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sábado, 25 de julho de 2009

Democracia e Educação

Na minha saudação me senti muito feliz porque ainda que pesem muito as dificuldades que a gente passa na nossa luta, pelo menos a gente sabe que não está sozinho.

Afirmei que conhecia o Professor Euclides Redin não de palestras, aulas ou artigos publicados, mas sim das nossas diversas caminhadas aqui em São Leopoldo e em Porto Alegre, em que muitos de nós anônimos e estamos lá simplesmente ajudando na luta dos educadores e dos movimentos sociais.

Lembrei que em 2004, no período da transição para o novo governo de São Leopoldo, participamos de reunião sobre a educação infantil no município,de São Leopoldo. Aliás ele fez menção ao fato de que em SL conseguimos atender 50% da demanda de carência na educação infantil. Devo lembrar que o atendimento era de apenas 10% até 2004.

Fui infeliz em fazer menção aos meus colegas que participam muito pouco das jornadas de luta. Aqueles colegas que não acham legal ir em caminhadas ou passeatas que priorizam outras coisas e que muito poucos participaram de todas as jornadas dos anos 80 para cá. Mas, por outro lado devo reconhecer que muitos colegas do Olindo participam dos movimentos, muitos são vanguarda, porta-vozes e outros acompanham dando força e defendendo a nossa luta.

Apontei para o fato que a nossa participação no CONAE 2010 limitou-se a quatro educadores da escola estadual. Não fiz na hora muito caso disso, mas devo apontar para a necessidade dos nossos educadores e estudantes serem convocados a participar com mais entusiasmo, afinal, com todas as dificuldades que conhecemos de fazer cumprir a lei e os planos só podemos nos comprometer com eles construindo.

Lembrei que eu escrevi num texto que está aqui aliás que nós educadores temos que constantemente DESISTIR DE DESISTIR.

Me fiz a seguinte afirmação de que a Democratização da Educação é uma tarefa permanente. Que a conquista das eleições de diretores deve ser renovada com a adoção de métodos participativos de tomada de decisão.

A nossa Caminhada teve momentos extraordinários e o próprio Redin lembrou do Fórum Social Mundial 2001 e dos seguintes quando uma grande multidão realizava uma luta global contra um sistema e uma política que exclui as minorias. Que fazer parte dessa massa é ser companheiro e irmão daqueles que acreditam que um outro mundo é possível.

É sempre preciso uma Reunião de Educadores que passa a construir a educação democrática e popular e a gente tem lembranças disto, muitas lembranças.

Apontei que uma das minhas preocupações no processo futuro de Eleição de Diretores é que para Liderar é preciso confiar nos liderados, não somente ter a confiança de alguns deles, de uma maioria. Os governos devem ser feitos para a maioria, mas devem respeitar as minorias.

Dirigir democraticamente é construir junto, é promover a participação e ouvir todas as opiniões mesmo as divergentes.

Afirmei que tenho um sonho neste ano que me é provocado pelos meus alunos e os nossos de 3º anos do noturno. Sonmho em aprovar todos os 60 alunos. Até porque nenhum de nós vai conseguir remendar nem agora nem no ano que virá as carências de conteúdo que muitos deles tem. Então propus uma reavaliação das nossas avaliações de tal modo que consigamos romper com um movimento continuo e irracional de exclusão.

Os meus e os nossos alunos de 1º anos precisam, na minha opinião de muita atenção, em vários sentidos.

Os meus e os nossos alunos de 2º anos estão num bom estágio e precisamos motiva-los para permanecer na escola também.

O tema da permanência na escola evasão, repetência, abandono e desistência é para mim o maior desafio da educação hoje. Mas também precisamos olhar para fora da escola, para a violência e as drogas. Muitos pensam que isso se resolve com uma pseudoqualidade da educação a partir de conteúdos e planos de estudo. Eu discordo. Penso que precisamos romper radicalmente com esta receita de bolo. A não ser que queremos continuar fazendo meio bolo e meia educação.

O desafio para mim passa pela decisão coletiva dos educadores de conhecer os alunos que temos. Não é simplesmente saber qual a situação deles. A condição social para muitos já é um grande passo, mas para aqueles que já reconhecem isto o passo adiante é saber quem eles são, o que eles pensam o que eles querem. E isso para mim passa pela inclusão deles, das opiniões deles em todos os processos escolares. Não somente na formalidade do conselho ou do CPM. Nas diversas comissões internas eles podem ter participação também.

Por exemplo, foi feita uma Gincana na Escola. E devo admitir e reconhecer por justiça que esta atividade conseguiu envolver os meus alunos. Mas infelizmente não envolveu todos os alunos e todos os professores. Aplicando-se aqui o que o Redin disse, temos que perguntar de que modo e para quem foi concebida a Gincana? E qual a participação dos demais alunos e professores como sujeitos deste processo. E nisto entra tudo desde a definição dos critérios passando pela avaliação e pela construção das atividades. Não dá para fazer as coisas transformando os outros em objetos dos nossos objetivos. Quais poderiam ser os objetivos dos alunos.

O caminho para construir o reconhecimento dos professores e das professoras passa por reconhecer neles o direito de opinião e de divergência também. Não seremos respeitados por ninguém se não optarmos por ouvir com respeito a todos.

Por fim tem aquela pergunta que sempre me faço: Como um aluno chama alguém de mestre?

Assim, temos que freiar este movimento automático de reprodução de conteúdos, objetivos e métodos. Precisamos provocar uma ruptura com nossos modelos, pois eles não estão trazendo resultados.

Temos que construir um conflito sério sobre o método e os objetivos. Para parar de cumprir essa cartela, temos que debater qual cartela será cumprida e este não é debate exclusivo para alguns.

Sempre digo que uma das maiores conquistas da filosofia do século XX foi entender que não faz sentido pensar sozinho.

Assim, quem fala aqui é aquela metade de mim que fala pela outra metade de mim e que também ama.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

EUCLIDES REDIN NO OLINDO FLORES

EUCLIDES REDIN no OLINDO FLORES

Quando a gente pensa que mais ninguém vai ser capaz de retomar a luta lá na escola onde eu trabalho aparece uma fagulha que incendeia as consciências e faz a roda da vida girar novamente. Inda bem...

Na última quinta-feira (23/07/09), o Professor Euclides Redin esteve lá no Olindo Flores fazendo uma atividade de formação com 31 educadores da escola. Vou resumir com as minhas palavras, algumas anotações e comentar o que ele veio trazer para nós e reapresentar para os professores.

Falou sobre Debates em Educação e iniciou a partir do fato de que há uma teimosia nos debates educacionais de colocar a culpa em alguém pelo fracasso escolar, ou são os professores, ou são os alunos, mas nunca é o sistema. A teimosia em culpar o aluno persiste muitas vezes entre os professores também. Mas nós temos que olhar para a crise da escola no mundo e também para a crise da sociedade.

Os alunos, segundo ele, querem aprender algo significativo. Algo que encontra conexão com a realidade deles. Não é difícil concordar com o professor Euclides, pois é já um princípio da pedagogia progressista a idéia de que a aprendizagem precisa ser significativa. Ele nos pergunta em que sentido podemos dizer que saber o nome de todas as ilhas das Antilhas é importante, ou saber o nome de todas as Ilhas Virgens.

Neste sentido, fica claro porque o ensino profissionalizante é atraente e desafiador para os alunos ele tem uma conexão direta com a perspectiva da vida do jovem.

Há também um efeito sobre a educação proveniente da Crise do Estado. Faz um tempo já que é afirmado por aí que o estado faliu. Claro este discurso parte de uma abordagem submissa à lógica de tirania do mercado. O mercado pode tudo e o estado está atrasado ou atrasando o desenvolvimento das forças produtivas (para usar uma linguagem do velho barbudo Marx). Mas as coisas não são bem assim. De certa forma havia uma ilusão de que tudo que era privado era mais eficiente, mais competente e melhor.

