Powered By Blogger

terça-feira, 7 de abril de 2015

VIRTUDES INTELECTUAIS E AUTO-CONHECIMENTO: para Cesar Schirmer dos Santos

A proposta de discutir um ou dois artigos resumidos do amigo e ex-colega Dr. Cesar Schirmer dos Santos ( Autoconhecimento e Virtudes Intelectuais & O papel do Ceticismo na Literatura Filosófica Brasileira sobre o Autoconhecimento) em academia.edu, me colocou o desafio de verter aqui coisas que ando ruminando a algum tempo já e articular experiências e concepção em um texto só sobre os temas que ele propõe e aborda resumidamente lá e tomando algo emprestado também dos comentários em especial ao seu texto de Virtudes Intelectuais. Vou começar pelo texto das virtudes intelectuais porque eu creio que ele tem conseqüências sérias para a nossa atividade intelectual e o tema do ceticismo e do autoconhecimento entre nós, ou, pelo menos, para mim certamente. Devo, porém, confessar de saída aqui duas coisas.

A primeira, é que os temas me são conhecidos por via indireta e talvez mais relacionados com minha própria experiência limitada e minhas vivências de formação e educativas, pelo menos até onde consigo fazer uma panorâmica do todo desta experiência e avaliar meus passos e escolhas, posições e elaborações intelectuais, ou seja, pela forma como consegui elaborar em minha memória a minha experiência intelectual, do que por especialização ou investigação dirigida do tema na vida de outros. E eu creio sinceramente que este é o tipo de tema em que devemos consultar primeiro nossos próprios botões. Durante um tempo me considerei incapaz de produzir algo de muita valia filosoficamente, passados, então,  já alguns anos penso que continuo igual e o que de fato melhorou foi apenas a minha honestidade e sinceridade em relação a isso. E isso que me leva a usar sempre um tom confessional e bem pessoal em todos os meus textos. Chamo isso de narrativa ligada ao sujeito e por conta disto faço sempre uma justificação e narro minha perspectiva em relação a um tema a partir da minha própria história de estudo em relação à ele. Creio que não é algo academicamente satisfatório, é muito subjetivo, mas é exatamente o que considero o melhor que eu posso fazer.

A segunda é que não tinha mesmo o hábito de participar deste tipo de debate em academia.edu e que, portanto, talvez erre em diversos aspectos, por meu estilo, por atrasos em prazos, por abordar o tema sem uma devida formação ou investigação prévia ou com uma narrativa menos ligada ao objeto do que a mim mesmo e, também,  por esta limitação talvez acabe por dar opinião ou manifestar o que penso sobre os textos dele e de outros aqui acabe sendo superficial e mesmo equivocado, mas vou mesmo aceitar o risco, contando um pouco com a sorte e tentando dar um juízo sincero e muito honesto ao que penso.

O Cesar apresenta a distinção correlata aquela que eu uso assim, em seu comentário a um comentário de Carolina: “eu prefiro ver como uma mudança de foco: em vez de focar nas características da crença, focar nas características do crente.” Ou seja, estamos mais uma vez de volta ao tema da revolução do sujeito, não são mais suas crenças que são verdadeiras ou justificadas, mas o crente que é capaz ou não de justificar suas crenças e reconhecer a verdade e no caso em pauta Cesar observa duas formas de fazer isto: ou por sorte ou por esforço pessoal e trabalho. Aqui a distinção entre saber por acaso e saber ou conquistar o conhecimento de forma mais consistente e profunda é relevante. Mas a narrativa ligada ao sujeito faz justamente isto reforçar a justificação e narrar a dificuldade pessoal para o juízo. 

Aliás, é por isto que escolho o título acima que inverte o título do texto proposto pelo Cesar. Porque eu creio, ainda que sem um justificação teórica completa, que as virtudes intelectuais levam ao auto-conhecimento e dentre elas a primeira que é a mera mas não irrelevante curiosidade e/ou como Aristóteles chamava prazer em conhecer. É como a maioria das epistemologias modernas reconhecem a partir do conhecimento dos singulares, ou dos particulares que chegamos aos conhecimentos dos universais e dos conceitos. E muitas vezes compreendemos um conceito sem saber explicá-lo completamente ou sequer possuir uma ampla esfera de aplicação do conceito, isto é, sem compreender por instantâneo toda sua serventia, isto é, ainda, sem interpretá-lo em seu mais amplo âmbito de aplicação.    

