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sábado, 20 de março de 2021

A SAÚDE DO POVO EM PRIMEIRO LUGAR E O PESADELO DO MEU PAI – 20 DE MARÇO DE 2020

 

A SAÚDE DO POVO EM PRIMEIRO LUGAR E O PESADELO DO MEU PAI – 20 DE MARÇO DE 2020

 

Jamais imaginei que fosse viver uma experiência como essa que estou vivendo hoje com todos vocês.

 

Meu querido e amado pai Antônio, já falecido, um eletricista muito habilidoso e muito, mas muito, querido por seus amigos/as e conhecidos/as, acordou num certo domingo de 1975, se não me engano, muito impressionado, pois tinha tido um pesadelo terrível de que havia ocorrido uma guerra nuclear e que ele tinha passado dias juntando alimento e isolado, da melhor forma possível as janelas e aberturas de nosso apartamento.

 

Ele me contou esse pesadelo quando eu tinha dez anos e era um menino muito mais atento e imaginativo do que sou hoje. Ele contou o sonho com detalhes inesquecíveis para mim. Suponho que contou também para outras pessoas. Algumas que inclusive vão poder ler isso aqui e testemunhar sobre o sonho do Antoninho. Ele, disse inclusive que no sonho havia adaptado um ar condicionado para filtrar o ar com uma espécie de condensador muito especial que impedia a entrada de radiotividade em nosso apartamento. O pesadelo ganhou requintes de detalhes com diversos outros acréscimos dele que envolviam os esforços de todos os moradores do nosso prédio e de nossa cidade em fazer a mesma coisa para se protegerem de uma nuvem de radiotividade gerada no bombardeio acidental entre os EUA e a URSS. O telefone vermelho não funcionou. No final da narrativa desse sonho estavam eu e ele, minha irmã Rachel e meu irmão Rafael sentados no sofá num domingo de manhã com os olhos arregalados e agarrados ao meu pai. Simplesmente porque ele disse que o sonho terminava assim e que quando ele acordou lembrou de tudo porque a última hora ele estava com seus filhos no sofá. Já lembrei desse sonho muitas vezes, mas agora ele faz muito mais sentido. Em parte por que ele não está aqui e eu queria muito que ele estivesse para nós ajudar e nos proteger com seu amor, mas também porque hoje, nessa hora da nossas vidas, eu estou aqui com minha filha Antônia vivendo no mundo real e não num sonho algo muito parecido e que é tão terrível quanto aquele sonho. Espero que as palavras abaixo toquem mais os corações de vocês do que as anteriores.

 

A primeira prioridade agora é a saúde das pessoas e inclusive a saúde mental de todas as pessoas. Temos que olhar para as vidas do nosso povo com muito respeito e cuidado. Ajudar o ministério da saúde, a Secretaria estadual da saúde e a Secretaria Municipal da Saúde a fazer isso é muito importante. Devemos pensar todos que nós vamos sofrer, mas que alguns trabalhadores e trabalhadoras vão sofrer muito também ao cuidar de nós e de nossos familiares e também ao ter que testemunhar o nosso sofrimento e sofrerem juntos diuturnamente. Imaginem isso, meus amigos e amigas.

 

Então evitar o contágio e a disseminação desse vírus é apoiar quem tem a tarefa de combater esse vírus e aceitar que adotar a conduta correta é apoiar aqueles que tem a responsabilidade intransferível de tentar reduzir os danos e o sofrimento do povo brasileiro. E isso vale para funcionários e gestores públicos também.

 

Considero um ato de extrema maldade de alguns que passam o tempo todo tentando desacreditar ou desconstituir o trabalho e o grande esforço dos outros. É um tremendo desrespeito e perversidade. Num momento normal já é grave e injusto, canalha e um sinal de covardia fazer isso, seja através de fake news, seja através de críticas fúteis e levianas, seja através da reprodução de informações erradas ou de distorções dos fatos. Nenhum gestor ou profissional é infalível - diga-se de passagem isso, nenhum de nós é infalível, porém é uma maldade tremenda atacar gratuitamente ou maldosamente os trabalhadores e os gestores públicos por esporte ou irresponsabilidade.

 

Não dá, por isso, para perder tempo em fofocas e nem gastar energia em brigas de bugios ou tentando o tempo todo responder a esses idiotas. Esse tempo precisa muito ser utilizado no encaminhamento de soluções e também de medidas positivas. O irracionalismo desses ataques é tamanho e improdutivo e quem faz isso esquece que a sua vida está praticamente nas mãos, no coração e nas mentes dos trabalhadores e dos gestores. Os trabalhadores do estado das áreas de assistência social e segurança pública, manutenção e distribuição de energia elétrica e água. Também os trabalhadores e trabalhadoras que vão manter a infraestrutura de nossas estradas e outras e aqueles que farão a retaguarda administrativa, financeira e legal dos serviços essenciais de estado.

 

E isso inclui também trabalhadores de pequenas, médias e grandes empresas privadas, como  por exemplo, os motoristas de ônibus, o pessoal da limpeza pública, os trabalhadores da segurança pública privada, os trabalhadores dos postos de gasolina, as cozinheiras, os porteiros e porteiras, os condutores de trens, todo esse gigantesco exército de trabalhadores que irá manter os serviços essenciais enquanto nós nos protegemos do vírus trancados em casa. Pensem em todos eles e agradeçam a dedicação deles. Protejam eles, protegendo a vocês também. Tenham respeito. Eu tenho certeza que seremos mais fortes juntos e colaborando uns com os outros.

 

Precisamos ser muito solidários e firmes. Isso vai dividir definitivamente o joio do trigo entre nós, mas poderá também educar nossos filhos e filhas, aliviar a dor de muitos e a nossa.

 

O Brasil está em alerta máximo. Esse alerta não é fantasia ou histeria. É real. Quem não entende isso está em negação. E essa negação fará muito mal a eles e seus próximos, mas também aos desconhecidos e anônimos que vão tentar nos proteger, nos servir, nos cuidar e nos salvar. Pensem muito nisso.

 

Todas as posições do Ministério da Saúde recomendam que as pessoas vão para casa e fiquem em casa nesses próximos 15 dias. E apesar do presidente trapalhão e dos seus seguidores irresponsáveis, isso está absolutamente correto e devemos acatar isso em respeito a todos os brasileiros independentemente de nossos gostos e preferências.

 

Muitos estados tomaram medidas atrasadas e outros bem avançadas para impor isolamento, recolhimento e quarentena. Onde isso né foi acatado o resultado será pior, muito pior. Mas será dolorido para todos. Não vamos escapar dessa dor.

 

Muitos municípios parecem estar esperando e outros estão agindo. Ora, penso que o problema econômico será muito maior se aumentar o contágio e a disseminação do vírus.

 

Até mesmo para recuperar a economia, quanto menor for o impacto em massa do vírus, melhor será a recuperação porque os prejuízos na rede de saúde também vão para a conta humana e econômica. E o sofrimento não será só simbólico, será real e trará danos às famílias, aos colegas de trabalho e aqueles que prezam por suas relações sociais e humanas.

 

Então, meus amigos e amigas que tem empresas não essenciais, nos ajudem, pensem em tá dia nós e fechem tudo e só mantenham serviços essenciais de segurança, saúde, assistência e garantam a distribuição e comercialização de alimentos e o seu transporte.

 

Garantir a circulação somente em extrema necessidade ou para garantir esses serviços prioritários e o abastecimento necessário para a sobrevivência de seus familiares ou dependentes.

 

Devemos cuidar muito uns dos outros e usar esse momento para fortalecer nossos laços e nossa humanidade.

 

E enfim pessoal, estaremos todos nós no mesmo sofá abraçados num domingo de manhã esperando esse pesadelo acabar com nossos filhos e filhas, com nossos irmãos e irmãs, com nossos pais e avós, com primos e amigas, colegas e desconhecidos.

 

Podemos nos salvar muito mais fácil juntos e com esse sentimento de solidariedade, carinho e conforto. Mesmo na distância e isolamento necessários, mas que por aqui nos coloca definitivamente tão distantes, mas tão próximos uns dos outros.

 

Com esperança, com muito respeito e carinho, muito obrigado.

 

In memoriam de meu pai Antônio Boeira Sobrinho (1941-2012) que completaria 79 anos em 14 de abril de 2020.




 

P.S.: A imagem é do meu pai em 1997. Retirada de uma entrevista ao Jornal Vale dos Sinos em que ele explicava a reforma da Sociedade Orpheu e a nova instalação elétrica que ele estava realizando como eletricista, 40 anos após ter feito a instalação elétrica em 1957 como aprendiz de eletricista aos 16 anos de idade. Meu pai veio para São Leopoldo de Vacaria, onde nasceu em 1941, em busca de uma vida melhor. Aqui estudou, viveu e trabalhou a vida inteira. Começou a trabalhar de eletricista com seu tio homônimo Antônio Boeira, fez um curso técnico no Instituto Parobé e atuou nessa profissão até seu último ano de vida, antes de um AVC cerebral em meio a uma cirurgia de implante de uma segunda prótese no quadril.

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