Havia um discurso das competências que é fortemente ideológico, a saber, procura transformar em real uma opção política e ao fazer isto procura interpretar a realidade a partir desta interpretação. Isso já sabíamos de certa forma. Daí Redin dá um passo interessante: ele aponta que o famoso e generalizado discurso das competências e das habilidades esconde um viés também ideológico. Como se sabe a idéia é que o aluno tem múltiplas ou algumas competências e que o professor deveria ser capaz de desenvolvê-las. O problema aí é que se estas não aparecem voltamos à realidade antes apontada, ou o professor é incompetente ou o aluno é incompetente, e continuamos olhando para a escola e o sistema sem questionar a sua lógica e os seus objetivos.

Nós todos lembramos que este discurso das competências dizia “privatizando as coisas se equilibram ficam melhores”, ou seja, o mercado resolve. E sabemos também que este discurso encontrou o seu limite na crise do ano passado. Assim, de repente, não mais que de repente, na crise, o dinheiro para salvar as empresas apareceu. Bilhões para os bancos, indústrias e etc. Antes não havia dinheiro para a educação, para o sistema de saúde, para a paz. (É bom lembrarmos que o sistema de saúde americano está falido, porque a saúde privada não inclui quase 47 milhões de cidadãos americanos que não tem nenhum tipo de cobertura – ao contrário do Sistema Brasileiro que é universal)

A pergunta em relação a isso é: afinal, a crise da escola é crise de quem então?
Nos parece que é uma crise política – com todas as letras POLÍTICA – pois de fato o que temos hoje é um excelente sistema legal respaldando a educação, mas as leis não são cumpridas. Existem governantes que não cumprem as leis educacionais e nem os Planos educacionais decenais são respeitados por muitos governantes. Assim, segundo Redin, participamos dos debates para a construção dos Planos Nacionais, mas os planos nacionais não são cumpridos. Ele aponta diretamente para a situação aqui no estado inclusive com o assentimento da maioria dos colegas.

Redin também traz a tona o debate sobre a avaliação da educação. Todo mundo avalia a educação tem Enem, Provinha Brasil, Saers e etc. Ele afirma que tem um equívoco por traz disto porque estão avaliando profissionais e cidadãos que não tem as melhores condições de vida, estudo e trabalho. Ele considera – e devo concordar com isto – um crime avaliar crianças. Tudo se passa como se as crianças já tivessem que se submeter a uma avaliação que ao fim e ao cabo avalia um professor sem condições de trabalho. É um sistema cruel este. Não perguntam para os professores e professoras o que eles precisam para fazer uma educação melhor. No final a avaliação diz que os brasileiros vão mal em matemática e em linguagem. Esta pesquisa e avaliação só responde aos interesses de quem a encomenda. Assim temos hoje uma crise neurótica das avaliações. A escola vai mal e a culpa é dos alunos que não querem aprender e dos professores que não sabem ensinar. Temos dúvidas sobre isto porque não é ponderada aí as condições das escolas que sofrem as avaliações. Assim é feito todo um planejamento que não leva em conta os sujeitos dos processos. O planejamento precisa levar em conta o para quê? Precisamos problematizar mais isto nas nossas atividades para ver se os nossos objetivos não estão errados sem não estamos seguindo cegamente um objetivo que serve a uma outra causa que não a causa da educação pública.

Redin fala mais sobre planejamento, pois está concluindo um curso que está ministrando na EST (Escola Superior de Teologia – no Morro do Espelho de São Leopoldo) cujo título é Planejamento Estratégico, Movimentos Sociais e Redes. Um bom planejamento depende de para quê e para quem ele é feito. Daí ele cita o exemplo de um projeto feito no nordeste. Um projeto americano para melhorar a educação do nordeste – o Projeto Saci. Foi concebido de tal modo que tinha tudo previsto: fatiota, cartilhas e etc. No começo o problema era os nordestinos usarem terno, gravata e camisa de maga comprida. Foi feita uma adaptação, aceitaram depois de muita luta cortar as mangas das camisa e tirar o palito, a gravata ficou. Por fim foi indo a coisa de tal modo que no final não deu certo. A conclusão dos organizadores foi que: os nordestinos não tinham condições de aprender, eram incapazes, incompetentes. Rssss. Assim; não deu certo e a culpa é dos nordestinos, pois, afinal era um projeto americano cheio de técnica, consultores e etc. Pressupunham que os nordestinos bem treinados conseguiriam. Esqueceram de considerar qual é a vida dos nordestinos.

Não funciona estas coisas porque aqui o problema real também é político. As leis, as decisões políticas fazem parte de decisões trágicas. Pois, decidir é excluir outras prioridades. E comento, muitas vezes as outras prioridades é que são o principal.

Um exemplo disto é a COPA 2014 – bem agora vai sair uma pista de mais 1800 metros para o Aeroporto Salgado Filho. Mas isto vai desalojar cinco vilas populares que serão transferidas para a região do Porto Seco. Parece fácil, mas como é que eles vão levar a vida lá adiante. Como vão se adaptar lá? É um processo bárbaro este. Como se a copa fosse mais importante que a vida e as relações daquelas pessoas.

Vemos o exemplo da Constituição de 1988. Ela foi ardentemente disputada por nós educadores e foi uma luta árdua. Lá ficaram inscritas as bases para a criação dos diferentes estatutos de direitos, por exemplo, o direito a proteção da infância e da adolescência que ganho um estatuto com o ECA. Uma política pública depende fundamentalmente do fato de que para além do expediente legal haver uma continuidade. A garantia de continuidade é fundamental para toda a política pública ganhar concretude. A lei precisa ser operacionalizada. Ela precisa de recursos públicos e um plano de execução. E precisa ser cumprida por todos os entes federados senão...

Um exemplo importante é agora o CONAE 2010 em que somos convidados a discutir um novo plano para a educação nacional. Redin afirma que tem participado das discussões, mas se preocupa porque segundo ele de plano em plano vamos perdendo a esperança.

Daí ele enfoca aqui no Rio Grande do Sul, lembrando que os professores estaduais devem se orgulhar muito porque foram os primeiros professores a fazer greve lá em 1979. Pergunta quantos participaram disto e aí a nossa colega Maria Ivani lembra de ter recém ingressado na educação e ter feito aquela greve. Redin diz que a educação estadual é e era já a melhor do Brasil e que isto deixava muitos intrigados. Como é que estes professores que fazem greve conseguem isto? Ele afirma que é justamente por isto que a educação gaúcha é a melhor; porque os gaúchos lutam e levam a sério o seu processo histórico. Ele lembra do tratamento dado pelo governo Yeda aos educadores com a violência policial e várias outras coisas. E que é um grande desrespeito o que ocorre hoje em que temos uma governadora que faz o que faz e tem a peia de chamar os educadores de torturadores.

Ele diz claramente: precisamos de respeito! Temos que reconquistar isto! E que o caminho para isto é os educadores tratarem os alunos como seus companheiros. Isto tudo começou quando os educadores assumiram a sua condição de trabalhadores como todos os demais membros da sociedade. Foi algo fundamental que foi produzido através de muitas caminhadas, debates, protestos e greves. Assim ele afirma que temos que nos rearticular em torno do nosso trabalho.

É preciso quebrar também esta lógica competitiva que vem para a educação junto com o objetivo de produzir Ranking das Melhores Escolas. Como é feito no ensino superior como se houvessem parâmetros globais aplicáveis a todas as instituições e escolas. Assim vem à tona de novo o discurso das competências e o problema é que este discurso leva a culpabilização do indivíduo e não olha para o sistema.

Nós do RS que construímos através de uma longa caminhada a escola cidadã temos que retomar nossa caminhada.

