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domingo, 7 de maio de 2017

SOBRE O ESTADO DE COISAS NO BRASIL E SUAS PERSPECTIVAS E SAÍDAS: THE BURNING QUESTION

Meu bom amigo, ótimo fotógrafo e professor de filosofia, Luiz Felipe Sahd, postou no seu perfil do Facebook, após a greve geral, o seguinte texto ou comentário:

"Breve comentário: após o golpe de Estado e a instauração do estado de exceção judicial, fiquei descrente em relação a possibilidade de construir uma sociedade mais democrática que superasse aos poucos o direito penal do inimigo no trato das relações sócio jurídicas entre os mais pobres, a grande maioria da população. Mas depois de hoje, da greve geral, mesmo mantendo a falta de otimismo, começo a achar que o outro lado também começa a perder o otimismo. Isso pode ser positivo."

De certa forma hoje, todos que reagiram contra o golpe, alguns com mais otimismo e a maioria extremamente pessimista, pelo quadro desenhado e pelos atos e expressões que o acompanharam, olham para o horizonte com um pessimismo crescente e muita angustia e desalento. O que Luiz Felipe expressa é que agora, com a greve geral, mesmo os golpistas ou defensores da agenda golpista, passam a perder seu otimismo ufanista e exaltado. Ou seja a arrogância golpista passa a andar um pouco envergonhada.  

Pois, a cada dia que passa, se exibe mais nitidamente e escandalosamente a face vergonhosa e a disposição e o revanchismo, as hostilidades e absurdos, que a confraria golpista aplica duramente e impiedosamente contra a democracia e as instituições, os direitos dos trabalhadores e cidadãos e contra o patrimônio nacional, ficam mais e mais escancarados. E não é por falta de reação que eles fazem isso. Existem reações diversas, protestos, greves e manifestações por todo lado de descontentamento. Mas eles detém o poder e os poderes de certa forma. Mas sim pelo seu caráter usurpador e a baixa qualidade das ações dos usurpadores e a sua completa indiferença às repercussões e a sua blindagem midiática e ideológica, parece que nada vai mudar o curso das coisas e das ações. Vemos exemplos disso em toda a parte. Em Ministérios, em Tribunais, Parlamentos e Governos.

Creio que a situação começa a se reverter, porém, no sentido de que o “outro lado” parece recuperar terreno, mas que o povo de fato só os engole, porque não vê outra saída, não há outra alternativa. Porém, é preciso reconhecer que continuam sob suspeita, com uma crise de confiança e credibilidade que ainda não foi superada. Uma terceira via, porém, ao contrário do que imaginam seus players e apostadores, sofrerá também os mesmos riscos já postos à oposição atual e à situação atual. Não há um caminho neutro e defeso em relação ao grau de acirramento anterior a eleição ou posterior. Toda ilusão sobre isto precisa ser dissolvida para que o quadro real seja compreendido de fato e superado. Defendo aqui que não vai haver superação disso sem mudanças nos modos generalizados.

Eu ainda ando, portanto, sim muito pessimista, mesmo após ter lutado e continuar lutando e tentado reconstruir com meus companheiros e companheiras nosso patrimônio político. Apesar de termos realizado uma grande vitória em nossa cidade – São Leopoldo no Rio Grande do Sul - ainda vejo um quadro duro no futuro, duríssimo.

Mesmo que Lula consiga ser candidato e vença, o que não é nada impossível pela sua força no imaginário e pela sua capacidade efetiva de liderar a política em qualquer tempo, pelo nível de hostilidades, intolerância e pela falta de escrúpulos da oposição, talvez seja mesmo necessária uma solução autoritária para debelar toda a instabilidade e insustentabilidade política do país. E isto é um marco e um desafio muito ruim para todos os brasileiros. Não é uma alternativa nada agradável. É uma alternativa pesada, de alto custo, com muitos riscos, porém, não vejo mesmo outra. Pela esquerda ou pela direita, e mesmo pelo centro, portanto, esse parece o único caminho para sair do atoleiro em que fomos enfiados pela inconseqüência e irresponsabilidade de muitos agentes do cenário político e institucional brasileiro. É isso o motivo pelo qual escrevo agora sobre este tema. Sobre esta questão ardente que toca de fato a todos.

Vai ser muito difícil, com isto ou sem isto, conquistar estabilidade política e democracia plena de novo. Porque o animus beligerandi dissolve todo e qualquer espaço de convívio e de equilíbrio nas relações políticas e sociais e nos laços de confiança necessários para uma democracia.

Imagino uns dez anos ou vinte anos de reconstrução dolorosa ou de trágica perseguição deste objetivo no país. E a hipótese de reconstrução, que é a mais lógica e desejável, anda muito inviabilizada, porque a forma como os direitos são atacados, as cenas de violência institucional e verbal, a lanheza inescrupulosa da situação é sintoma de que eles já atravessaram o rubicão do bom senso faz tempo.
Uma idosa de 82 anos, que viveu a Segunda Guerra na Europa em sua infância, ao tratar do que ocorre no Brasil hoje, e vislumbrar a mesma perspectiva negativa que eu vejo e que ela também avista, me olhou e me questionou hoje. Se eu não ia fazer nada. Eu só respondi para ela: não posso fugir! Não posso abandonar o pais, minha família e filhas e ir embora deste filme e cenário. Não há refúgio possível. O exílio seria vergonhoso. A busca de uma vida melhor, seria moralmente um gesto de covardia para mim.

