálogo, da interrogação e da provocação sistemática e ousada da leitura, reflexão e expressão dos alunos e alunas em relação a si mesmos e ao mundo, dissolvendo preconceitos e confrontando as tendências a mera reprodução de conteúdos, convenções e tradições.

Daniel Adams Boeira - Professor de filosofia licenciado na UFRGS em 1993 e que exerce o magistério em escola estadual desde 1998,  atualmente na Escola  Estadual Olindo Flores da Silva, em São Leopoldo, Rio Grande do Sul.

Dirigismo Cultural: Queer Museum e a reação a estética autoritária.


Dirigismo Cultural: Queer Museum e a reação a estética autoritária.

A pretensão de dizer o que deve ser criado, exposto e usufruído é a expressão máxima do dirigismo cultural. Se segue a ela também a determinação de como você deve ou pode viver. Você só pode gostar disso. Você só pode viver assim. Você deve morrer assim. O sacrifício vale a pena. Todos os sinais estão dados.

É muito mais conveniente para o sistema rebaixado e planificado pelo império da burrice, impor uma estética, tal qual um sistema completo de determinações.  Pelo achatamento estético da sociedade e da arte, passa o trem e suas malas carregadas de ódio e raiva. A energia a necessária para o grande sacrifício.

Na Alemanha onde houve talvez um dos maiores laboratórios disso o mau gosto era impuro, degenerado, contra uma tal estética Ariana. Era uma estética clássica mas sem o caráter dionisíaco e livre ou agônico. Por isso, que foi tão fácil sacrificar a metade do povo alemão em duas guerras. Na primeira pela ambição imperial da nação que quer ter supremacia política e econômica na Europa. Um gesto de coragem de um povo e de heroísmo de seus jovens. Depois a raça pura se vinga daqueles que a exploram, com a máxima violência do que segue o sacrifício de milhões de judeus e outros povos. Na Rússia socialista, o realismo impõe a máxima impessoalidade também. Depois, só o grande pai Stalin, a personificação da nação. Por isso, o sacrifício de milhões também foi possível. Tanto na implantação e primeira década de consolidação do regime, depois na perseguição aos traidores internos, por fim, na própria segunda guerra cujo sacrifício dos russos é absolutamente imbatível em números e em consequências. Veja que o gosto dirigido ou bem dirigido permite grandes milagres que vão da estética à demografia. Não vou falar aqui de outros exemplos. Na própria América, a estética foi absorvida pelos esforços de guerra. Na Inglaterra e mesmo na França a resistência aos invasores forjou uma estética ou contra estética de sobrevivência. No Brasil da ditadura militar quase toda a MPB afinou o samba em uma estética de sobrevivência para escapar ao dirigismo cultural da censura.

O que o MBL tenta fazer hoje é justamente isto: tentar impor um metro, uma medida e determinar os limites da arte aceitável e tolerável. Não se trata somente de uma conduta de censura.

 Com a militância gaúcha mais conservadora desse movimento surgiu a fração mais reacionária e moralista do MBL. A contradição é tão grande com as frações de SP - e coloque o PSDB "de fé" por traz disso, que talvez a melhor cura seja trazer a musa nua e verde amarela para o sul e fazer ela militar nesse meio por liberdade sexual e orgiástica no movimento. Aqui no sul o MBL caminha então para a sublime purificação da carne, provavelmente num esforço desesperado de encontrar santidade por traz do seu venal pecado golpista. É fácil de entender ou ensaiar uma explicação do fenômeno aqui no Santander: eles estão desesperadamente em busca da pureza estética.

Compatibilizar isso com Alexandre Frota, Dória e sua faxina estética nos grafittis paulistas, Marquezan e seu apaixonado secretário de cultura, que encontrou o novo Caetano na política, são expressões do mesmo dirigismo cultural. Se vingar esse esforço de dissimulação e purificação, só precisamos aguardar os sacrifícios. Como diz a voz da experiência: isso ocorre assim desde que o mundo é mundo. O dirgismo cultural ou o cânone moral fazem um esforço de planificação é achatamento justamente para levar a padronização, a supressão do diverso, do rebelde - do livre? - para permitir a justa e firme direção ao grande sacrifício de purificação e salvação. Não é preciso voltar à idade média ou à Grécia e Roma antigas para saber no que vai dar.