A parte mais interessante para mim é que eu falaria, então, de um lugar absolutamente deslocado da discussão acadêmica sobre isto e calharia por misturar velhas impressões e novas descobertas e minhas leituras recentes, mas nenhuma delas inclui na minha dieta filosófica, portanto em minha biografia intelectual pré-acadêmica, acadêmica e pós acadêmica os textos citados. E uma destas descobertas está relacionada a minha prática escolar em que preciso trabalhar com uma noção clara de progresso cognitivo entre as etapas compreensiva ( memorativa superficial), explicativa (cognitiva inicial) e interpretativa (cognitiva abstrata) na aprendizagem dos alunos. E trabalhar com uma noção clara de progresso cognitivo envolve planejar aulas que combinem atividades que toquem pendularmente no concreto e no abstrato, no compreensivo e prático e no abstrato e interpretativo. Piaget nos dá esta noção de desenvolvimento cognitivo que uso aqui.  E na experiência, estas etapas me mostram que alguns alunos possuem virtudes intelectuais diferenciadas, isto é, alguns passam muito rapidamente ao interpretativo e outros ficam bloqueados no compreensivo com muito tênues impressões, dependendo o tema trabalhado em sala de aula, seus gostos prévios e conhecimentos e experiências prévias.   

Eu creio que os dois pontos apresentados como centrais: autoconhecimento e virtudes intelectuais são muito desafiadores, tanto para um leigo em relação aos debates especializados e mesmo para um especialista na linha de pesquisa. Vou  problematizando as virtudes intelectuais e as questões que me suscitam.

O que podemos chamar ou nominar de uma virtude intelectual? Quantas virtudes intelectuais poderíamos arrolar aqui como principais, sem procurar esgotar a lista, mantendo aberta para inclusões e também aprimoramentos? É possível hierarquizá-las – encontrar uma virtude cardinal – ou subordiná-las a um único princípio? Como elas são geradas? As virtudes intelectuais são passíveis de serem produzidas, construídas ou descobertas? Uma virtude cardinal é passível de possuir graus diferentes de manifestação ou apresentação? Elas são aperfeiçoáveis? Podemos complementá-las ou corrigi-las, desenvolvê-las mais para certas finalidades escolhidas? Como decidimos quando está em jogo uma virtude contra outra? Por fim, dentro do rol de problemas que me aparecem agora: qual a relação entre o tema das virtudes intelectuais e o tema das competências e habilidades e como nós avaliamos as diversas situações problemas de auto-engano, déficit cognitivo e limitações intelectuais ou de desenvolvimento de aprendizagem em relação a isso?

Como estamos conceituando qualidades intelectuais com um designador típico de qualidades morais – virtude – então também surge a relação entre virtudes intelectuais e virtudes morais e, também, espaço para, dadas as circunstâncias  especiais ou excepcionais, surgirem os dilemas de decisão ente virtudes intelectuais e virtudes morais. A Mariane me parece que problematiza no seu comentário este tema e o Cesar apresenta esta distinção assim: “'intelectual' é a virtude no que diz respeito ao pensamento, em vez da ação. Intelectual é a virtude na formação e preservação de crenças, moral é a virtude na ação.” E com esta definição a virtude intelectual fica associada ao nosso juízo e ao nosso pensamento e a virtude moral às nossas ações. Ficaria numa espécie de limbo aqui as intenções e predisposições para ambas ações virtuosas e juízos virtuosos, a serem confirmadas em ação e em juízo.

Uma das expressões que me deixou bastante reflexivo no resumo foi de que “sorte não gera mérito” e eu creio que é preciso relativizá-la – usando aqui um certo princípio de indeterminação, insegurança causal e também de que nem tudo possui regularidade ou ponderabilidade - por conta de que muitas das possibilidades de mérito e de obtenção de mérito estão de fato dependentes de sorte, de situações fortuitas de condições herdadas e também involuntárias. E na categorização das posições diferenciadas pelo Cesar eu creio que se apresentam justamente nas duas posições, no internalismo, no discurso ligado ao sujeito e suas razões e no externalismo, no discurso ligado as escolhas do sujeito de razões que lhe são externas. Se não, vejamos, as crenças sortudas não deixam de ser legitimas, posto que o fator sorte pode ser apenas um dos fatores intervenientes adicionais á aquisição do conhecimento ou ao êxito no empreendimento, mas pode por exemplos contra-fatuais – bastando apresentar a coleção de insucessos típicos na história dos empreendimentos científicos - ser considerado essencial. Teria uma coleção de exemplos aqui de acasos, coincidências, escolhas de rumos, escolhas de endereços, condições supervenientes e outros que afetaram decisivamente a história das ciências e o pleno exercício das ditas virtudes intelectuais. Isto é, não só de persistência, de muito trabalho, transpiração e sucessos se montam as montanhas mais altas do conhecimento. Assim, é possível separar sorte de conhecimento, mas não vejo razão para excluir a sorte da interpretação do êxito na obtenção do conhecimento e não basta ter sorte é preciso fazer bom uso dela, no que eu creio que entra justamente o papel agora das virtudes intelectuais e do autoconhecimento no sucesso do empreendimento cognitivo, científico e intelectual.

