A literatura parece mesmo ser uma
espécie de remédio ou terapia para as loucuras do mundo.
Não é só o mal-estar da
civilização, mas também o frequente mal-estar dos indivíduos com os outros e
consigo mesmos. Essa situação desconfortável que a consciência literária
expressa de forma mais próxima da perspectiva existencial do que a crítica
filosófica ou política. O mal-estar abordado na literatura moderna não é uma
abstração ou uma abordagem da superestrutura ou dos mecanismos de dominação e
exploração. O mal-estar é visto na micropolítica do cotidiano (Foucault) ou nas
pequenas formas e modos das relações humanas e da auto representação dos
sujeitos que parecem ter uma consciência cindida em papéis sociais
desagradáveis e personas convenientes ou inconvenientes.
Tem um ponto de determinados
processos existenciais em que não há culpa, arrependimento e nem redenção ou
superação possíveis e, no fundo da consciência iluminada ou muito nítida de
todos nós, mesmo que houvesse cada uma das alternativas acima, não é possível
voltar atrás.
O tempo passou, as coisas
aconteceram do modo como se deram, com maior ou menor compreensão nossa e não
tem volta. Você percebe isso todo o tempo e essa parece uma perspectiva
enlouquecedora para alguns. Depressão, neurose, grosserias e indelicadezas de toda
ordem se apresentam aí.
Acabo de comprar e ler com certa
relutância aborrecida por me frustrar com o que adquiri e a expectativa que
tinha em relação ao material de uma biografia não autorizada de Bukowski. A
decepção que pode ser mitigada por pesquisa e busca de mais informações, foi
por conta da minha percepção pós compra de que o material apresentado deve ter
passado por uma censura prévia e que ele não foi apresentado com o cuidado que
eu esperava, desde a caracterização dos receptores das correspondências até
mesmo notas mais esclarecedoras sobre os conteúdo. E me parece que não são
postas todas as correspondências ali também. Só uma coletânea de curiosidades ao
longo dos tempos de 1945 e 1993 de correspondências entre Bukowski e seus
editores. Em resumo, tenho em mãos um último livro de Bukowski ou, melhor, um
amontoado de cartas dele para os seus editores, cujo título póstumo escolhido é
Escrever para Não Enlouquecer. O título é bem evocativo do que que trato aqui
como um insight muito bom para a literatura moderna.
Esse mote parece se reapresentar
muito para os escritores e escritoras modernos. Tenho uma vasta coleção de
modernos que parecem expressar isso. Não li, é claro, todos os modernos, mas a
lista pequena que possuo já me satisfaz nessa direção. Kerouac, Virginia Woolf,
Salinger, Henri Miller, Kundera, Nabokov e muitos outros. Alguns são muito explícitos
nisso, já outros parecem sobrevoar a questão da loucura como um episódio que só
diz respeito às suas personagens. Mesmo aqueles que enlouquecem expressam essa
dimensão terapêutica também. (Moderno aqui para mim é de Machado de Assis ou
1900 para cá.)
Vejam isso:
"Às vezes cogito como é que
todos os que não escrevem, não compõem ou não pintam conseguem escapar da
loucura, da melancolia, do pânico inerente à condição humana"
Graham Greene
E olha que tem muita gente que
escreve e que faz as outras coisas apontadas por Greene – pintar, tocar uns
instrumentos, cantar e outras artes - que também não escapam da loucura, da
depressão, da melancolia e do desespero. Que de alguma forma enfrentam ela nos
seus processos, por mais serenos e resolvidos, descolados ou bem tratados que
pareçam.
Todos sofrem e precisam mesmo
aprender a lidar com isso para sobreviver e talvez viver melhor.
No caso dos escritores parece
haver uma dinâmica que pode ter resultados múltiplos. Escrever para não
enlouquecer ou escrever e enlouquecer. Escrever sobre as loucuras e tratar
delas quase enlouquecendo. De qualquer modo, vejo que muitos escritores e
escritoras se põem, ao escrever, a enfrentar esses dilemas e essa ambiguidade
ou ambivalências do seu ofício.
Escrevem com sofrimento,
descrevem os sofrimentos e as angustias. Mas não dá para dizer que Freud é
culpado desse viés. Parece que essa angústia e esse sofrer são de fato os motes
da vida moderna como temos que tentar compreender ela.
Essa vida nos coloca em multidões
que parecem multiplicar os impasses, os dilemas, as possibilidades e escolhas,
porém também parece aumentar no tempo certa pressão de algo como
impossibilidades. Isso é o que eu quis dizer com esse aspecto sem volta das
nossas escolhas, não porque não se possa voltar em muitas coisas, escolhas ou
decisões, mas a volta não apresenta jamais as mesmas possibilidades anteriores.
Por isso, esse escrever parece
ser também um ensaio das vidas. A imaginação é mobilizada sobre as matérias e
os elementos da experiência e das vivências do autor ou autora - algumas que
ele ou ela, é bom que se diga, apenas testemunharam - e na fina trama da
escrita são adicionadas as ficções, os codinomes ou códigos que passam a
traduzir algo para uma vida paralela a vida real.
