Dirigismo Cultural: Queer Museum
e a reação a estética autoritária.
A pretensão de dizer o que deve
ser criado, exposto e usufruído é a expressão máxima do dirigismo cultural. Se
segue a ela também a determinação de como você deve ou pode viver. Você só pode
gostar disso. Você só pode viver assim. Você deve morrer assim. O sacrifício
vale a pena. Todos os sinais estão dados.
É muito mais conveniente para o
sistema rebaixado e planificado pelo império da burrice, impor uma estética,
tal qual um sistema completo de determinações.
Pelo achatamento estético da sociedade e da arte, passa o trem e suas
malas carregadas de ódio e raiva. A energia a necessária para o grande
sacrifício.
Na Alemanha onde houve talvez um
dos maiores laboratórios disso o mau gosto era impuro, degenerado, contra uma
tal estética Ariana. Era uma estética clássica mas sem o caráter dionisíaco e
livre ou agônico. Por isso, que foi tão fácil sacrificar a metade do povo
alemão em duas guerras. Na primeira pela ambição imperial da nação que quer ter
supremacia política e econômica na Europa. Um gesto de coragem de um povo e de
heroísmo de seus jovens. Depois a raça pura se vinga daqueles que a exploram,
com a máxima violência do que segue o sacrifício de milhões de judeus e outros
povos. Na Rússia socialista, o realismo impõe a máxima impessoalidade também.
Depois, só o grande pai Stalin, a personificação da nação. Por isso, o
sacrifício de milhões também foi possível. Tanto na implantação e primeira
década de consolidação do regime, depois na perseguição aos traidores internos,
por fim, na própria segunda guerra cujo sacrifício dos russos é absolutamente
imbatível em números e em consequências. Veja que o gosto dirigido ou bem
dirigido permite grandes milagres que vão da estética à demografia. Não vou
falar aqui de outros exemplos. Na própria América, a estética foi absorvida
pelos esforços de guerra. Na Inglaterra e mesmo na França a resistência aos
invasores forjou uma estética ou contra estética de sobrevivência. No Brasil da
ditadura militar quase toda a MPB afinou o samba em uma estética de
sobrevivência para escapar ao dirigismo cultural da censura.
O que o MBL tenta fazer hoje é
justamente isto: tentar impor um metro, uma medida e determinar os limites da
arte aceitável e tolerável. Não se trata somente de uma conduta de censura.
Com a militância gaúcha mais conservadora
desse movimento surgiu a fração mais reacionária e moralista do MBL. A
contradição é tão grande com as frações de SP - e coloque o PSDB "de
fé" por traz disso, que talvez a melhor cura seja trazer a musa nua e
verde amarela para o sul e fazer ela militar nesse meio por liberdade sexual e
orgiástica no movimento. Aqui no sul o MBL caminha então para a sublime
purificação da carne, provavelmente num esforço desesperado de encontrar
santidade por traz do seu venal pecado golpista. É fácil de entender ou ensaiar
uma explicação do fenômeno aqui no Santander: eles estão desesperadamente em
busca da pureza estética.
Compatibilizar isso com Alexandre
Frota, Dória e sua faxina estética nos grafittis paulistas, Marquezan e seu
apaixonado secretário de cultura, que encontrou o novo Caetano na política, são
expressões do mesmo dirigismo cultural. Se vingar esse esforço de dissimulação
e purificação, só precisamos aguardar os sacrifícios. Como diz a voz da
experiência: isso ocorre assim desde que o mundo é mundo. O dirgismo cultural
ou o cânone moral fazem um esforço de planificação é achatamento justamente
para levar a padronização, a supressão do diverso, do rebelde - do livre? -
para permitir a justa e firme direção ao grande sacrifício de purificação e
salvação. Não é preciso voltar à idade média ou à Grécia e Roma antigas para
saber no que vai dar.
Nietzsche tinha razão na sua
grande intuição dialética entre o apolíneo e o dionisíaco. Quanto maior o
esforço numa direção, maior o saldo na conta da direção oposta. Ou seja, a
sociedade super livre, moral, organizada, limpinha, esconde em seu bojo a
realização do maior caos e sacrifício. A beleza de Apolo, solar e celestial é
intocável, já o Dionisíaco e seu instinto carnal pode ser destruído. O
dirigismo cultural do MBL é uma façanha histórica, pois ensaia, na estética, aquilo que busca no
social: a aniquilação do real, do carnal e da expressão do diverso. Só podemos
agradecer a iniciativa de acelerar com seu gesto extremado a reação contrária
que precisa ser cada vez mais forte, porque é vital para a sobrevivência da
liberdade real de criar, expressar, viver e pensar. O MBL tem, portanto, uma
contribuição a dar ao Brasil com essa contradição entre o que chama de
liberdade e aquilo que esconde em sua limitação conceitual e estreiteza
essencial, onde é apenas um movimento que se quer "livre de alguma
coisa", como aliás o nazismo se queria livre dos judeus e de mais alguém, ao
ponto de querer e acabar sendo livre do próprio povo. É genial o efeito manada
que encontramos ao prosseguir nessa análise, porque podemos perguntar todos
aqui agora: o sacrifício vai chegar de que forma e quando?
Pois aviso que já chegou. Você
que não está percebendo ou te tocando.
Olhe para os teus direitos, sendo dilapidados e destruídos com a ironias e metáforas insuperáveis - do que a
propaganda do "não importa como você chegou até aqui" do Santander é
talvez símbolo mais insuperável do grupo
golpismo curativo e libertário, da agenda golpista inteira, olhe nas reformas
trabalhista e previdenciária, olhe para os milhões do Geddel e os milhões do
Temer, olhe bem as riquezas nacionais
que sofrem mais uma vez a sanha do entreguismo, olhe para os educadores em
greve, olhe para as políticas sociais exterminadas, para a democracia
vilipendiada, para os abusos e arbitrariedades na justiça, olhe para a fome, a
miséria e a desorganização material e espiritual da vida das pessoas. O
dirgismo cultural é apenas a contrapartida estética do golpismo, assim como a
reforma educacional do novo ensino médio, é apenas a realização na escola sem
partido ou do partido único de um projeto de purificação e da supressão da
diversidade. O dirigismo cultural não é sintoma, mas justamente o modelo
adotado para achatar e preparar a plebe rude e pseudo ilustrada, para o grande
sacrifício. A ponte para o futuro nos leva a todos para o abismo. Será que
precisamos de mais avisos ainda? Me parece também, para lembrar como está caminhando
o santo e seu andor, que precisamos mais uma vez de uma estética articulada e
diversa de sobrevivência. E é bom que se aproveite os vãos de liberdade que
ainda sobrevivem para fazer uma nova guerrilha cultural e impedir a
consolidação desse novo dirigismo cultural. Aqui nosso impulso estético é
vital.
P.S.: Texto publicado no ano
passado por ocasião da censura ao Queer
Museum pelo MBL e que foi aceita pela direção do Santander Cultural de Porto
Alegre.
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