Ele cita Paulo Freire: “Utopia é o inédito viável, o sonho possível”

E conclui com um poema sonoro de Oswaldo Montenegro que vou transcrever aqui:


METADE

Composição: Oswaldo Montenegro
Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.


PS.: Redin tem um blog em que muitas destas idéias são apresentadas também: http://euclidesredin.blogspot.com/

Gostei muito da palestra de Redin e por isso a transcrevi aqui. É um alento saber que não estamos sós no modo como compreendemos as coisas da educação.

Prometi ao final dos debates ser breve e colocar em outro espaço minha opinião. Na próxima postagem colocarei aqui minha intervenção e um texto que estou construindo sobre um foco que creio ser fundamental CONHECIMENTO DO ALUNO COMO CONDIÇÃO PARA A SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA, DA EVASÃO E DA DESVALORIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO. Aguardem..

segunda-feira, 20 de julho de 2009

TARSO GENRO É O CANDIDATO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES

Neste final de semana o Partido dos Trabalhadores realizou o seu 19º Encontro Extraordinário Adão Pretto, e neste encontro, sediado no Anfiteatro Dante Barone na Assembléia Legislativa, foram estabelecidas as bases da vitória ao Governo do estado em 2010: 1. o candidato a governador é Tarso Genro com o apoio de todo o partido; 2. a política de alianças prioriza a construção da Frente Popular, indicando a preferência da vaga de vice para o PDT e abrindo espaço ao PTB, desde que este saia do Governo Yeda; 3. a aliança com os movimentos sociais é estratégica e fundamental e que 4. é necessário construir uma nova rodada com ampla participação dos filiados e da sociedade para a construção do programa de governo.

O encontro foi realmente extraordinário, pois foi o maior encontro da história do Partido e também porque reuniu, na sua preparação, mais de 20 mil filiados de todo o estado, os quais elegeram delegados e debateram todos os temas. Antes disto havia ocorrido também uma série de 27 reuniões regionais do partido nas quais os dirigentes e filiados debateram abertamente a pauta da conjuntura estadual e as eleições 2010.

Houve um resgate - creio que definitivo - do nosso antigo método de debate e de construção das posições partidárias, através de ampla participação dos filiados, não simplesmente para votar numa urna se é de melhor alvitre A ou B, mas sim por debater a política geral e no detalhe, de tal modo que com este método se transforma o espaço de tomada de decisão partidária num momento de formação e reflexão da militância.

Outro aspecto importante do resgate deste método é que é também um momento da militância aferir a qualidade e a pertinácia dos seus dirigentes que passam a ser julgados não através da quantidade de inserções na midia ou pela imagem distante de uma história que já passou, mas sim por aquilo que é atualizado e apresentado em meio ao debate e reflexão sobre as posições colocadas em disputa. Neste sentido o encontro Adão Pretto foi um grande momento também. Dentre os principais pontos de debate - na conjuntura estadual e política de alianças - se destacaram argumentações que procuraram desqualificar a representatividade ou autoridade de quem as defende, colocando assim uma pleiade inteira de velhos dirigentes e importantes figuras do partido na vala comum do mínimo senso. Por outro lado, vi também momentos em que as inscrições e intervenções foram unilaterais porque um lado se recusou ao debate, quiçá porque não tinha o que dizer. De treze intervenções, simplesmente dez tinham identificação com uma tese oposta a outra - a qual se alegava maioria e etc. - as inscrições foram abertas e as intervenções foram definidas por sorteio.

Na votação ocorreu o milagre da multiplicação dos pães, pois a resolução dois acabou vencendo e sendo a que regerá, em virtude de acordo, dispensando-se a contagem de votos, a política de alianças.

Fiquei muito orgulhoso porque considero que nada disto teria sido possível se o meu pré-candidato não tivesse tido a ousadia e a clareza de lançar-se pré-candidato. A contribuição desta decisão para a vitória do Partido será decisiva logo ali adiante, pois o partido saiu armado e motivado para construir um bom programa e com as decisões necessárias sobre política de alianças e estratégia eleitoral. Assim, é um partido fortalecido que apresenta Tarso Genro como candidato a Governador do estado do Rio Granmde do Sul e não uma geleia ou um partido mole.

Boa Luta

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Getúlio Vargas - Carta Testamento

A Carta Testamento do Presidente Getúlio Vargas!

"Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.



Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.



Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.



Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.



E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História." (Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas)


PS.: Durante as aulas de geografia e história, seja quando tratava da era Vargas, seja quando tratava da história política do Brasil, sempre recomendava aos meus alunos e alunas visitarem a Praça em frente à Prefeitura Municipal de São Leopoldo, para ler e se quiser copiar a Carta-Testamento de Vargas. É um documento histórico fundamental para compreender certas diferenças entre nacionalismo e entreguismo que sempre vem à baila quando ainda hoje se discute privatização, neoliberalismo e determinadas posições que continuam de costas para o Brasil. Hoje o debate da CPI da Petrobras esta contaminado do velho ranço daquela gente que insiste em não acreditar na capacidade do nosso país e do nosso povo em fazer as coisas melhores, maiores e mais importantes por nós mesmos, sem tutela estrangeira e interferência dos interesses estranhos ao bem comum. Agora está aqui esta obra juntada ao Discurso de João Goulart. Para pensar sempre....

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Contador

CONTADOR

Por uma saborosa coincidência este blog tem ficado nos últimos dias com o título de Contador como se este fosse um texto colocado aqui.

Bem, agora vai ser isso mesmo: Contador.

Tentei instalar um contador de visitas neste blog, mas acabei colocando ele no lugar de uma postagem. Rssss.

Por fim, com a ajuda de um amigo muito disposto e jeitoso, consegui instalar o tal contador no blog. Agora são 39 visitantes e passagens por aqui, mais de dez são minhas, pois tenho entrado aqui para ler e reler meus velhos textos e também para ver bem como vou melhorá-los aqui mesmo.

Por exemplo, alguns precisam de notas especiais e de bibliografia e outros, por sua vez, precisam de alguns retoques de estilo e de forma. Faltam marcadores adequados em muitos e referências mais exatas sobre as datas e os seus contextos de escritura. Nada é perfeito.

Resolvi usar este título hoje também como uma referência ao presente e ao que acontece lá no mundo a minha volta aqui no RS em 13 de julho de 2009 – entre Gripe A, definição do candidato a governador do PT, acusações cada vez mais graves ao governo Yeda e todo os resto; num passado remoto, em que eu estudava contabilidade no segundo grau e pensava na exatidão da relação entre créditos e débitos e, talvez, num futuro contínuo daqui para frente em que acabarei por contar histórias que só tem valor para mim e para os meus.

Ontem faleceu a cantora e socióloga Adriana Marques, minha amiga do tempo em que fazer arte em São Leopoldo era algo raro e pouco espaço tinha para isso. Muitas faziam, mas pouco público e condições haviam. Bem ela faleceu em Porto Alegre e eu que vivi uma década próximo dela, ao início da sua carreira, com o Grupo Tocaia, lembrei da voz muito boa que ela tinha. Gravamos até um disco juntos no estúdio Isaec ela com o Grupo Tocaia e eu com o Grupo Velas. Nossa já fazem 23 anos isto. Saudades da pessoa extremamente amiga. Fizemos algumas campanhas juntos e ela também estudava na UFRGS, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Eu na Filosofia e ela na Sociologia – nunca consegui chamar aquilo de ciências sociais. Bem ficou dela boas lembranças e a admiração pelo seu trabalho que era maior do que a rádio esmeralda para mim, pelo menos.

Quase na mesma época eu estudava contabilidade. Isso me foi de muita utilidade quando iniciei o meu trabalho na cooperativa Coolméia em 1988. E depois me trouxe ajuda nas planilhas de análise de textos filosóficos. Até hoje leio os textos como um contador que pesa prós e contras e quando me cabe construir algo sistematicamente sempre penso em organizar grandezas e sopesar prós e contras às idéias e argumentos.