Mas nós também temos exemplos ruins sobre combinações estranhas de virtudes intelectuais e poder, virtudes intelectuais que são aplicadas e exercidas exclusivamente para o sucesso pessoal do agente sem nenhum compromisso moral e também a presença de certas virtudes intelectuais que são usadas exclusivamente em situações de cobrança ou exigência externa. É um tema moral que se apresenta aqui e estamos também no famoso limiar aquele entre auto-engano e loucura, ou entre moralidade e cognitive clousure.

Os exemplos de vícios intelectuais dados pelo Eduardo Vizentini em seu comentário, também envolvem raciocínios falaciosos, como vemos a seguir: “colocaria mais exemplos do tipo de problema que está aqui envolvido: não apenas o cenário do Cassan (conspirações), mas também apego cego a ideologia, aceitação acrítica da propaganda, e por aí vai.” Tenho me deparado com coisas deste tipo e mesmo comn todos nossos esforços em discernir opinião de conhecimento, no meu caso, ainda discernir opinião de informação e de conhecimento, reconhecendo graus de conhecimento diferenciados (para além de Platão), vemos meras negativas de cognição e ignorância voluntária, tentativas de refutação de argumentos pela simples aposição de uma negativa, sem opor argumento ou dar razões e também enfrentamos situações em que mesmo que você refute certos argumentos como falaciosos ou destituídos de correspondências aos fatos, com o uso de argumentos melhores (mais informados ou sem raciocínios falaciosos) as pessoas persistem na sustentação dos argumentos refutados. E os exemplos são abundantes nos dias de hoje, nos tempos de internet e redes sociais.     
                      
Nosso colega comum Renato Duarte Fonseca – estes dias – citou dois casos de vícios ou desvios ou desventuras das virtudes intelectuais que se combinam com certa miopia histórica em relação a fatos bem conhecidos e bem investigados já e que me valem aqui. De um lado, o entusiasmo de alguns com os movimentos de julho de 2013, que os consideravam revolucionários e no caso, alguns com claras virtudes intelectuais e destacados intelectuais, e cita para ajudar o próprio Marx que de bate pronto se ufanava com o levante de Paris de 1848 considerando-o revolucionário e de significância global. De outro lado, o caso de um conhecido intelectual que se presta a justificar e a engrandecer as virtudes dos militares golpistas de 1964 e dos torturadores contra a Comissão da Verdade. São exemplos de que possuir algumas virtudes intelectuais não garantem a posse de todo o conhecimento e discernimento para julgar todos os fenômenos que se apresentam neste mundo.

Deixo de fora aqui apreciações sobre as formas lógicas e um tratamento sobre crenças que me parece também importante ( no caso aqui ao paradoxo de Gettier e nossos limites de justificação), mas, concluindo, entendo que a nossa relação entre auto-conhecimento e ceticismo aqui no Brasil tem nos servido e muito para nos imunizarmos perante certos dogmatismos e manter erguida a bandeira da dúvida ou da rejeição ao excesso de crença, mesmo na ótima boa fé, mesmo extrema boa vontade e profissão de fé, para salvaguardar nossa sanidade, nossa sabedoria comum e também para preservar entre nós um espaço de diálogo tranqüilo e respeitoso que tenha tolerância e compreensão para o erro acidental e para os descaminhos da vida (sorte ou azar, escolha ou deliberação de cada um de nós e seus méritos).       

E sei bem que num ou outro caso parecem conter em semente uma aplicação bem clara do que é chamado auto-engano. Poderíamos chamar estes casos de opacidade intelectual ou de certo confinamento ou aprisionamento intelectual como um dia eu mesmo chamei nos meus tempos mais wittgensteinianos. Porém penso que temos que ser bem mais generosos uns com os outros. Ninguém possui a sabedoria completa...assim como eu creio que nem todos que compreendem uma regra compreendem em absoluto todas as suas aplicações possíveis, precisando se exercitarem e serem estimulados a isso, bem como, entendo, que saber fazer certas inferências, não dá domínio sobre todas as inferências, e creio assim que nem possuiremos um dia tal coisa como uma sabedoria completa, pelo menos não individualmente.

E isso tudo me lembrou uma boa controvérsia em que me meti e que me fez concluir que temos que confiar mais nos juízos dos que se dedicam seriamente a certos assuntos e matérias e que isso também é uma virtude...o que me serve aqui para fechar meu post/comemtário, aguardando com muita humildade a tua apreciação e discernimento.

ENFIN: Escrevo sobre isto mais por sua ligação às minhas vivências do que por alguma fascinação com seu objeto, suas formas ou sua problematicidade externa à mim    

Obs.: não coloquei aqui a bibliografia por considerar um mero comentário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário