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segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Dirigismo Cultural: Queer Museum e a reação a estética autoritária.


Dirigismo Cultural: Queer Museum e a reação a estética autoritária.

A pretensão de dizer o que deve ser criado, exposto e usufruído é a expressão máxima do dirigismo cultural. Se segue a ela também a determinação de como você deve ou pode viver. Você só pode gostar disso. Você só pode viver assim. Você deve morrer assim. O sacrifício vale a pena. Todos os sinais estão dados.

É muito mais conveniente para o sistema rebaixado e planificado pelo império da burrice, impor uma estética, tal qual um sistema completo de determinações.  Pelo achatamento estético da sociedade e da arte, passa o trem e suas malas carregadas de ódio e raiva. A energia a necessária para o grande sacrifício.

Na Alemanha onde houve talvez um dos maiores laboratórios disso o mau gosto era impuro, degenerado, contra uma tal estética Ariana. Era uma estética clássica mas sem o caráter dionisíaco e livre ou agônico. Por isso, que foi tão fácil sacrificar a metade do povo alemão em duas guerras. Na primeira pela ambição imperial da nação que quer ter supremacia política e econômica na Europa. Um gesto de coragem de um povo e de heroísmo de seus jovens. Depois a raça pura se vinga daqueles que a exploram, com a máxima violência do que segue o sacrifício de milhões de judeus e outros povos. Na Rússia socialista, o realismo impõe a máxima impessoalidade também. Depois, só o grande pai Stalin, a personificação da nação. Por isso, o sacrifício de milhões também foi possível. Tanto na implantação e primeira década de consolidação do regime, depois na perseguição aos traidores internos, por fim, na própria segunda guerra cujo sacrifício dos russos é absolutamente imbatível em números e em consequências. Veja que o gosto dirigido ou bem dirigido permite grandes milagres que vão da estética à demografia. Não vou falar aqui de outros exemplos. Na própria América, a estética foi absorvida pelos esforços de guerra. Na Inglaterra e mesmo na França a resistência aos invasores forjou uma estética ou contra estética de sobrevivência. No Brasil da ditadura militar quase toda a MPB afinou o samba em uma estética de sobrevivência para escapar ao dirigismo cultural da censura.

O que o MBL tenta fazer hoje é justamente isto: tentar impor um metro, uma medida e determinar os limites da arte aceitável e tolerável. Não se trata somente de uma conduta de censura.

 Com a militância gaúcha mais conservadora desse movimento surgiu a fração mais reacionária e moralista do MBL. A contradição é tão grande com as frações de SP - e coloque o PSDB "de fé" por traz disso, que talvez a melhor cura seja trazer a musa nua e verde amarela para o sul e fazer ela militar nesse meio por liberdade sexual e orgiástica no movimento. Aqui no sul o MBL caminha então para a sublime purificação da carne, provavelmente num esforço desesperado de encontrar santidade por traz do seu venal pecado golpista. É fácil de entender ou ensaiar uma explicação do fenômeno aqui no Santander: eles estão desesperadamente em busca da pureza estética.

Compatibilizar isso com Alexandre Frota, Dória e sua faxina estética nos grafittis paulistas, Marquezan e seu apaixonado secretário de cultura, que encontrou o novo Caetano na política, são expressões do mesmo dirigismo cultural. Se vingar esse esforço de dissimulação e purificação, só precisamos aguardar os sacrifícios. Como diz a voz da experiência: isso ocorre assim desde que o mundo é mundo. O dirgismo cultural ou o cânone moral fazem um esforço de planificação é achatamento justamente para levar a padronização, a supressão do diverso, do rebelde - do livre? - para permitir a justa e firme direção ao grande sacrifício de purificação e salvação. Não é preciso voltar à idade média ou à Grécia e Roma antigas para saber no que vai dar.

Nietzsche tinha razão na sua grande intuição dialética entre o apolíneo e o dionisíaco. Quanto maior o esforço numa direção, maior o saldo na conta da direção oposta. Ou seja, a sociedade super livre, moral, organizada, limpinha, esconde em seu bojo a realização do maior caos e sacrifício. A beleza de Apolo, solar e celestial é intocável, já o Dionisíaco e seu instinto carnal pode ser destruído. O dirigismo cultural do MBL é uma façanha histórica, pois  ensaia, na estética, aquilo que busca no social: a aniquilação do real, do carnal e da expressão do diverso. Só podemos agradecer a iniciativa de acelerar com seu gesto extremado a reação contrária que precisa ser cada vez mais forte, porque é vital para a sobrevivência da liberdade real de criar, expressar, viver e pensar. O MBL tem, portanto, uma contribuição a dar ao Brasil com essa contradição entre o que chama de liberdade e aquilo que esconde em sua limitação conceitual e estreiteza essencial, onde é apenas um movimento que se quer "livre de alguma coisa", como aliás o nazismo se queria livre dos judeus e de mais alguém, ao ponto de querer e acabar sendo livre do próprio povo. É genial o efeito manada que encontramos ao prosseguir nessa análise, porque podemos perguntar todos aqui agora: o sacrifício vai chegar de que forma e quando?

Pois aviso que já chegou. Você que não está percebendo ou te tocando.  Olhe para os teus direitos, sendo dilapidados e destruídos com  a ironias e metáforas insuperáveis - do que a propaganda do "não importa como você chegou até aqui" do Santander é talvez  símbolo mais insuperável do grupo golpismo curativo e libertário, da agenda golpista inteira, olhe nas reformas trabalhista e previdenciária, olhe para os milhões do Geddel e os milhões do Temer,   olhe bem as riquezas nacionais que sofrem mais uma vez a sanha do entreguismo, olhe para os educadores em greve, olhe para as políticas sociais exterminadas, para a democracia vilipendiada, para os abusos e arbitrariedades na justiça, olhe para a fome, a miséria e a desorganização material e espiritual da vida das pessoas. O dirgismo cultural é apenas a contrapartida estética do golpismo, assim como a reforma educacional do novo ensino médio, é apenas a realização na escola sem partido ou do partido único de um projeto de purificação e da supressão da diversidade. O dirigismo cultural não é sintoma, mas justamente o modelo adotado para achatar e preparar a plebe rude e pseudo ilustrada, para o grande sacrifício. A ponte para o futuro nos leva a todos para o abismo. Será que precisamos de mais avisos ainda? Me parece também, para lembrar como está caminhando o santo e seu andor, que precisamos mais uma vez de uma estética articulada e diversa de sobrevivência. E é bom que se aproveite os vãos de liberdade que ainda sobrevivem para fazer uma nova guerrilha cultural e impedir a consolidação desse novo dirigismo cultural. Aqui nosso impulso estético é vital.

P.S.: Texto publicado no ano passado por ocasião  da censura ao Queer Museum pelo MBL e que foi aceita pela direção do Santander Cultural de Porto Alegre.

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