Faria uma contabilidade da razão. Das razões que podemos colocar em ordem e hierarquizar adequadamente. Lembro do Descartes velho de guerra que pesava seus argumentos com uma balança de precisão. A música também tem algo de exato que dá espaço para as paixões e as emoções terem uma apresentação adequada e que se aproxime da perfeição. Como pode isso?

Uma contabilidade que de fria não tem nada é a contabilidade da vida. O valor adequado para as coisas é um bela tarefa. E tem um quê de justiça nisto também. Contador....

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Yeda em fim de linha....

Nada mais a dizer. Nada mais a perguntar. Nada mais a comentar.
É o fim da linha. Como é que isso pôde durar tanto tempo? Quanto tempo ainda vamos assistir a este espetáculo? Não há mais estomago que aguente.
É o fim.
É o fim da linha para o desgoverno.
Boa Noite...

sábado, 4 de julho de 2009

A REDUÇÃO NO PREFÁCIO DO TRACTATUS E OS CONTRA-SENSOS DE WITTGENSTEIN

A REDUÇÃO NO PREFÁCIO

Deve ter alguma importância, também, o fato de que a redução do pensamento a proposição seja apresentada como argumento já no Prefácio da obra e ali exibir a condição através da qual esses resultados podem ser estabelecidos. Por isso, vejamos em seguida como Wittgenstein introduz a pretensão inicial dessa obra e, também, o procedimento metodológico (ou postulado lógico) do qual ele se valeu para realizá-la e o seu correspondente resultado filosófico.

" O livro pretende , pois, traçar um limite para o pensar, ou melhor - não para o pensar, mas para a expressão dos pensamen¬tos: a fim de traçar um limite para o pensar, deveríamos poder pensar os dois lados desse limite (deveríamos, portanto, poder pensar o que não pode ser pensado).
O limite só poderá, pois, ser traçado na linguagem, e o que estiver além desse limite será simplesmente um contra-senso." TLP. 1993:131.

O desejo de traçar um limite para o pensar leva Wittgenstein por razões lógicas a traçá-lo na linguagem. Pois se, parafraseando, admitimos que para traçar um limite para o pensar teríamos que poder pensar sobre aquilo que está fora e aquilo que está dentro desse limite, então, teríamos que pensar também o que não é um pensamento.

Parece claro que Wittgenstein quer dizer aí que nenhuma pessoa sensata aceitaria a possibilidade de podermos pensar o que é um não-pensamento, pois, seguindo-se a lei de não contradição e aplicando-a nesse tema, ter que pensar um não-pensamento é uma contradição. Quer dizer, pensar dos dois lados é uma contradição expressa.

Logo, se como afirma Wittgenstein, para traçar os limites ao nosso pensamento devemos pisar dos dois lados da cerca (no lado do que é pensamento e no lado do que não é pensamento), então não podemos sensatamente traçar esse limite no domínio do pensamento. E mais, se tudo aquilo que não é um pensamento é um contra-senso e não pode ser pensado nem expresso pela linguagem, pois está fora dos limites do pensamento na linguagem, então um contra-sen¬so soa algo próximo daquilo que pode apenas ser mostrado.

Mas não é exatamente assim. Porque um contra-senso é justamente o resultado dessa tentativa de dizer o que só pode ser mos¬trado e, sendo assim, ele simplesmente nos afasta do que deve ser mostrado.

Por isso parte da doutrina positiva do TLP consiste em apresentar uma doutrina da proposição que seja correspondente a essas razões lógicas, pois que só nesta encontramos algo semelhante a um pensamento, isto é, que preserve a distinção entre pensamento e não pensamento permitindo, ao mesmo tempo, a determinação e identificação de um não pensamento (contra-senso), sem dissolver essa distinção.

Assim compreendemos porque a doutrina positiva importa numa doutrina negativa a respeito daquilo que não é pensamento que passa desse modo a localizar-se fora dos limites da linguagem e ganha então o nome de contra-senso.

Essa localização dos contra-sensos fora dos limites da linguagem, no entanto, significa que de certa forma podemos identificar as expressões que trazem a marca de não apresentarem um pensamento como expressões que não possibilitam o estabelecimento da sua verdade ou falsidade. E isso depende de um resultado também lógico. Se a proposição é essencialmente bipolar e uma expressão que não é bipolar não é uma proposição, então, tudo aquilo que não for bipolar é um contra-senso.

Mas isso não é, também, exatamente assim. No TLP, Wittgenstein discrimina com base no conceito de "proposição" que envolve a bipolaridade, mais três tipos de expressões que não são bipolares e, também, tipifica entre estas dois tipos que não expressam nenhum sentido.

Vejamos, brevemente, isso para discriminar também mais alguns resultados da obra.

As expressões lógicas são casos limite e desprovidas de sentido, não são como as proposições acima bipolares, isto é, não são passíveis de serem determinadas verdadeiras ou falsas em confronto com o mundo. Essas expressões lógicas são de dois tipos somente. Ambas são determinadas como possuindo um e somente um valor de verdade. A primeira ó a tautologia e é sempre verdadeira, independentemente do que seja o caso no mundo. já a segunda é a contradição e tem o valor de verdade o "falso". Essas expres¬sões não são propriamente proposições, mas sim casos limite da proposicionalidade. Como elas não dependem de um confronto com o mundo para serem verdadeiras ou falsas, podemos dizer que nós compreendemos elas não como "figurações", mas sim como condições lógicas de toda e qualquer figuratividade. Assim o valor de verdade dessas expressões é todo determinado pelos seus sinais componentes sem referir a nada que é ou não o caso no mundo.

De outro lado, Wittgenstein, com base nessa doutrina da proposição, também qualifica as nossas tradicionais expressões filosóficas (que versam sobre assuntos de ontologia, metafísica, ética e estética), como contra-sensos. Segundo ele as proposições filosóficas devidamente examinadas nos levam a concluir que não trazem em si nenhuma possibilidade de determinação do seu valor de verdade, isto é, que não podemos determinar a sua verdade ou falsidade através de um confronto com o que é ou não o caso no mundo (como acontece com as "proposições" que figuram a realidade e por isso são bipolares e tem sentido). Elas, as expressões filosóficas, também não tem um único valor de verdade, assim como as expressões lógicas. Sendo assim, não podemos saber quais expressões filosóficas são verdadeiras ou falsas e, desse modo, não podemos nunca considerá-las como expressão de um "pensamento" melhor que outro. Daí que o resultado negativo apresentado na passagem do prefácio as situa fora dos limites do pensamento na linguagem. São contra-sensos porque não atribuem significado aos seus sinais, isto é, a despeito da expressão "O mundo é tudo que é o caso." estar em perfeita ordem gramatical, ocorre que os seus sinais não tem significado, o que é o mesmo que dizer que nós não saberíamos identificar no mundo o que deveria ser o caso para elas serem verdadeiras ou falsas.

Vejamos agora o último tipo de expressão, o qual, inclusive, é requerido por qualquer teoria que contenha regras. Quer dizer, qualquer teoria que contenha regras deve prever que tipos de resultados são conforme essas regras e quais não.

Digamos que a constatação doutrinária do erro ou do mau entendimento da lógica da nossa linguagem acaba aqui. Se é assim, nós teríamos que admitir um juízo da seguinte forma: "Os filósofos cometeram até então erros gramaticais em todas as suas expressões.", e isso significa que os filósofos, assim como os analfabetos tradicionais, não sabem combinar em expressões algo com significado, isto é, além de não produzirem proposições (bipolares) ou tautologias, expressam de modo equivocado sentenças mal combinadas. mas não é assim, pois segundo Wittgenstein o erro filosófico repousa sobre uma aparência de sentido das expressões filosóficas, não de um mal entendimento gramatical.

Daí que o último tipo de expressão é simplesmente designado como um sem-sentido. Esse "sem-sentido" representa justamente aquelas expressões que não tem caráter filosófico e que além disso não podem ser verdadeiras ou falsas. Elas não são passíveis de serem determinadas verdadeiras ou falsas, porque nós não saberíamos determinar o que deveria ser o caso no mundo para elas terem um valor de verdade, não por falta de significado dos seus sinais, mas sim pelo modo como esses si¬nais são combinados. O exemplo pode ser " E, cachorro, porém.".

Portanto, a relação entre pensamento e proposição pode ser interpretada como uma redução em Wittgenstein resultante da limitação do pensar através da linguagem que acaba por determinar a natureza de mais três tipos de expressões.

Assim, o pensamento tem uma única forma de manifestação na linguagem sob a proposição que mostra o que é o caso ou não, no mundo e, por consequência, toda e qualquer expressão que não permite a determinação da sua verdade ou falsidade em confronto com o mundo, é então o resultado de um mau entendimento da lógica da nossa linguagem e é, também, um não-pensamento.

Desse modo, o resultado filosófico principal da obra é que as expressões filosóficas em geral e, em particular, as expressões do TLP são contra-sensos. Daí que o penúltimo aforismo cumpre o seu papel construindo o fecho da obra.

Em 6.54 o TLP expressa o resultado filosófico assim:

"6.54 As minhas proposições elucidam dessa maneira: quem me entende acaba por reconhecê-las como contra-sensos..."
E, exemplifica, no mesmo aforismo, o que se deve fazer ao compreender esse resultado:
"... Deve sobrepujar essas proposições, e então verá o mundo corretamente."

Isto é, que entende Wittgenstein reconhece contra-sensos como algo que nos afasta de uma correta compreensão do mundo.

E, finalizando, o resultado negativo da obra é expresso no seu último aforismo:
"7 Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.”

Mas resta uma quantidade razoável de dúvidas sobre essa redução paradigmática.

PS.: PARTE II DE ENSAIO DE 1995.

CONTRA O DESGOVERNO YEDA

A Educação Contra o Desgoverno Yeda

Toda vez que escrevo ou falo nas situações correntes na educação estadual me preocupo com uma única coisa: como atingir a verdade dos fatos e a melhor análise das conseqüências, causas e do interesse, ou do melhor interesse público. Neste sentido a conveniência em relação aos patrocinadores, doutores ou poderosos de nada vale. Pois se for assim orientado, pior para todos. Inclusive para estes que inadvertidamente pouca atenção dão para o que realmente importa no médio e no longo prazo de um ponto de vista social e não mercadológico ou partidarizado.

A lei do Piso Salarial Nacional (2008), sancionada pelo presidente Lula é a pedra de toque do CPERS contra o governo Yeda. Por dois motivos. Primeiro, porque a mesma ingressou com ADIN junto ao STF com o franco intuito de não aplicar a lei que representa uma conquista e um avanço obtido pela sociedade brasileira após mais de vinte anos de lutas. Segundo, porque o governo estadual encaminhou à Assembléia Legislativa um projeto de lei que significa, trocando em miúdos, a transformação de um piso de R$ 950,00, para quarenta horas semanais, em teto salarial, não contemplando as vantagens e avanços frutos do Plano de Carreira do Magistério estadual resgatado em 2000.

O mesmo governo promove um arrocho salarial de todos os servidores públicos, redução dos repasses às prefeituras municipais e um governo de investimento zero, para construir o déficit zero às custas de todos os cidadãos. Sendo que tal déficit é um ilusionismo, porque de um lado, enche às turras do seu secretariado – sem lei que ampare tal reajuste já concedido de fato e, ao mesmo tempo, contrai mais dívida ao estado, sem abrir mão dos incentivos fiscais que sangram o cofre do estado e drenam recursos para empresas que reduzem seus investimentos no estado. Tal renúncia fiscal importa em mais de 6 bilhões de reais (algo como 30 % do orçamento do estado). Ocorre também que este mesmo governo em relação aos governos anteriores teve um importante incremento de receita via ICMS resultante do surto de crescimento econômico no Brasil dos últimos dois anos. É este governo que se recusa a negociar com os educadores e é este mesmo governo que nega o Piso Salarial Nacional.

Curiosamente o mesmo governo preconiza uma transformação da educação estadual com a substituição do nosso plano de carreira pela adoção de modelos de avaliação e premiação já adotados em São Paulo e em Minas Gerais. Ora, se tais modelos fossem bons, no último Enem 2008 não veríamos o RS despontando com melhor, e muito melhor média que os estados governados pelos parceiros tucanos da governadora (como bem expressou a Presidente do CPERS Rejane Oliveira em entrevista à rádio Gaúcha).

Ao remeter a Assembléia Legislativa o seu projeto de piso a governadora afrontou o Magistério Estadual, impondo a direção e à categoria como um todo o desafio: responder agora ou perder de vista a possibilidade de resistência e de defesa de seus direitos. Ora, a direção e a categoria responderam em dois dias e não poderia ter sido diferente. Dois dias depois, em Assembléia Geral, o magistério deflagrou a Greve mais dura de sua história. Porque não havia nenhuma construção ou preparação prévia para tal. E porque também é uma greve praticamente inédita na história dos trabalhadores, pois compromete o final do ano letivo e, não ocorrendo em março, abala os planos de todos, professores, funcionários, alunos e pais de alunos sobre as férias. Professor também é gente. É preciso repetir aqui.

Porque, todo este ridículo e desavergonhado debate de vitimização dos alunos, é muito apelativo na imprensa, pois tudo se passa como se é somente os alunos e os pais de alunos que terão suas férias prejudicadas. Vale lembrar que a maior parte dos alunos da rede estadual e a maior parte dos seus pais não sabem o que é veraneio de um mês na praia ou viajem de transatlântico quem dirá então alugar uma casa na praia.

No limite, a perspectiva de greve, a pauta do magistério viria, com força, no mês de março do ano de 2009. É notório, para quem conhece a pauta da categoria, a redução de uma pauta por reajuste salarial e implementação do Piso Nacional e, ainda, diversos outros quesitos, tais como a liberação de horas para o exercício sindical, bem como reajuste do vale-refeição e outros, que foi minimizada para a mera – nos sentido de pequeno avanço, retirada do projeto do Piso da Assembléia Legislativa.

Desta greve vão ficar na lembrança algumas vitórias importantes. A primeira, ao meu ver, é que pela primeira vez, depois de muitos anos – dolorosos anos, diga-se de passagem, o magistério obteve alguma forma de apoio da maioria dos deputados estaduais. Ainda que alguns destes apoios tenham sido dados na conjuntura e na oportunidade forçada de um instinto de preservação, é preciso reconhecer que ele ocorreu e em dois momentos importantes. Primeiro, no apoio – já que o governo não negocia com essa ¨gente¨, pela retirada do projeto da AL, que foi minimizada para a retirada do regime de urgência e a garantia de não votação deste projeto do piso até dezembro e no período do recesso. E, em segundo lugar, pelo apoio à implementação do piso salarial nacional, ou seja, contra a ADIN do governo do estado. Destaca-se isto como uma grande vitória, pois supera anos e anos de muitas desditas e ofensas até da parte de alguns deputados quando tensionados ou provocados pelos educadores à uma tomada de posição. A segunda vitória, que chama muita atenção também, é o grandioso apoio dos alunos em todas as escolas em que houve movimento e em que alguns fizeram movimento. Assistimos cenas de alunos questionando professores de porque não aderem ao movimento, assim como vimos muitos alunos nas manifestações do sindicato em todo o estado. E, a terceira vitória, me parece uma guinada na forma como a cobertura de imprensa tem tratado o movimento. Pela primeira vez, em praticamente todos os órgãos de comunicação, passando por jornais, rádios, tevês e sites e blogs o debate apareceu com respostas e posicionamentos mais favoráveis do que nunca.