O quadro porém é péssimo e o golpe mostrou isso e a agenda golpista vai agravando isso. Poucos conseguem olhar para o quadro geral e negar que é gravíssima a situação. E, porém, apesar de tudo pelo que temos passado, ainda existem alguns companheiros e companheiras de esquerda que parecem fingir que nada aconteceu. Atuam na institucionalidade como se o cenário futuro fosse seguro e os males do passado contornáveis. Para eles, parece que basta a busca de apoio na sociedade, a busca de votos e que tudo será reconstruído com uma vitória eleitoral. Mesmo na relação entre companheiros, vejo que a coisa continua ruim. As relações deterioradas, os personalismos, os métodos de ruptura do debate sério, a retórica pseudo ideológica, as disputas por espaços em qualquer tipo de aparelho, continuam. Os velhos métodos continuam em ação. O povo nos apóia, porém, por isso mesmo, com uma certa desconfiança ma non troppo, dura e de doer que só será superada com mudança de método e de postura. E isto, porém, não tem ocorrido na cabeça de alguns, mesmo com toda a derrota que colhemos em 2016, alguns ainda se comportam como se estivéssemos em um jogo normal. Qualquer um que fale e dialogue com os cidadãos de forma livre e não doutrinária, sem dogmatismo ou imposição de opinião, sem excessos descabidos, sabe o que o povo, o cidadão e a cidadã pensa. “Conhecemos vocês, mas parece tudo igual.” Esse juízo está plantado na cabeça das pessoas. E não se pode mesmo atribuir tudo à grande mídia ou à uma grande lavagem cerebral. Algo de fato ocorreu e foi testemunhado pelos cidadãos e cidadãs.

É neste quadro que eu penso agora. Vencendo com Lula o nosso “que fazer?” será muito, mas muito arriscado. A lógica atual implantada e generalizada é o vale tudo pelo poder e o matar ou morrer assanha muitos em várias posições. A perda total de escrúpulos, empurra os cidadãos, a sociedade e o estado para um endurecimento cada vez maior. Não deixo, porém, de crer que neste cenário duro, talvez Lula seja realmente o líder político com maiores escrúpulos, mesmo após ter vivido o terrível pesadelo e perseguição covarde e impiedosa que tem vivido.

Caso Lula vença, até mesmo pelo nível de covardia que ele tem sofrido diuturnamente, vão com certeza tentar derrubar ele e não há, também, nenhuma perspectiva de que Lula se eleja com uma maioria de deputados e senadores que vão dar estabilidade ao seu governo. Nem a estratégia diplomática, de negociação e conciliação serve mais agora ou resolve o problema. A boa fé e a confiança no outro foi diluída. Força para derrubar os vícios não resolvidos e que não vão nos sustentar mais, é o que é necessário. E isto, como alternativa positiva, só será possível se forem reconstituídos certos valores intrínsecos à democracia.

Em teoria política, John Locke – talvez um dos maiores gênios políticos que já pisou nesta terra - fala em trust, quando trata de confiança. Para ele é isto que constitui os laços necessários entre os diferentes e os adversários. Isso é o que foi quebrado no Brasil. Não há mais trust no Brasil. E como se você não pudesse dar inicio a um debate ou a um jogo por falta de confiança de que o outro vá responder à altura e com qualidade. As respostas a qualquer lançamento ou proposição alternativa vem sempre com baixa qualidade e são em sua maioria desrespeitosas e intolerantes, inescrupulosas e vis. E alguns se prestam a reproduzir elas no espírito do “é isso mesmo”. E vão junto nesta lógica pelo efeito manada e orientados por uma paixão com gosto por soluções absolutas e definitivas, sem sequer pensar no curso perigoso destas preferências e paixões

A democracia é absolutamente insustentável sem laços e sem tolerância. Os pleitos eleitorais no Brasil ganharam uma dimensão muito ruim no último período. Alguns porque não sabem perder e outros porque vencem somente com marketing e sonegam seus programas vendendo ilusões de inocência e bom mocismo. E quando governam, é aquela desgraceira e irresponsabilidade eivada de choque de excelência, show de competência e muita barbaridade e absurdos na gestão pública. A regra geral dos perdedores agora não é mais fazer oposição, disputar projetos, mas derrubar à qualquer titulo ou pretexto, os eleitos. Não se aceitam os resultados e se prossegue tentando impugnar a representatividade e a legitimidade dos eleitos. Perdemos completamente o fair play. E com isto se ergue e se propaga a intolerância, o revanchismo e as hostilidades ilimitadas entre todos.

