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terça-feira, 30 de março de 2010

MOISÉS E O MONOTEÍSMO

Este título nos remete ao título de uma obra de Sigmund Freud que possui dois inconvenientes.

"Não desejo suscitar convicção; desejo estimular o pensamento e derrubar preconceitos."

(Freud, 1916-1917, Conferências Introdutórias sobre Psicanálise)

De uma lado, é uma obra tardia de Freud, escrita e elaborada entre 1934 e 1938, ou seja, ele conclui esta obra um ano antes de morrer em Londres (setembro de 1939) e ela é, portanto, póstera a todo o desenvolvimento da psicanálise e também ao tratamento pessimista e aterrador da crise da cultura posto em palavras e orações críticas em O mal estar da civilização de 1930.

Sendo assim, é uma obra não recomendável para quem não conhece o pensamento de Freud ou não frequentou algumas páginas de fundamentação e explicitação da teoria da psicanálise que ele vinha desenvolvendo desde 1880, na sua relação com Breuer e as suas pacientes fundamentais para sua experiência de elaboração científica. Eu mesmo escrevo este texto com um sentimento de insegurança em relação a minha compreensão, mas vou aqui desfiando minhas idéias numa tentativa de aproximação deste complexo tema e texto.

Dito isto, é uma obra tardia, com a desvantagem de ser também uma obra cuja compreensão é dependente de mais psicanálise do que parece à primeira vista e, também, de mais história e pesquisa. É uma obra de reflexão com a audácia de um gênio que avança sobre um domínio sagrado e quase inexpugnável. Uma obra que trata de um tema quase indemonstrável pelos parâmetros científicos racionalistas e positivistas. Por isso um autor considera que o raciocínio de Freud nela é abdutivo, nem indutivo nem dedutivo. Isto é, um raciocínio que tira algo do nada, como um passe de mágica, ou iluminação ou de um quase nada e insignificante traço característico de que Moisés está no Egito 100 anos após uam determinada doutrina ter sido testada e repousado nos escaninhos exotéricos dos palácios dos próximos dos faraós egípcios que sucederam Akhenaton.

Fora isto, é preciso considerar ainda, a descomunal e gigantesca compreensão de Freud sobre a cultura e a tradição ocidental, incluso a sua origem em ruptura lá no Egito, através da libertação dos judeus que Moisés protagoniza como lider espiritual, estrategista político e profeta grandioso.

Nada neste ensaio de Freud pode ser tratado como só palavras e palavras. Vejo nele toneladas de idéias, algumas incluso insuportáveis para a compreensão geralmente rasa que temos de temas como a religião, as raças, culturas e processos históricos de desenvolvimento das civilizações que sempre trazem consigo uma face angelical e uma contraface demoniaca. (de daimon)Isto é , que sempre trazem consigo aquilo que ele vai chamar de um Totem e um tabu. Assim, temos aí um fenômeno religioso encobrindo também um fenômeno antropológico e cultural.

Outro inconveniente que se segue disto é, então, a grandeza do tema e a corajosa abordagem dele protagonizada por Freud. Que enfrenta de mancheia a tradição judaica sacralizada e a tradição historiográfica consagrada sobre os judeus. Disso se seguiu um conjunto grandioso de críticas ao texto de Freud, onde a voz dos especialistas e dos cultuadores se ecoou ao ponto do texto ser pouco abordado e ter bibliografia interpretativa escassa.

Ao contrário de outros comentadores não vejo grande culpa aí num Freud judeu, mas sim num Freud que ousa abordar talvez um dos maiores episódios de fundação de religiões. E faz isto ao fim da vida. Tudo se passa como se ele tivesse que ter esperado todo este tempo para fazer este acerto de contas com sua própria tradição e quiçá - com toda a tradição ocidental como assim me parece ser o caso.

E aqui eu não vejo somente o Judaísmo em seus fundamentos, vejo também o Islamismo e o cristianismo. Afinal o monoteísmo aí é fundacional também de outras religiões o que aponta para a grandeza e a latitude do empreendimento freudiano. Que, na minha visão impressionada, desperta para um tema maior que o da tradição judaica. No título de Freud isto aparece como O Homem Moisés e a Religião Monoteísta ( Der Mann Moses und die monotheistische Religion). A saber o tema do homem na história. Sim senhor. O tema da açõa de um indivíduo na história. Aquele tema que na historiografia tradicional é o tema dos heróis, dos homens ou grandes personagens, mas que na nossa abordagem aqui pode ser considerado provisoriamente como o tema da medida das lideranças e do reconhecimento que elas conseguem obter em suas vidas. Incluso aí, aquilo que elas conseguem fazer em meio à tensa dialética da aceitação eda recusa de sua liderança, suas propostas e objetivos.


A coragem é conhecida pelo fato de Freud ousar dizer duas coisas sobre Moisés que são aparentemente imperdoáveis - como todo ato de coragem é na sua origem e horizonte aliás - primeiro dizer que Moisés é egípcio, ou seja, um egípcio que lidera a libertação dos judeus, segundo dizer que o monoteísmo é uma derivação ou influência (duas palavras carregadas de teoria por sinal) originada da doutrina de Akhenaton - cujo único Deus Aton interrompe durante certo tempo, uma doutrina egípcia zoomórfica, animista e politeísta. Nenhuma grama do que é dito aqui é simples ou é só ísmo.

Na aula de Filosofia (2n1 - 29/03/2010) usei este tema como chave para tratar de dois pares de possíveis perdições filosóficas, a saber, o DOGMATISMO E O RELATIVISMO, ou seja a crença de que há uma só verdade ou a crença de que cada um tem a sua - simplória e resumidamente apresentadas.

Porque havia um fantasma no ar desde a discussão da aula passada de que - por exclusiva responsabilidade minha - não há uma só verdade e que atrás de uma pergunta vem outra ad infinitum o que para todos os efeitos me leva a uma investigação sem respostas e a um trololó sem fim. E isto me deixou pensando por três dias sobre como desembaraçar as idéias desta armadilha da razão que nos leva a sermos incapazes de avançar na reflexão e ao mesmo tempo nos tira a esperança de obter respostas e avançar no conhecimento.

A idéia de usar a figura de Moisés como pedra de toque no ataque ao problema do Relativismo e do Dogmatismo, me foi suscitada num diálogo com a Regina que já havia tratado de Moisés em virtude da sua aula de religião ou ER que abordava a razão de ser da Páscoa. nada como uma ex-catequista e exímia matemática para desafiar a minha lógica e a minha reflexão). Como vocês sabem (sic) a Páscoa é uma data de comemoração judaica sobre a fuga dos Judeus do Egito. E esta foi liderada por Moisés. Na minha analogia trata de nós promovermos uma saída deste dilema filosófico do relativismo e do dogmatismo que é um dilema que nos deixa prisioneiros ou do Sono dogmático da Razão ( como diria Kant) ou de um vale tudo que não vale nada.

Eu comentei que Moisés é sim um personagem de muito respeito afinal tem mais proeza na vida de Moisés - na minha opinião - tem mais enredo, trama e surpresas extraordinárias do que em muitos outros mitos, histórias de heróis ou personagens da literatura. Moisés é um dos maiores - senão o maior personagem da civilização ocidental.

Eu desconfio que é o personagem seminal - o pai de todos - aquele que dá o impulso original e virtuoso para a nossa história ocidental. Nem vou enumerar aqui os sucedidos dele - recomendo até umas reeleituras da Bíblia para tal.

Continuo depois....

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