Mas vamos lembrar também da vendetta e das declarações desta secretária de ocasião tais como se sentindo meio surpresa com a deflagração da greve, considerar como questão de honra o corte do ponto dos grevistas e a punição e a perseguição dos educadores que ousaram lutar contra o seu desgoverno, bem como, a expressão de indizível interpretação de que ela lamenta muito, lamenta e lamenta mesmo o corte do ponto dos educadores. Também vamos lembrar que a mesma afrontou a inteligência e o valor dos educadores por duas vezes. Na primeira, dizendo que tinha um vencimento alto porque tinha feito um concurso público muito difícil na Câmara Federal, na segunda, afirmando que os educadores do Rio Grande do Sul não haviam compreendido o projeto de piso que ela apresentara na Assembléia, sem nenhuma discussão nem com os educadores e nem com o sindicato dos educadores. Vamos lembrar, isto é certo, não tanto pelo dano que ela nos provocou, mas sim pelo ridículo e obtuso de vermos uma ex-dirigente do CPERS desconsiderar completamente o acúmulo e o conhecimento deste sindicato em matérias nas quais somos referência nacional e internacional. Pois é bom lembrar a esta desairada senhora que foi aqui que foi construída com muita força a gestão democrática da escola pública e que foi aqui também que todos os debates sobre educação pública foram realizados nos anos oitenta, noventa e que nos últimos dois mandatos da CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, a presidente foi justamente uma gaúcha. Nada disto foi sem razão nem sem propósito.

Resta ainda tratar do tema que emperra e constrói um abismo – um verdadeiro flagelo, entre o Governo Yeda e o magistério estadual – aposentados, ativos, grevistas ou não grevistas e futuros educadores, o famigerado desconto ou corte do ponto dos educadores grevistas. Ora, o governo baseia seu decreto em decisão do STF a qual responde a três mandatos de injunção apreciados em pleno do tribunal em dezembro de 2007. Mas é, acima de tudo, um decreto, ou seja, lavra exclusiva da disposição legiferante da governadora e – provável – de sua secretária. Ora, ocorre que tal decisão e sua necessidade é conseqüência da não normatização do Congresso Nacional sobre o direito de greve no serviço público, para variar os legisladores se omitem em relação à matéria tão controversa que no próprio STF as votações dos mandatos contém fortes controvérsias. Mas a maioria simples resolveu. Neste sentido, sustento a posição de que o decreto da governadora – ou desgovernadora – é puramente arbitrário ou de conveniência aos seus propósitos. O problema residual e de não menor importância é que, na prática, retirando o direito de greve dos trabalhadores em educação – porque é nisto que redunda o corte de ponto arbitrário – ela impõe outras formas de luta. Este é um grande problema, pois elas serão ou ineficazes (sem força de coerção ou desgaste algum) ou radicalizadas. Acabam por produzir danos imprevisíveis e extremos, inaceitáveis e incontroláveis. Ao tomar tal decisão o governo abre mão do conflito racional e mediado, em que o pior dos mundos possíveis é a greve dirigida, descredenciando em não menor medida a autoridade e a representatividade dos sindicatos, e abrindo a porta dos infernos aos voluntarismos e aos extremismos indesejáveis numa democracia e num ambiente de preservação do bem comum e de todas as partes.

As próximas lutas e o cenário futuro apontam para dois processos muito dramáticos. De um lado, um governo incapaz de diálogo e renitente em manter suas posições e de outro lado uma categoria – composta com indivíduos de carne e osso, sentimentos e paixões, e o seu sindicato atravessado pela luta real da sobrevivência.

Inda bem que, em parte, o sindicato e a categoria possuem direção e cultura suficiente para enfrentar este processo em toda a sua complexidade e que, de outra banda, este desgoverno tem seu prazo de validade já fixado – dois anos. Isto se a grande comédia dos erros, a qual acumula um repertório nunca antes visto na história do Rio Grande do Sul, não fizer sucumbir de forma consagradora o seu poder e a sua legitimidade. Neste sentido, nota-se já que as dissidências mascaradas e que os sinais sutis salientam muito bem, por sinal, a queda. Um sintoma evidente disto é a improbidade administrativa flagrante em que incorreu este governo ao pagar adicionais salariais aos seus secretários sem autorização legal. Cabe ao MPF, haja vista o insulamento ou alheiamento do Tribunal de Contas, punir tal crime e ilegalidade.



Este artigo não expressa a opinião da midia dominante no estado, mas se escuda na liberdade de opinião, reconhecida por este órgão de imprensa, para promover o debate sobre a Greve do Magistério Estadual de novembro de 2008.

INÉDITO - NOVEMBRO DE 2008

sexta-feira, 3 de julho de 2009

TEXTO DE HABERMAS - O CAOS DA ESFERA PÚBLICA



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UM ÓTIMO TEXTO PARA REFLEXÃO

