A SAÚDE DO POVO EM PRIMEIRO LUGAR
E O PESADELO DO MEU PAI – 20 DE MARÇO DE 2020
Jamais imaginei que fosse viver
uma experiência como essa que estou vivendo hoje com todos vocês.
Meu querido e amado pai Antônio,
já falecido, um eletricista muito habilidoso e muito, mas muito, querido por
seus amigos/as e conhecidos/as, acordou num certo domingo de 1975, se não me
engano, muito impressionado, pois tinha tido um pesadelo terrível de que havia
ocorrido uma guerra nuclear e que ele tinha passado dias juntando alimento e
isolado, da melhor forma possível as janelas e aberturas de nosso apartamento.
Ele me contou esse pesadelo
quando eu tinha dez anos e era um menino muito mais atento e imaginativo do que
sou hoje. Ele contou o sonho com detalhes inesquecíveis para mim. Suponho que
contou também para outras pessoas. Algumas que inclusive vão poder ler isso
aqui e testemunhar sobre o sonho do Antoninho. Ele, disse inclusive que no
sonho havia adaptado um ar condicionado para filtrar o ar com uma espécie de
condensador muito especial que impedia a entrada de radiotividade em nosso
apartamento. O pesadelo ganhou requintes de detalhes com diversos outros
acréscimos dele que envolviam os esforços de todos os moradores do nosso prédio
e de nossa cidade em fazer a mesma coisa para se protegerem de uma nuvem de
radiotividade gerada no bombardeio acidental entre os EUA e a URSS. O telefone
vermelho não funcionou. No final da narrativa desse sonho estavam eu e ele,
minha irmã Rachel e meu irmão Rafael sentados no sofá num domingo de manhã com
os olhos arregalados e agarrados ao meu pai. Simplesmente porque ele disse que
o sonho terminava assim e que quando ele acordou lembrou de tudo porque a última
hora ele estava com seus filhos no sofá. Já lembrei desse sonho muitas vezes,
mas agora ele faz muito mais sentido. Em parte por que ele não está aqui e eu
queria muito que ele estivesse para nós ajudar e nos proteger com seu amor, mas
também porque hoje, nessa hora da nossas vidas, eu estou aqui com minha filha
Antônia vivendo no mundo real e não num sonho algo muito parecido e que é tão
terrível quanto aquele sonho. Espero que as palavras abaixo toquem mais os
corações de vocês do que as anteriores.
A primeira prioridade agora é a
saúde das pessoas e inclusive a saúde mental de todas as pessoas. Temos que
olhar para as vidas do nosso povo com muito respeito e cuidado. Ajudar o
ministério da saúde, a Secretaria estadual da saúde e a Secretaria Municipal da
Saúde a fazer isso é muito importante. Devemos pensar todos que nós vamos
sofrer, mas que alguns trabalhadores e trabalhadoras vão sofrer muito também ao
cuidar de nós e de nossos familiares e também ao ter que testemunhar o nosso
sofrimento e sofrerem juntos diuturnamente. Imaginem isso, meus amigos e
amigas.
Então evitar o contágio e a
disseminação desse vírus é apoiar quem tem a tarefa de combater esse vírus e
aceitar que adotar a conduta correta é apoiar aqueles que tem a
responsabilidade intransferível de tentar reduzir os danos e o sofrimento do
povo brasileiro. E isso vale para funcionários e gestores públicos também.
Considero um ato de extrema
maldade de alguns que passam o tempo todo tentando desacreditar ou
desconstituir o trabalho e o grande esforço dos outros. É um tremendo
desrespeito e perversidade. Num momento normal já é grave e injusto, canalha e
um sinal de covardia fazer isso, seja através de fake news, seja através de
críticas fúteis e levianas, seja através da reprodução de informações erradas
ou de distorções dos fatos. Nenhum gestor ou profissional é infalível - diga-se
de passagem isso, nenhum de nós é infalível, porém é uma maldade tremenda
atacar gratuitamente ou maldosamente os trabalhadores e os gestores públicos
por esporte ou irresponsabilidade.
Não dá, por isso, para perder
tempo em fofocas e nem gastar energia em brigas de bugios ou tentando o tempo
todo responder a esses idiotas. Esse tempo precisa muito ser utilizado no
encaminhamento de soluções e também de medidas positivas. O irracionalismo
desses ataques é tamanho e improdutivo e quem faz isso esquece que a sua vida
está praticamente nas mãos, no coração e nas mentes dos trabalhadores e dos
gestores. Os trabalhadores do estado das áreas de assistência social e segurança
pública, manutenção e distribuição de energia elétrica e água. Também os
trabalhadores e trabalhadoras que vão manter a infraestrutura de nossas
estradas e outras e aqueles que farão a retaguarda administrativa, financeira e
legal dos serviços essenciais de estado.