Nietzsche tinha razão na sua grande intuição dialética entre o apolíneo e o dionisíaco. Quanto maior o esforço numa direção, maior o saldo na conta da direção oposta. Ou seja, a sociedade super livre, moral, organizada, limpinha, esconde em seu bojo a realização do maior caos e sacrifício. A beleza de Apolo, solar e celestial é intocável, já o Dionisíaco e seu instinto carnal pode ser destruído. O dirigismo cultural do MBL é uma façanha histórica, pois  ensaia, na estética, aquilo que busca no social: a aniquilação do real, do carnal e da expressão do diverso. Só podemos agradecer a iniciativa de acelerar com seu gesto extremado a reação contrária que precisa ser cada vez mais forte, porque é vital para a sobrevivência da liberdade real de criar, expressar, viver e pensar. O MBL tem, portanto, uma contribuição a dar ao Brasil com essa contradição entre o que chama de liberdade e aquilo que esconde em sua limitação conceitual e estreiteza essencial, onde é apenas um movimento que se quer "livre de alguma coisa", como aliás o nazismo se queria livre dos judeus e de mais alguém, ao ponto de querer e acabar sendo livre do próprio povo. É genial o efeito manada que encontramos ao prosseguir nessa análise, porque podemos perguntar todos aqui agora: o sacrifício vai chegar de que forma e quando?

Pois aviso que já chegou. Você que não está percebendo ou te tocando.  Olhe para os teus direitos, sendo dilapidados e destruídos com  a ironias e metáforas insuperáveis - do que a propaganda do "não importa como você chegou até aqui" do Santander é talvez  símbolo mais insuperável do grupo golpismo curativo e libertário, da agenda golpista inteira, olhe nas reformas trabalhista e previdenciária, olhe para os milhões do Geddel e os milhões do Temer,   olhe bem as riquezas nacionais que sofrem mais uma vez a sanha do entreguismo, olhe para os educadores em greve, olhe para as políticas sociais exterminadas, para a democracia vilipendiada, para os abusos e arbitrariedades na justiça, olhe para a fome, a miséria e a desorganização material e espiritual da vida das pessoas. O dirgismo cultural é apenas a contrapartida estética do golpismo, assim como a reforma educacional do novo ensino médio, é apenas a realização na escola sem partido ou do partido único de um projeto de purificação e da supressão da diversidade. O dirigismo cultural não é sintoma, mas justamente o modelo adotado para achatar e preparar a plebe rude e pseudo ilustrada, para o grande sacrifício. A ponte para o futuro nos leva a todos para o abismo. Será que precisamos de mais avisos ainda? Me parece também, para lembrar como está caminhando o santo e seu andor, que precisamos mais uma vez de uma estética articulada e diversa de sobrevivência. E é bom que se aproveite os vãos de liberdade que ainda sobrevivem para fazer uma nova guerrilha cultural e impedir a consolidação desse novo dirigismo cultural. Aqui nosso impulso estético é vital.

P.S.: Texto publicado no ano passado por ocasião  da censura ao Queer Museum pelo MBL e que foi aceita pela direção do Santander Cultural de Porto Alegre.

AMIZADES E QUALIDADES - REVISTO


AMIZADES E QUALIDADES

Quando a gente começa a se interessar por uma pessoa, seja qual for o interesse, a gente passa a prestar atenção nela. Observar e avaliar com cuidado seus gestos, palavras, comportamento e modos. Se começam a descobrir os valores e princípios dela. Ao que conduz a sua ação. É um processo bem consciente no meu caso. Não sei quanto a outros, mas comigo isso é um processo em que aprendo muito também sobre a minha percepção das pessoas. Quando a pessoa demonstra uma qualidade, seja ela qual for começamos a registrar e ir confirmando se essa qualidade é solitária ou isolada. Observamos também se essa qualidade ou virtude se mantém, em diversas circunstâncias. Se passa a ver se não há outra qualidade associada a ela. Cria-se até uma certa expectativa em relação a isso e, assim, se passa a ter uma ideia do caráter e da alma da pessoa. É como se olhássemos para dentro dela e percebemos sua estrutura moral e de valores. Com o tempo, essa pessoa pode demonstrar falhas, erros ou até mesmo vícios, manias e coisas ruins com o que não concordamos ou não aceitamos, mas quando gostamos dela isso fica um pouco ao largo e não traz prejuízos grandes a imagem positiva que temos dela. Porém, nesse momento a avaliação se prepara para subir de nível. Você começa a usar mais boa vontade e paciência, começa-se a compreender mais do que julgar. Isso explica porque mantemos certas pessoas nas nossas vidas, porque apesar dos pesares, elas ganham mais valores e qualidades na nossa tabelinha de julgamentos. Nossa sensibilidade passa a aguardar o próximo gesto. Ponderamos, então, as suas qualidades e apostamos em que essas qualidades vencerão as demais notas características e triunfarão sobre elas. É nesse momento exato que começamos a ajudar essa pessoa mais do que antes. Quando isso acontece, ela também começa a perceber esse processo ao seu modo e, assim, ambos se ajudam. Raramente falamos sobre isso. Mas é assim que acontece e é assim que as pessoas encontram no outro a possibilidade de mudar e evoluir. Isso gera um relacionamento de amizade e afeto mais durador. Quando isso acontece é maravilhoso. Eu só posso agradecer por receber esse tipo de atenção e tenho muito prazer em dar atenção dessa natureza a alguém. A gente começa a aprender com as qualidades do outro e ajuda até a aperfeiçoar elas. E assim seguimos.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

BANALIZAÇÃO DE PARADIGMAS: MACLUHAM, GOEBBELS, HITLER & BOLSONARO - Para o Gabriel Dos Santos


Enquanto a roda da história ainda está girando e podemos dizer alguma coisa antes do fim definitivo de nossa liberdade e da democracia brasileira.




Recebi um questionamento ou pedido de auxílio e orientação de um ex-aluno sobre dois temas de Marshall MacLuhan. Os dois temas não me eram muito distantes, mas fui rever isso. Trata-se do que ele apresenta como distinção entre meios quentes e meios frios de comunicação e também o que é paradigma midiológico ou tecnológico?

Confessei de saída que não tinha domínio do autor. Em seguida me dispus a dar uma “olhadinha”. Fazendo isso me defrontei com dois temas que estão relacionados diretamente a um tema que já me desafia em reflexões sobre o que ocorre na cultura e nas sociedades que vivem fenômenos regressivos de volta a sistemas mais autoritários e menos democráticos e o abandono de uma perspectiva emancipatória ou progressista.

A única pista que encontrei sobre isso em minhas especulações – que merece verificação ou demonstração, refutação ou correção dos historiadores e dos especialistas, é basicamente certa coincidência nos períodos históricos desses processos: em quase todos que observei há uma espécie de avanço dos meios de comunicação ou de circulação de informação e de conhecimento que causa certo atrito entre as visões tradicionais e as visões mais elaboradas ou reflexivas e no mais das vezes as visões tradicionais ganham num primeiro momento por simplificação e as forças progressistas resistem – com diversos tipos de vítimas, entre elas a verdade e a justiça entre os homens e mulheres – para mais adiante conquistarem algum terreno, após uma árdua disputa de valores e de concepções de vida e de sociedade. Abaixo meu debate que deixo como contribuição especulativa e prospectiva talvez de alguma saída progressista ao impasse que vivemos com fascistas, golpistas, usurpadores, manipuladores e interesseiros inescrupulosos que fazem pouco caso da democracia ou em relação a vida dos cidadãos comuns, ainda que apelem justamente ao sentimento de insegurança dos cidadãos comuns e “banais” para triunfarem.

A segunda questão do paradigma midiológico é simples para mim. Envolve apenas a ideia de que uma nova tecnologia de comunicação traz consigo um novo paradigma dominante. Observo que o conceito de paradigma foi utilizado de forma muito importante em filosofia da ciência por Thomas Kuhn nos anos 60 para marcar as mudanças de concepção e visão do mundo que ocorrem quando as ciências mudam, após uma árdua batalha entre paradigmas concorrentes para explicar os seus fenômenos. Após, um período em que a ciência normal e a ciência revolucionária concorrem disputando entre elas seguidores ou após o desaparecimento dos defensores da ciência normal, ocorre um período de transição e a mudança.

O termo paradigma tem sido usado e disseminado largamente na academia e já está de certa forma popularizado e banalizado também. Mas veremos adiante que esse é uma espécie de risco de teorias novas ou de novos conceitos tendem a ser apropriados, simplificados e mesmo que suas definições sejam muito claras – o que no caso de Kuhn é controverso por muitas outras razões internas ao tema de filosofia da ciência – ocorre com ele um empobrecimento e achatamento. Pode se dizer que as teorias de Darwin, Comte, Marx, Freud, Nietzsche, Foucault e muitos outros e outras autoras sofrem o mesmo processo.

Assim, apesar de achar essa questão do paradigma mais importante do ponto de vista histórico, cabe aqui uma aplicação mais ampla ao meu ver. Você pode compreender muitos processos do tipo de uma revolução industrial ou tecnológica e também tentar analisas as suas consequências sociais, políticas e culturais a partir disso. Em se tratando de formas e novas formas de produção, disseminação, distribuição e deturpação de conhecimento, comunicação, informação e formação de opinião veremos o tamanho da minha especulação e seu alcance no tempo atual.

Aliás, tenho pensado muito que a cada avanço nas comunicações, desde Gutemberg ocorrem dois processos combinados. De um lado, o acesso a mais informação e conhecimento e, de outro lado, uma espécie de rebaixamento e simplificação do conhecimento e da informação que marca os conflitos de opiniões e, também, algo como uma regressão cultural ou um retrocesso civilizatório que nos coloca de novo frente aos abismos da barbárie e das guerras de extermínio. Os exemplos desses meios novos: literatura, jornal, novelas, revistas, rádio, televisão, internet, telefonia, não exatamente nessa ordem. Após um momento ideológico de instabilidade e dos seus riscos regressivos, tipo fascismo na América, na Europa e no mundo, mas quem quiser pode dar uma olhadinha nas revoluções modernas, no século XIX e todo o século XX, como lhes aprouver, vejo que ocorre um reequilíbrio e um avanço de forças progressistas.

Se minha tese está correta, o que ele chama de meio quente não existe mais porque, por maior que seja a definição da mensagem sempre vai haver participação e distorção ou interpretação o que vai diversificar o sentido e rebaixar a qualidade do conteúdo por simplificação e banalização.

Tem um fenômeno, assim me parece, semelhante em economia no que eles chamam de taxa de confiança que envolve a formação das expectativas nos agentes econômicos e sociais e a disseminação de uma certa interpretação após concorrência dos fenômenos econômicos que chegam simplificados aos consumidores. As ondas de consumo de determinados produtos e o marketing por traz disso, faz uso desse mesmo mecanismo. Simplificação e confecção de um atrativo ou embalagem ao produto ou mensagem.

Para mim, usando a terminologia de MaCLuhan, com certa distorção deliberada e intencional, esse processo deveria ser considerado hot ou dançante enquanto o outro seria mais passivo e contemplativo. Ao contrário do que ele mesmo propugnava. Quanto maior a definição, mais quente o processo. Não sei se me entendem ou se me faço compreender. Quero dizer que o que torna uma comunicação mais conflitiva e poderosa e o que gera um maior engajamento é justamente a sua alta definição e seu alto poder de disseminação. Então, quanto maior a disseminação e definição maior a influência e a participação dos expectadores na defesa de suas ideias. Essa seria a base da manipulação de massas e dos efeitos manadas que temos assistido no Brasil promovidos por forte direcionamento de retos na mídia dominante e nos setores dominantes e elitistas contra alternativas progressistas e mais populares.

Estou, com todo risco inerente a isso aqui, cruzando áreas bem grandes de conhecimento aqui. Mas é uma reflexão especulativa que pretende apenas provocar.

Quando Macluhan fala em menos informações, nos meios frios, em outras palavras, ele parece esquecer que essa simplificação dissemina standards de interpretação, chavões e simplificações que tendem a ser mais conflitivas porque jogam fora o que já existe de qualitativo no tema.

Meu exemplo objetivo é Bolsonaro que está conseguindo doutrinar um bando de preguiçosos mentais, com muita anti intelectualidade e criando uma horda quente de opinião em torno de si com algumas poucas ideias simples e absurdamente estúpidas que jamais teriam vez se não fosse esse ciclo de imbecilização e banalização do conhecimento e da informação que vivemos, com impactos elevados em setores antes imunizados a isso, como o judiciário, os cursos de direito, economia e outras carreiras de novel superior. É quase a mesma coisa que Hitler e Goebbels fizeram na Alemanha. Lá também empresários, intelectuais, quadros superiores de estado e um populacho caminharam para o sacrifício de seus concidadãos judeus e de si mesmos em duas guerras.

Curiosamente ele faz isso acompanhando um ciclo de disseminação da comunicação via celular, smartphones, redes sociais e quetais. Na mesma onda do Donald Trump.

Bem, chega, vou voltar ao meu soninho filosófico.
Boa noite!

domingo, 2 de setembro de 2018

SIMONE DE BEAUVOIR – MEMÓRIAS


Por que eu gosto de Simone de Beauvoir? – Uma provocação bem recebida a que vou tentar responder aqui dando um passo à frente.

Você quer saber mesmo? – Preciso perguntar isso para tentar compreender se esta provocação tem importância e relevância real e efetiva para você.

Pois bem, eu gosto muito de ler os textos autobiográficos dela. Mas também comecei a gostar dos seus romances. É interessante que não estou falando aqui de seus ensaios ou do clássico feminista dela, O Segundo Sexo, mas é assim que tem sido comigo. Ela é uma boa memorialista e para a história do existencialismo ou do grupo que circulou em torno de Sartre, ela é uma excelente fonte. Gosto da precisão e do modo como ela narra tanto os episódios de sua vida, quanto as suas descrições do comportamento dos seus contemporâneos. Ela poderia ser caracterizada como piedosa nessas descrições dos demais e impiedosa em relação a si mesmo. O metro que ela usa para si mesmo é diferente do metro para com os demais.

Não sou especialista em literatura, mas por causa dela e de Virginia Woolf tenho dado muito mais atenção às escritoras do século XX. Creio que o estilo literário dominante nos seus textos autobiográficos, quanto em seus romances que misturam muito o elemento da ficção com elementos biográficos, ultrapassa a fronteira da moral tradicional ou convencional. Às vezes a ficção fica melhor e em outras vezes as biografias são melhores. Estou lendo, já faz algum tempo, com vagar e reflexão, o texto dela que me dá o repto dessa resposta, A Força das Coisas, me faz ter todas essas notas aqui. Nessa obra, ela mesma faz a crítica de suas ficções e conta algo mais sobre suas ambivalências em relação às suas obras, tanto as peças de teatro quanto aos seus romances, e gostei muito do que ela faz. Uma característica que fica ressaltada nela é que escreve suas obras meio que como uma resposta ao seu tempo, uma resposta às ideias e obras de outros e ela mesma relativiza e faz a crítica de suas próprias obras. O que eu gostei foi da lucidez e da clareza com que ela explícita suas razões e ideias que nem sempre parecem ficar claras em suas ficções. Semana passada quando li uma certa crítica  ao Murakami também fiquei pensando nisso. A diferença está entre saber ou vislumbrar as intenções dos autores ou buscar traços de gênio e de alta inspiração. Porém esse estilo corre o risco de parecer raso e uma narrativa mais trivial. É isso que talvez aborreça alguns críticos, a semelhança dela ao estilo memorialista.

O ponto favorável, porém, parece ser bem esse: ter certo grau de informação sobre contexto de produção literária e compreensão das intenções da autora. Simone é uma testemunha altamente reflexiva da história e dos fatos do seu tempo. Mas confesso minha insuficiência para avançar muito nesse debate. Em parte, porque não li toda sua obra e de outra parte porque também não li e não tenho domínio do contexto todo e das obras e personagens que são suas contemporâneas e às quais ela faz referências constantes. Nesse sentido, a leitura dela poderia parecer algo para os especialistas no período e nas escolas literárias do entre guerras e pós guerra na França. Fico imaginando o que resta para nós no Brasil que possuímos temos uma boa tradição memorialista – ao meu ver – mas temos raros escritores que tentam fazer este esforço de relacionar a filosofia, a literatura e as autobiografias de seu tempo. Nesse sentido, sinto certo prazer com Simone, pois ela me dá aquilo que eu não conseguiria juntar sozinho de seu tempo, obras e autores.

Eu gosto dela, portanto, por diversos motivos bem curiosos. Gosto das ideias dela e da forma como ela as apresenta com uma certa clareza e finesse, mas sempre indo direto no ponto. Eu não diria que ela é menos filósofa que Sartre, nem menos importante. da mesma forma que quando leio Hannah Arendt, não vejo nela um filósofa menor que Heidegger, ainda que para mim Heidegger seja um verdadeiro gigante ou, como diz Paulo Faria, Heidegger “parece o cara que leu tudo”. No caso dela, porém, podemos estar enganados em muitos sentidos, mas isso não ocorre justamente porque ela é menor, mas sim devido a sua grandeza e excepcionalidade   - com todos os riscos que toda forma de grandeza acarreta. Entre estes riscos, o fato de que aumentam as possibilidades de interpretação, deformação e incompreensão. Penso também nesta condição feminina na filosofia: o fato de que as filósofas tem essa extrema ocultação de suas obras por, aparentemente, tratarem de questões laterais ou de fronteira na filosofia. Uma coisa que parece colocar sempre a mulher ou o feminino na lateral dos combates. Não sei se uma figura ou metáfora cai bem aqui. Penso que não. mas me vem a calhar uma certa semelhança com o que ocorre com a guerra, a meia guerra só é vivida nas laterais da história. A verdadeira guerra ocorre dentro de nós mesmos, em especial daqueles que não estão nas cadeiras do estado maior contemplando o teatro de operações. E a consciência disso às vezes nos suaviza e às vezes nos enfurece. Nenhuma filosofia sobrevive ao engano ou ao sonho. No entanto o pensamento de Simone me parece vivo, presente, ativo, bem acordado por assim dizer.

Posso estar enganado, mas creio que deveríamos olhar com mais atenção para estes fenômenos das mulheres na filosofia do século XX. Na maior latitude possível. O que inclui aqui Rosa de Luxemburgo, Simone Weil, Susan Sontag e também algumas que ficam nas áreas de fronteira entre a literatura e a filosofia, a história, a antropologia e mesmo em ciências exatas e biológicas.

Afinal, são sim obras do pensamento de um tempo, reúnem testemunhos, ideias e também novas formas e concepções de se encarar a vida. Algumas hoje podem parecer triviais, mas no seu tempo não o foram. Simone de Beauvoir foi capaz de narrar com lucidez as suas vivências e o seu tempo e percebe-se nela claramente a relação entre o curso do pensamento e o curso da vida.



Obs.: Na imagem, a obra de Simone de Beauvoir, A Força das Coisas, primeiro volume com o marcador de página que recebi de lembrança direto da China de minha amiga APS.