O caos da esfera pública
Jürgen Habermas - Agosto 2006
Tradução: Peter Naumann
Quando o diretor do Instituto Karl Renner me comunicou a agradável notícia de que o júri pretendia conferir-me no corrente ano o Prêmio Bruno Kreisky [por avanços na área de direitos humanos; Kreisky (1911-90) foi ministro das Relações Exteriores da Áustria], não me senti apenas motivado a refletir sobre o aspecto estimulante da situação feliz de encontrar tanto reconhecimento imerecido, após décadas de conflitos e de uma imagem tendencialmente controvertida.
Após um estudo mais convencional de filosofia, ingressei em 1956 no meio pouco familiar do Instituto Frankfurtiano de Pesquisas Sociais, onde tive de me familiarizar durante os preparativos de uma pesquisa empírica também com a bibliografia (então ainda exclusivamente jurídica) sobre o Estado de Direito e a democracia.
Por um lado, os debates entre os grandes representantes da teoria do direito do Estado da República de Weimar me pareceram estimulantes, mas não consegui estabelecer uma relação mais apropriada entre os conceitos normativos da ciência jurídica e a teoria da sociedade — sob cujo influxo tentava compreender a realidade política da atualidade de então.
Estado de Direito
Foi a leitura de um livro que me abriu os olhos para o nexo entre economia política e direito. Publicado em 1929 sob o título áspero Os institutos jurídicos do direito privado e a sua função social, remontava a estudos realizados pelo jovem Karl Renner na virada do século, quando seu autor trabalhava como bibliotecário do Parlamento austríaco de então.
Foi assim que entrei em contato com os escritos dos marxistas austríacos, nos quais encontrei três idéias de cuja ausência me ressentia enquanto assistente de Theodor W. Adorno [1903-69] em Frankfurt: em primeiro lugar, a vinculação natural entre teoria e práxis política.
Em segundo lugar, a abertura nada tímida da teoria social marxista diante das descobertas da ciência acadêmica (uma atitude da qual Horkheimer e Adorno se tinham distanciado novamente desde a Dialética do esclarecimento).
E, em terceiro lugar — e sobretudo —, a identificação sem reservas com as conquistas do Estado democrático de Direito sem o abandono de objetivos radicalmente reformistas, voltados para horizontes muito além do status quo.
No meu caminho do marxismo de matriz hegeliana na direção de um pragmatismo kantiano, o livro de um outro austromarxista me deu um estímulo similarmente rico em conseqüências no final dos anos 60. Refiro-me à obra tardia de Max Adler [1873-1937], publicada em 1936 sob o título O enigma da sociedade.
Ao introduzir um “a priori social”, Adler não evoca apenas a constituição social da nossa consciência do ego e do nosso conhecimento do mundo; inversamente, a construção dos nexos da vida social também deve se assentar em atos do conhecimento.
A própria sociedade se baseia, então, na facticidade de pretensões de validade, que reivindicamos nas nossas exteriorizações comunicativas. Assim, Adler fundamenta, muito similarmente ao Husserl [1859-1938] tardio, uma referência à verdade de enunciados e correção de normas, imanente à sociedade.
Apesar de toda a sua insistência na cientificidade, Otto Bauer [1882-1938] e Rudolf Hilferding [1877-1941], Karl Renner e Max Adler se consideravam intelectuais de partido, que se submetiam à coação disciplinadora da tática e da organização, quando o momento assim o exigia. Mas, como democratas, faziam uma idéia inteiramente distinta do papel do partido do que o Lukacs leninista em História e consciência de classe.
Seja como for, a figura do intelectual de partido pertence ao meio hoje já histórico dos partidos que perfilhavam uma visão de mundo esquerdista. Após 1945, esse tipo não pôde mais subsistir no Ocidente.
Os sem-partido
Diante desse fundo, o tipo do intelectual contemporâneo, sobre o qual pretendo falar, adquire contornos muito nítidos: os intelectuais que entraram em cena depois de 1945 — tais como Sartre, Adorno e Marcuse, Max Frisch e Heinrich Böll — tendem a se assemelhar aos modelos mais antigos dos escritores e professores universitários que tomam partido, mas não estão vinculados a nenhum partido.
Sem serem perguntados, isto é, sem mandato nem votação, eles se deixam provocar pela ocasião a fazer um uso público do seu saber profissional além dos limites da sua profissão. Sem a pretensão a um estatuto elitista, não podem invocar outra legitimação senão o papel do cidadão democrata.
Na Alemanha, as raízes dessa autocompreensão igualitária remontam à primeira geração depois de Goethe [1749-1832] e Hegel [1770-1831].
Os irrequietos literatos e livres-docentes do círculo da “Jovem Alemanha” e dos hegelianos de esquerda definiram o perfil do intelectual pairando livremente acima da sociedade — na qual intervinha espontaneamente, muitas vezes choroso, polemicamente excitado e imprevisível — assim como definiram os preconceitos arraigados contra ele.
Não por acaso, a geração de Ludwig Feuerbach, Heinrich Heine e Ludwig Boerne, Bruno Bauer, Max Stirner e Julius Froebel, Marx, Engels e Kierkegaard entrou em cena antes de 1848, quando o parlamentarismo e a imprensa de massa se formavam sob as asas protetoras do liberalismo incipiente.
Peixes fora d'água
É já nesse período de incubação, quando o vírus da Revolução Francesa se alastrou por toda a Europa, que se manifesta a constelação na qual o tipo do intelectual moderno encontrará o seu lugar. Ao influírem com argumentos retoricamente afiados na formação da opinião, os intelectuais dependem de uma esfera pública capaz de lhes servir de caixa de ressonância, alerta e informada.
Necessitam de um público de orientação mais ou menos liberal e precisam confiar num Estado de Direito minimamente encaminhado pelo simples fato de apelarem a valores universalistas em meio ao litígio sobre verdades sufocadas ou direitos negados.
Pertencem a um mundo no qual a política não se dissolve na atividade do Estado; seu mundo é uma cultura política da contradição, na qual as liberdades comunicativas dos cidadãos podem ser desencadeadas e mobilizadas.
É simples projetar o tipo ideal de intelectual que rastreia temas importantes, levanta teses fecundas e amplia o espectro dos argumentos pertinentes para melhorar o nível deplorável dos debates públicos.
Por outro lado, eu não deveria sonegar aqui a ocupação mais querida dos intelectuais: eles adoram sintonizar-se com as queixas rituais sobre o declínio “do” intelectual. Confesso não estar inteiramente livre dessa tendência.
Será que não sentimos falta das grandes entradas em cena e manifestos do Grupo 47, das intervenções de Alexander Mitscherlich ou Helmuth Gollwitzer, dos posicionamentos políticos de Michel Foucault, Jacques Derrida e Pierre Bourdieu, os textos de intervenção de Erich Fried ou Günter Grass? Será que a culpa realmente cabe a Grass, se as suas vozes hoje praticamente só encontram ouvidos moucos? Ou será que na nossa sociedade midiática não ocorre uma nova mudança estrutural da esfera pública, que faz mal à figura clássica do intelectual?
Por um lado, a reorientação da comunicação, da imprensa e do jornalismo escrito para a televisão e a internet conduziu a uma ampliação insuspeitada da esfera pública midiática e a uma condensação ímpar das redes de comunicação.
A esfera pública, na qual os intelectuais se moviam como os peixes na água, tornou-se mais includente, o intercâmbio é mais intenso do que em qualquer época anterior.
Maldição
Por outro lado, os intelectuais parecem morrer sufocados diante do transbordamento desse elemento vivificador, como se ele lhes fosse administrado em overdose. A bênção parece transformar-se em maldição. As razões para isso me parecem ser uma informalização da esfera pública e uma indiferenciação dos correspondentes papéis.
A utilização da internet simultaneamente ampliou e fragmentou os nexos de comunicação. Por isso a internet produz por um lado um efeito subversivo em regimes que dispensam um tratamento autoritário à esfera pública. Por outro lado, a interligação em redes horizontais e informalizadas de comunicação enfraquece ao mesmo tempo as conquistas das esferas públicas tradicionais, pois estas enfeixam no âmbito de comunidades políticas a atenção de um público anônimo e disperso para informações selecionadas, de modo que os cidadãos podem ao mesmo tempo se ocupar dos mesmos temas e contributos criticamente filtrados.
O preço do aumento positivo do igualitarismo, com o qual a internet nos brinda, é a descentralização dos acessos a contribuições não-redigidas. Nesse meio, as contribuições de intelectuais perdem a força necessária para formar um foco.
Não obstante, seria apressado afirmar que a revolução eletrônica destrói o palco para as aparições elitistas de intelectuais vaidosos, pois a televisão, essencialmente atuante no âmbito das esferas públicas estabelecidas nos Estados nacionais, apenas fez aumentar o espaço do palco da imprensa, das revistas e da literatura.
Ao mesmo tempo a televisão transformou o palco. Deve mostrar em imagens o que quer dizer, e acelerou o iconic turn, a virada da palavra para a imagem. Essa desvalorização relativa desloca também os pesos entre duas funções distintas da esfera pública.
Como a televisão é um meio que torna algo visível, confere celebridade no sentido de notoriedade aos que aparecem em público. Os atores sempre representam a si mesmos diante da câmera, independentemente da sua contribuição ao conteúdo do programa. Por isso o espectador se lembra em encontros fortuitos de ter visto o rosto do outro em algum momento passado.
