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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

DA GENEROSIDADE - REESCRITO E AMPLIADO

"É somente a história de nossas generosidades que torna este mundo tolerável. Não fosse por isso, pelos efeitos de palavras generosas, olhares generosos, cartas generosas...eu me sentiria inclinado a imaginar que nossa vida é uma peça que nos pregaram com o pior gosto possível."

Robert Louis Stevenson

Esta citação encaixa perfeitamente no que eu ando pensando sobre as possibilidades de manter a nossa humanidade e as relações entre os seres humanos em bom termo e sobre como mantemos, com mudanças e sem desastres maiores, apesar das tragédias, acidentes e fatalidades, nossas vidas em comum. Encaixa também no desafio constante de suportar e superar as dificuldades da vida e dos nossos ofícios sociais e mostra uma espécie de princípio de ação e de modo de ação perante a realidade e os nossos próximos, estranhos ou incompreendidos.

E me toca mais ainda agora e também pelo fato de que deveria ou é muito desejável que exista alguma coisa que tornasse tudo que vemos, ouvimos, sofremos, fazemos e vivemos, mais suportável e com mais sentido. Pois também observo na generosidade a atitude com tal poder como Stevenson mas vejo nela um alcance superior.

E eu sei que ali onde há resistência e reação de qualidade, com valores e concepção e muita prática, aos absurdos perpretados e sofridos pelos seres humanos e contra os seres humanos neste mundo, deve haver alguém ou mais de uma pessoa que aborda a realidade com certa esperança e com extrema dedicação. Sei que se tornar - não por anestesia ou fantasia - a realidade mais suportável, colocar as dificuldades em sua medida mais exata e superar é algo bom para todos. Sei também que - não pela pressão das necessidades que é até suportável - mas pela cadeia intensa e muito composta de crises que uma vida adulta acaba por enfrentar por responsabilidade e se socorrendo da maior lucidez e solidariedade possível aparece certa generosidade que nos ajuda.

Todos devem ter tido a experiência um dia de receber tal coisa sob a forma de compreensão, apoio, socorro e tranquilidade de outra pessoa em certos momentos difíceis ou de sufoco. A gente olha para a pessoa e para si mesmo e tem uma espécie de golfada de ar e oxigênio que nos faz retomar ou redirecionar nossa atitude em relação àquela dificuldade.

A generosidade que Stevenson parece apontar ai é algo identificável sim, que parte de endereço certo e nós sabemos todos ou deveríamos saber e perceber o seu valor e sua medida de importância em nossas vidas.

Ainda há, sabemos aqueles que não entendem isto, não reconhecem isto e não aceitam, isto. Tenho muita pena das pessoas que são cegas para este aspecto, que não percebem seus efeitos e que não tomam disto a lição de que ser generoso é uma disposição necessária à nossa saúde mental e vida social. Mesmo com aqueles que erram, que reincidem, repetem o erro e também que desencaminham ou desrespeitam sempre cabe uma atitude de virar a página e ser generosos, porque isso sempre há de melhorar os ânimos acalmar os espíritos mais perturbados pelo carrossel de emoções e tocar nas almas dormentes que vivem sob a intensa direção de um egoísmo indiferente ou cego para a nossa dependência social e dos outros.

E, além disso, há para mim uma outra generosidade, esta pequena generosidade cotidiana que acontece aqui e ali ao longo dos dias, a generosidade de anônimos, a generosidade que não diz seu nome nem assina no final, a generosidade que muitas vezes parece oculta em um juízo ou decisão, aquela generosidade que permeia um juízo ou decisão coletiva que leva a um conceito generoso e esperançoso.

Nós - falo aqui a partir da minha categoria profissional - que lecionamos e que lidamos com crianças, jovens e adultos, que temos colegas que vivem situações de crise e mesmo nós que vivemos situações de crise - nosso exemplo e situação salarial atual é algo muito desesperador para nós - aprendemos na escola a compreender, analisar e superar as situações, aprendemos a registrar as situações e a virar as páginas dos registros, dando sempre oportunidade para a recomposição e a retomada de uma relação em patamares ou sob condições melhores. Vivemos a necessidade permanente de ser generosos e compreensivos, resistimos todos ao impulso fácil de descarte ou abandono dos outros seres humanos. Encaramos situações em que temos vontade de correr na direção oposta e nunca mais lidar com aquilo, mas aprendemos a enfrentar e eu penso mesmo que só a generosidade para com os outros seres humanos, calcada numa certa esperança de dias melhores e, também, no meu caso isso é muito marcante e decisivo, porque eu sei que se existem problemas podem haver problemas piores e sempre tento diminuir o "tamanho do monstro" como uma atitude psicológica inicial para adequar minhas emoções e minha resposta à necessidade real e objetiva, não respondendo mais tão rapidamente guiado por opiniões ou sentimentos excessivos ou exagerados.

Sim, eu imagino que a generosidade deva aparecer e ser posta como princípio de correção e de equilíbrio, de senso de medida e adequação em muitos juízos nossos - evitando os já conhecidos e discutidos por mim em várias situações absurdos decorrentes de uma tentativa de julgar o mundo,a s pessoas e as coisas a partir de princípios, metas e exigências absolutas e inegociáveis - e até mesmo em pleitos eleitorais, quando as pessoas em sua maioria guiam seus juízos por algo deste tipo.

E esta generosidade me parece ser fundamental para a aplicação de algo como um princípio de correção e justiça, adequação e cuidado, com os outros e com valores, com vidas e humores, como projetos e programas e é o que me parece dar alento, me dar um certo fôlego repentino à nossa gigantesca esperança de um mundo melhor. E é tal generosidade que há de reparar muitos erros cometidos e que não precisam ser apontados todos os dias como forma de ampliar a tortura e a culpa daqueles que estão como nós tentando entender, acertar e viver, apesar de seu parco impulso generoso, compreensivo e determinado.

Avançando e concluindo a metáfora aqui: nós parecemos seres em um oceano que antes de sermos completamente afogados e nos perdermos nas profundezas do mar, recebemos um sopro de ar e de vida que nos faz continuar a nadar e procurar uma direção para nossas vidas. E com generosidade, mais paciência, sabedoria e inteligência será mais fácil suportar a travessia, chegar em terra e retomar uma vida menos prejudicada e menos abalada por percalços ou turbilhões de nossa existência. Assim, a generosidade é também um gesto de amor ao próximo e para si mesmo, porque há de ser mais feliz aquele que se mantem haja o que houver como capitão de sua alma e no governo de sua vida.

Bom Domingo, para aqueles que ainda tem generosidade e esperanças!


Obs.: a citação de Stevenson encontra-se em JAMISON, Kay Redfield. Mentes Inquietas, p. 174. op. cit. outros dias por aqui.

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