Escrever para não enlouquecer
ganha então um elemento autobiográfico, mas tem também seu elemento de
reparação e/ou mesmo vingança sobre o que ocorre.
Escrever para não enlouquecer
passa então bem longe de uma piada ou de uma brincadeira, pois parece passar a
ser um ofício através do qual se escreve como que para refazer no imaginário
aquilo que se vivenciou, também aquilo que se desejou e também aquilo sobre o
qual erguemos a recusa por intolerável e inaceitável.
P.S.: Esta é a terceira versão deste esboço de tratamento da relação entre literatura e loucura. A primeira versão foi publicada no Facebook, uma segunda mais curta no Instagram, já esta terceira é um poco mais ampliada e detalhada. Pouca coisa se acrescenta. os bastidores desta abordagem são a leitura de Virginia Woolf, um debate sobre o filme As Horas com mais dois professores da rede municipal de educação na quarta feira passada dia 18 de julho de 2018, quatro anos após ter assistido este filme que me jogou para dentro da literatura de forma assombrosa por me incitar a refletir sobre a relação entre ficção e biografia, a questão da subjetividade feminina na literatura e na filosofia e também sobre a relação entre cinema, literatura e filosofia. O texto de Bukowski, autor que eu lia como terapia e descarrego da dureza, aridez e geleira das investigações filosóficas, nos meus últimos três anos de formação em filosofia, para aliviar das reflexões lógicas, metafísicas e éticas - aqui também políticas - li ele também com outros selvagens da literatura americana Beat por influências de Cândido, Alain, Rodrigo, Monstro do Pântano e outros amigos da Casa do Estudante. Depois disso, Kerouac, e os pares Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre, Martin Heidegger e Hannah Arendt me vieram como temáticas de ensaio - estão aqui ainda os produtos mal acabados disso tudo. Leio agora, por fixação temática, tudo que posso sobre Virginia Woolf e outros autores de Bloonsbury que, aliás, são contempoâneos de Ludwig Wittgenstein em Cambridge e, por assim dizer, são a expressão modernista da prosa inglesa que acompanha o surgimneto da filosofia analítica em Bertrand Russel e G. E. Moore. Por fim, todos eles me interessam muito em minha abordagem histórica do modernismo nos anos 20 que me parecem ser um dos momentos mais férteis e interessantes da cultura ocidental. Inclusive no Brasil, no Rio Grande do Sul e na nossa São Leopoldo que também vivia uma certa belle epoque naquele período do centenário da imigração alemã no entre guerras. Nada mais será como naqueles dias, mas talvez tenha algo lá que possa nos ensinar a passar melhor pelos tempos atuais. Assim como, nos tempos terríveis que vivemos é preciso também escrever para lidar com toda essa "loucura" e mal-estar.
P.S.: Esta é a terceira versão deste esboço de tratamento da relação entre literatura e loucura. A primeira versão foi publicada no Facebook, uma segunda mais curta no Instagram, já esta terceira é um poco mais ampliada e detalhada. Pouca coisa se acrescenta. os bastidores desta abordagem são a leitura de Virginia Woolf, um debate sobre o filme As Horas com mais dois professores da rede municipal de educação na quarta feira passada dia 18 de julho de 2018, quatro anos após ter assistido este filme que me jogou para dentro da literatura de forma assombrosa por me incitar a refletir sobre a relação entre ficção e biografia, a questão da subjetividade feminina na literatura e na filosofia e também sobre a relação entre cinema, literatura e filosofia. O texto de Bukowski, autor que eu lia como terapia e descarrego da dureza, aridez e geleira das investigações filosóficas, nos meus últimos três anos de formação em filosofia, para aliviar das reflexões lógicas, metafísicas e éticas - aqui também políticas - li ele também com outros selvagens da literatura americana Beat por influências de Cândido, Alain, Rodrigo, Monstro do Pântano e outros amigos da Casa do Estudante. Depois disso, Kerouac, e os pares Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre, Martin Heidegger e Hannah Arendt me vieram como temáticas de ensaio - estão aqui ainda os produtos mal acabados disso tudo. Leio agora, por fixação temática, tudo que posso sobre Virginia Woolf e outros autores de Bloonsbury que, aliás, são contempoâneos de Ludwig Wittgenstein em Cambridge e, por assim dizer, são a expressão modernista da prosa inglesa que acompanha o surgimneto da filosofia analítica em Bertrand Russel e G. E. Moore. Por fim, todos eles me interessam muito em minha abordagem histórica do modernismo nos anos 20 que me parecem ser um dos momentos mais férteis e interessantes da cultura ocidental. Inclusive no Brasil, no Rio Grande do Sul e na nossa São Leopoldo que também vivia uma certa belle epoque naquele período do centenário da imigração alemã no entre guerras. Nada mais será como naqueles dias, mas talvez tenha algo lá que possa nos ensinar a passar melhor pelos tempos atuais. Assim como, nos tempos terríveis que vivemos é preciso também escrever para lidar com toda essa "loucura" e mal-estar.
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