E a tolerância e os laços dissolvidos são de difícil resgate. Este resgate envolve resgate de valores. O que só se resolve com grandes valores para todos. É necessário, então, que todos queiram ou que a maioria dominante ou dos dois lados ou três da disputa queira e não basta mesmo que só uma facção ou fração queira.

É a falta de uma força de fé no futuro que atormenta este pais. Isso é justamente com o que nos debatemos negativamente em nossa discussão aqui agora no Brasil. Não há nenhuma expectativa mais de ações virtuosas de parte a parte. Isso é o fundo do poço de uma sociedade deteriorada. As hostilidades e a falta de boa vontade para desarmar elas, a falta de limite nas hostilidades e o abandono completo de qualquer forma de elegância nas disputas. A lógica do usurpador comtaminou a sociedade de uma perda completa dos escrúpulos. Ao assistir algumas sessões no Senado e na Câmara de Deputados, nas Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores vemos os mesmos sinais.

Porque está fé no futuro está dissolvida? Sabemos. Como reconstruí-la é o nosso problema. É isso o que me preocupa no texto do Luiz Felipe. Sim, os dois lados sentem que a situação está péssima, mas não há nenhuma iniciativa ou perspectiva de reversão. O que vemos é os golpistas aplicando um plano à revelia da grande maioria da sociedade. E toda a sociedade assiste isto, este espetáculo autocrático e autoritário, com reações que não obtém eco algum. Não há assentimento para a agenda golpista e mesmo assim ela persiste de forma assombrosa sendo aplicada pelo governo de modo irresponsável e irrazoável.

O país está dividido em três grandes facções. Duas partes intolerantes e uma que quer evitar ao máximo está refrega, fugir ou somente se proteger disso. É esta parte que se dobra e se vende fácil para a direita e fica corajosa contra a esquerda. No fundo, eles não temem a esquerda e por isto não respeitam a esquerda. Olha para esquerda como um conjunto de sonhadores, como uma fração de incapazes pela lógica das crenças plantadas e entranhadas na opinião pública e mesmo que a esquerda esteja certa, persistem submissos à agenda golpista. Rejeitam a agenda em todas as pesquisas de opinião, mas não dão o passo em frente de repudiar publicamente esta agenda. Roda a roda e não produzem posições públicas. Se mantém alguns ainda muito tímidos e recuados, para não dizer omissos. Porém, não haverá água que lave as suas mãos, quando o inferno social brasileiro se consagrar. Eles olham para o quadro geral como se fosse apenas um caso de não chorar pelo leite derramado. Porém, é de outra cor a substância que escorre de suas omissões e indiferenças.

Esta parte, que era bem mais tímida no passado, está solta no espaço virtual e ultra-pragmática e repete a retórica golpista no mundo real. Legítima o golpe pelo é isso mesmo também. Está difícil reconstruir, então, uma posição sensata na sociedade. Com as igrejas e seitas crescendo – e todo respeito meu vai aqui para aqueles que efetivamente e responsavelmente não fazem isso - só aumenta a intolerância e o fanatismo. E isso leva aquelas fantasias conhecidas de dar solução absoluta e final para qualquer tipo de problema. Isso tem seduzido uma parte da sociedade.

Acho que é bom vacinar as pessoas neste quadro e contra as perspectivas negativas de cenário futuro. Até porque mesmo uma terceira via corre os mesmos riscos autoritários. E isso não é vantajoso para ninguém. Só para os insensatos. E ninguém razoável quer ser governado por insensatos. Este é o extremo risco que corremos. Sermos governados por insensatos e de forma insensata e sofrer um avanço autoritário na relação entre estado e sociedade no Brasil. Vejam que isto já ocorre claramente em muitos estados e cidades e que o modus operandi do governo federal no congresso, segue claramente a mesma lógica. Nem vou, porém, falar nada do judiciário desta vez. Porque dispensa completamente comentários e considerações de qualquer natureza. Enfim, esta é a questão ardente e que interessa a todos responderem no Brasil: como superar o quadro atual e o animus beligerandi atual do nosso pais?



NO TRUST
NO FUTURE
THIS IS A BURNING QUESTION

Daniel Adams Boeira

São Leopoldo, 5 de maio de 2017.


P.S.: O texto é resultado de diversos diálogos sobre a conjuntura nacional que desde o ano passado tenho realizado. Grandes amigos e amigas, alunos e alunas, colegas e profissionais de educação, jornalismo, agentes políticos e militantes sociais e sindicais. Também empresários e setores médios que passam a reagir contra os descalabros do governo Temer. Donas de casa, país de família e trabalhadores que tem memória histórica da ditadura militar. Muitos poderão ser citados aqui por que apontaram uma ponta ou outra deste meu texto literário que não passa de um encordoamento de impressões e ideias de muitos. Agradeço... Espero que o conteúdo do texto seja realmente uma ficção nossa. A questão interna ao PT, que evitei expressar aqui, apesar das críticas apresentadas, no fundo, é para mim mais ou menos assim: Acho que a questão real é Muda PT, por que o povo brasileiro quer voltar a confiar em você.

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