E isso inclui também
trabalhadores de pequenas, médias e grandes empresas privadas, como por exemplo, os motoristas de ônibus, o
pessoal da limpeza pública, os trabalhadores da segurança pública privada, os
trabalhadores dos postos de gasolina, as cozinheiras, os porteiros e porteiras,
os condutores de trens, todo esse gigantesco exército de trabalhadores que irá
manter os serviços essenciais enquanto nós nos protegemos do vírus trancados em
casa. Pensem em todos eles e agradeçam a dedicação deles. Protejam eles,
protegendo a vocês também. Tenham respeito. Eu tenho certeza que seremos mais
fortes juntos e colaborando uns com os outros.
Precisamos ser muito solidários e
firmes. Isso vai dividir definitivamente o joio do trigo entre nós, mas poderá
também educar nossos filhos e filhas, aliviar a dor de muitos e a nossa.
O Brasil está em alerta máximo.
Esse alerta não é fantasia ou histeria. É real. Quem não entende isso está em
negação. E essa negação fará muito mal a eles e seus próximos, mas também aos
desconhecidos e anônimos que vão tentar nos proteger, nos servir, nos cuidar e
nos salvar. Pensem muito nisso.
Todas as posições do Ministério
da Saúde recomendam que as pessoas vão para casa e fiquem em casa nesses
próximos 15 dias. E apesar do presidente trapalhão e dos seus seguidores
irresponsáveis, isso está absolutamente correto e devemos acatar isso em
respeito a todos os brasileiros independentemente de nossos gostos e
preferências.
Muitos estados tomaram medidas
atrasadas e outros bem avançadas para impor isolamento, recolhimento e
quarentena. Onde isso né foi acatado o resultado será pior, muito pior. Mas
será dolorido para todos. Não vamos escapar dessa dor.
Muitos municípios parecem estar
esperando e outros estão agindo. Ora, penso que o problema econômico será muito
maior se aumentar o contágio e a disseminação do vírus.
Até mesmo para recuperar a
economia, quanto menor for o impacto em massa do vírus, melhor será a
recuperação porque os prejuízos na rede de saúde também vão para a conta humana
e econômica. E o sofrimento não será só simbólico, será real e trará danos às
famílias, aos colegas de trabalho e aqueles que prezam por suas relações
sociais e humanas.
Então, meus amigos e amigas que
tem empresas não essenciais, nos ajudem, pensem em tá dia nós e fechem tudo e
só mantenham serviços essenciais de segurança, saúde, assistência e garantam a
distribuição e comercialização de alimentos e o seu transporte.
Garantir a circulação somente em
extrema necessidade ou para garantir esses serviços prioritários e o
abastecimento necessário para a sobrevivência de seus familiares ou
dependentes.
Devemos cuidar muito uns dos
outros e usar esse momento para fortalecer nossos laços e nossa humanidade.
E enfim pessoal, estaremos todos
nós no mesmo sofá abraçados num domingo de manhã esperando esse pesadelo acabar
com nossos filhos e filhas, com nossos irmãos e irmãs, com nossos pais e avós,
com primos e amigas, colegas e desconhecidos.
Podemos nos salvar muito mais
fácil juntos e com esse sentimento de solidariedade, carinho e conforto. Mesmo
na distância e isolamento necessários, mas que por aqui nos coloca
definitivamente tão distantes, mas tão próximos uns dos outros.
Com esperança, com muito respeito
e carinho, muito obrigado.
In memoriam de meu pai Antônio
Boeira Sobrinho (1941-2012) que completaria 79 anos em 14 de abril de 2020.
P.S.: A imagem é do meu pai em
1997. Retirada de uma entrevista ao Jornal Vale dos Sinos em que ele explicava
a reforma da Sociedade Orpheu e a nova instalação elétrica que ele estava
realizando como eletricista, 40 anos após ter feito a instalação elétrica em
1957 como aprendiz de eletricista aos 16 anos de idade. Meu pai veio para São
Leopoldo de Vacaria, onde nasceu em 1941, em busca de uma vida melhor. Aqui
estudou, viveu e trabalhou a vida inteira. Começou a trabalhar de eletricista
com seu tio homônimo Antônio Boeira, fez um curso técnico no Instituto Parobé e
atuou nessa profissão até seu último ano de vida, antes de um AVC cerebral em
meio a uma cirurgia de implante de uma segunda prótese no quadril.
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