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domingo, 22 de janeiro de 2017

FINITUDE E VERDADE

A verdade mais radical e incontestável da nossa carne e da nossa alma é a sua finitude. Ambas vão deixar de existir. Com a carne isto é mais evidente. Já a alma resiste a reconhecer isto porque possui o privilégio de ter suas operações marcadas por certa imaterialidade. De qualquer modo ambas vão ao longo da vida sendo resumidas, vão se diminuindo e dando sinais de que a finitude acaba por se alcançar e as atingir em algum momento. A carne e os ossos - nosso corpo, nosso veículo - vai perecendo e vamos com muita facilidade nos dando conta, por nossa alma ou em nossa sede reflexiva, que o fim dá seus sinais. Não se consegue mais fazer certas coisas, resolver certos problemas, nossas ações e movimentos vão sendo limitados e restritos e não se consegue mais fazer grandes escolhas e vamos ficando com uma percepção clara de que somos aos poucos e às vezes violentamente sendo limitados e resumidos.

A liberdade que elogiamos e da qual nos vangloriamos por haver um dia conquistado ou tido a impressão de possuir, nos contempla e ri de nossas vãs ilusões. Quando entendemos isso passamos a compreender e ter piedade do próximo porque vemos nele nosso futuro ou nele o seu passado que já foi nosso presente. Vem vindo a morte - o assador e suas facas afiadas - e o infinito começa a nos assombrar não porque é escuro, porque é um pesadelo, porque é o inferno ou promete mais dor, mas porque sentimos que deve haver um paralelo entre o corpo e a alma.

Que se o corpo vai desaparecendo e perdendo funções e habilidades, vai sendo limitado e de certa forma extinto, também nossa alma pode ir perdendo aspectos que só a nos pertencem. A extinção da memória ou a extinção da mobilidade que aparecem nestes dois males da velhice e que em alguns caos aparecem precocemente parecem anunciar isto.

Assim, quase nada de cada um de nós vai restar no tempo e no espaço e isso é algo impressionante em sua realidade, autenticidade e, ao mesmo tempo, em sua ausência de sentido ou na presença de um sentido mínimo. Quando se começa efetivamente a pensar nisto, entendemos o significado do essencial da vida que talvez seja como você está se sentindo agora. E lembramos do que realmente importa em nossas vidas.

A trajetória da existência vai nos resumindo, mas só mesmo no tempo a presença temo tão forte significado, justamente pelo desaparecimento de nossos poderes, pelas nossas limitações, estar aí ainda no mundo é um grandioso trunfo e um sinal de que devemos aproveitar para viver e usufruir disto com mais prazer ou com o maior prazer possível. E a alma olha para o corpo e vê que ele está assim e pode, enfim, pensar em si mesma como estando melhor ou ficando para o ultimo capítulo de tudo isso.

Sim, ver isso, visualizar isso de si mesmo é muito impressionante. E é um exercício que devemos provocar em nós mesmos, pois pode ser bem educativo para nós saber que precisamos decidir e ser principalmente e quase indelegavelmente responsáveis pelo modo como tratamos disto.


( Jean Claude Bernardet no filme "Fome", de Cristiano Burlan, do qual é protagonista. interpretou uma personagem que vive isto e esta postagem é uma reedição do meu comentário desta experiência e de sua entrevista do ano passado complementado por algumas ideias que sempre tem me tocado ultimamente e que neste ano ficaram sob a chave geral do que chamei de nossa quilometragem limitada. Precisamos saber que temos uma caminhada e que há de haver um ponto do qual não vamos passar. Queremos avançar sobre os limites e este é nosso impulso mais juvenil e maravilhoso, mas com a maturidade passamos a um processo de aceitação e compreensão maior do qual depende nossa saúde física e mental, nossos cuidados e os cuidados com os demais seres humanos.)

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