Mesmo se o conteúdo remete a um evento discursivo, a televisão convida os participantes à representação de si mesmos, como podemos observar em muitos talk shows. O momento da auto-representação dos atores transforma inevitavelmente o público judicante — que, diante da tela, participa do debate sobre temas de interesse geral — também em um público assistente.
Celebridade e reputação
Não se diga que esse traço não cai como uma luva na vaidade patológica dos intelectuais; alguns se deixaram corromper pelo convite do meio à auto-representação, prejudicando assim a sua fama, pois o bom nome de um intelectual, se é que ele existe, não se baseia em primeiro lugar na celebridade ou notoriedade, mas em uma reputação, que o intelectual deve ter adquirido entre seus pares de profissão, seja como escritor ou como físico (de qualquer modo, em alguma especialidade), antes de poder fazer um uso público desse saber ou dessa reputação.
Ao intervir num debate com argumentos, ele precisa se dirigir a um público não de assistentes ou espectadores, mas de oradores e destinatários potenciais, capazes de discutir uns com os outros. Para expressar isso à maneira de um “idealtipo” — segundo o sentido de Max Weber —, importa aqui a troca de razões, e não o enfeixamento encenado de olhares.
Talvez isso explique porque as rodas de políticos, especialistas e jornalistas, que se formam em torno dessas moderadoras feéricas, não deixam nenhuma lacuna que deveria ser preenchida por um intelectual.
Não sentimos sua falta, pois todos os outros já há muito tempo cumprem melhor o seu papel. A mistura de discurso e auto-representação conduz à indiferenciação e assimilação de papéis, que o intelectual, hoje démodé, outrora se via obrigado a manter separados.
O intelectual não deveria usar a influência ganha com palavras como meio de conquista de poder. Não deveria, portanto, confundir “influência” com “poder”. Mas ainda hoje, nos talk shows, o que poderia distingui-lo dos políticos, que há muito tempo se servem do palco da televisão para uma concorrência intelectual em busca da ocupação de temas e conceitos influentes?
Faro vanguardista
O intelectual também não é requisitado como especialista.
Sem perder a consciência da sua falibilidade, ele deveria ter a coragem para posicionamentos normativos bem como a fantasia necessária para a formulação de perspectivas imaginativas. Mas o que poderia distingui-lo hoje ainda de especialistas, que há muito tempo aprenderam na discussão com especialistas de opinião contrária o que devem fazer para oferecer uma interpretação de seus dados que defina eficazmente a opinião dos ouvintes?
Por fim, o intelectual deveria se distinguir do jornalista inteligente menos pela forma da apresentação e mais pelo privilégio de ter de se ocupar apenas paraprofissionalmente dos assuntos da coletividade.
Ele só deveria intervir, mas intervir em tempo hábil — à semelhança de um sistema de alarme antecipado —, quando a vida cotidiana sai dos trilhos.
Com isso mencionamos a única capacidade que deveria distinguir o intelectual também no presente, a saber, o faro vanguardista para relevâncias. Ele deve poder interessar-se por desenvolvimentos críticos num momento no qual os outros ainda se detêm no business as usual.
Isso exige algumas virtudes inteiramente não-heróicas: uma sensibilidade desconfiada diante de lesões da infra-estrutura normativa da sociedade; a antecipação cautelosa de perigos que ameaçam a dotação mental da forma da vida política comum; o senso do que falta e “poderia ser diferente”; um pouco de imaginação para a projeção de alternativas; e um pouco de coragem para a polarização, a manifestação inconveniente, o panfleto.
Dizer isso é uma coisa, fazê-lo outra, e isso sempre foi assim. O intelectual deve poder se inquietar e deveria possuir a faculdade de juízo necessária para não reagir extremadamente.
Seus críticos — de Max Weber e Joseph Schumpeter a Arnold Gehlen e Helmut Schelsky — sempre lhe lançaram a acusação da “excitação estéril” e do “alarmismo”. Ele não deve se deixar intimidar por essa acusação. Mais influente como intelectual, Sartre errou nos seus juízos políticos com maior freqüência do que Raymond Aron.
Por outro lado, o faro para relevâncias também pode descarrilar terrivelmente.
O que mais me estimula hoje — o futuro da Europa — é visto por outros como uma questão abstrata e entediante. Por que deveríamos nos interessar por um tema tão pálido?
A minha resposta é simples: se não conseguirmos fazer da pergunta polarizadora pela finalidade, pelo “para quê” da unificação européia — o tema de um referendo em todos os Estados-membros da União Européia até as próximas eleições européias em 2009 —, o futuro da União Européia será decidido no sentido da ortodoxia neoliberal.
Se evitarmos esse tema delicado em nome de uma paz enganosa e continuarmos com essas medidas de expedientes, tomadas no costumeiro caminho das soluções de meio-termo, daremos livre curso à dinâmica dos mercados desenfreados e assistiremos ao desmonte do próprio poder de configuração política da União Européia, em benefício de uma difusamente ampliada zona européia de livre comércio.
No processo de unificação da Europa, estamos pela primeira vez diante do perigo de uma recaída aquém do patamar atingido da integração. O que me inquieta é a rigidez da paralisia após o fracasso dos dois referendos sobre a constituição, na França e Holanda. Nessa situação, a ausência de decisão é uma decisão de grande alcance.
O impasse europeu
Três problemas que nos afligem diretamente enovelam-se no problema único da deficiente capacidade de ação da União Européia:
1. Alteradas no curso da globalização, as condições da economia mundial proíbem hoje ao Estado nacional servir-se dos recursos oriundos da arrecadação de tributos, sem as quais ele não pode mais atender, na escala necessária, as costumeiras exigências da política social e, mais genericamente, a demanda de bens coletivos e serviços públicos.
Outros desafios, como o desenvolvimento demográfico e uma imigração maior, agravam essa situação, que só admite uma saída pela via ofensiva: a recuperação da força de configuração política no plano supranacional. Sem alíquotas convergentes de tributos, sem uma harmonização das políticas econômicas e sociais no médio prazo, deixaremos o destino do modelo social europeu nas mãos de terceiros.
2. O retorno a uma política brutalmente hegemônica de busca do poder, o choque do Ocidente com o Mundo Islâmico, a decomposição de estruturas estatais em outras partes do planeta, as conseqüências de longo prazo da história colonial e as conseqüências políticas diretas de uma descolonização fracassada: tudo isso sinaliza uma situação mundial extremamente perigosa.
Somente uma União Européia que se habilita à ação no plano da política externa e assume um papel relevante em termos de política mundial, ao lado dos EUA, da China, da Índia e do Japão, poderia fomentar nas instituições existentes da economia mundial uma alternativa ao predominante Consenso de Washington e fazer avançar, sobretudo no interior da ONU, as reformas há muito tempo vencidas, entrementes bloqueadas pelos EUA, mas dependentes do seu apoio.
3. As causas da cisão do Ocidente, visível desde a Guerra do Iraque, também residem em um conflito de culturas que divide a própria nação norte-americana em dois campos de dimensões praticamente iguais. Na seqüência desse deslocamento mental, os critérios de aferição normativa da política governamental, até agora vigentes, se desconcertam por igual. Isso não pode deixar indiferentes os aliados mais estreitos dos EUA.
Justamente nas situações críticas em ações conjuntas, devemos nos libertar da dependência do parceiro mais forte.
Até agora os europeus se subordinaram às instruções e regras do alto comando norte-americano nas missões da Otan [aliança militar ocidental]. Agora devemos nos capacitar para manter, mesmo em ações conjuntas, a fidelidade às nossas próprias idéias sobre o direito internacional público, a proibição da tortura e o direito penal em conflitos bélicos.
Democracia
Por isso, penso que a Europa deve se mobilizar para uma reforma que não confira à União Européia apenas procedimentos decisórios efetivos, mas a dote de um ministro de Relações Exteriores, um presidente eleito pelo voto direto e uma base financeira própria. Tais exigências poderiam ser o objeto de um referendo, que poderia ser combinado com as próximas eleições para o Parlamento Europeu.
O anteprojeto seria considerado aceito caso obtivesse a “maioria dupla” dos Estados-membros e dos votos dos cidadãos. Ao mesmo tempo, o referendo vincularia apenas os Estados-membros em que a maioria dos cidadãos teria decidido em favor da reforma.
Com isso a Europa daria adeus ao modelo do comboio de navios no qual o mais lento define a velocidade. Mesmo em uma Europa de centro e periferia, os Estados-membros que por enquanto preferem ficar à margem naturalmente continuariam com a opção de associar-se ao centro quando bem quisessem.
Os políticos com o faro orientado para o futuro podem levar os intelectuais a reboque.
Fonte: Folha de S. Paulo, 13 ago. 2006.
PS.: recomendável a todos os agentes políticos de esquerda e cidadãos críticos...e aos intelectuais indecisos também...