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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

MEUS AMIGOS FILÓSOFOS E A DILMA HOJE: CARTA ABERTA

Meu caro ex-colega Renato Duarte Fonseca, nós temos em comum, além da nossa formação e mesma escola, mais coisas. Creio que todos nós que estudamos, lecionamos e dedicamos nossas vida à filosofia e que aqui postamos posições sobre a atual conjuntura política do Governo Dilma, um grande ímpeto moral que orienta nossa visão de mundo e conduta na maior parte do tempo de nossas vidas.

Este ímpeto pode ser diferenciado em cada um de nós, pode responder com critérios diferentes e ser exercido sob influência de nossa perspectiva individual. Digo que este ímpeto atua na maior parte do tempo, porque devem mesmo haver momentos em que nós damos alguma forma de relaxada nesse tema geral da moralidade. Não porque praticamos alguma imoralidade, mas simplesmente porque não estamos a fazer algo que possa ser isso ou aquilo. Nosso entendimento, reflexão e muitas vezes conceitos são comuns e muitos deles são compartilhados nessa matéria. Por isso, de certa forma, nós andamos juntos nos últimos anos em relações à muitas questões políticas nacionais.

Ocorre que, apesar das nossas afinidades, temos uma assimetria de informações e experiências e também alguma forma de timing diferente em relação às coisas. E isso nos força a ser bem cautelosos em nossas posições e opiniões. Eu também compartilho como quase todos nossos colegas aqui a perspectiva de que quando trato de assuntos políticos, práticos, históricos e morais, quando julgo ações, posso sempre estar em alguma medida errado. Essa medida pode ser grande e pode ser no detalhe. Posso desconhecer certas informações, posso ser despossuído de uma compreensão destes assuntos, e pode ser também que todas as minhas posições sejam excessivamente idealistas. Neste caso, eu creio que isso não é uma desventura, pois prefiro, provavelmente como todos aqui, ser idealista do que ser pragmático e tolerante com tudo que ocorre.

Pode, porém, haver um outro tema ainda sobre este domínio da política e da moralidade em que meus juízos podem falhar.

Em ciências humanas, aliás, sempre lembramos dessas lições, e ainda mais numa hora destas, estamos neste domínio em que é sempre arriscado prever que algo se seguirá de um determinado estado de coisas. Sabemos todos muito bem disto que, por mais estatística e por maior que seja nosso acervo de lições do passado, de lições literais e ficcionais, por mais elegante que seja nosso acervo lógico e metafórico, podemos estar errados em nossas posições e opiniões como bem disse o Horácio.

Ocorre, porém, que somos todos, por nossas convicções e paixões intelectuais e políticas, muito  tentados a fazer previsões e a tecer vaticínios no domínio político e isso é muito prestigiado na economia geral da opinião pública, mas eu sei bem que também posso ser um profeta inepto, incauto e precipitado. No curso dos acontecimentos humanos lidamos com aquilo que alguns mestres nosso chamaram de o “imponderável”, mas também com o fator surpresa, sorte e, além disso tudo, com um fator que por mais romântico ou heróico que possa parecer, é um fator que não pode ser negligenciado porque incide sistematicamente na história humana. O fator liderança, carisma e também a capacidade de alguns indivíduos de amalgamar as crenças, constituir liderança e autoridade independentemente da concessão ou da tolerância dos poderosos ou dos que detém algum tipo de monopólio do poder, da informação ou do conhecimento. Tanto a máxima supremacia como a hegemonia mais sutil não escapam ao dissenso e algumas vezes à formas de dissenso surpreendentes

Posso ter minha capacidade de tecer vaticínios a partir de fatos bem prejudicada por muitos outros fatores, por exemplo, pelos meus preconceitos ou pelos meus temores e terrores. Mas não creio mesmo que o vaticínio correto na presente quadra histórica é do pior dos mundos possíveis, ainda que este mundo nos seja intolerável, intragável e de forma inegável péssimo para o nosso gosto, nossos juízos e nossos desejos. Estou escrevendo um texto, então, sobre tudo isso.

Mas hoje conversando com minha mãe que disse aquilo que todo mundo deve saber já que querem derrubar a Dilma, eu disse para ela que é um absurdo fazerem isto, porque se o fizerem farão dela e do PT não o seu fim, mas um levante e levarão a radicalização não de uma baderna nas ruas mas das posições de todo o PT para o próximo período e pior que isso, farão a posição de Lula ficar desmedidamente elevada em relação ao povo do país. Dilma não será uma mártir, mas o PT reagirá em bloco, apesar dos discursos autocríticos internos que só servem para vazar mais a bola do PT e tentam salvar sua própria cola em detrimento dos demais companheiros. A famosa falta de solidariedade vai acabar não com o PT, mas com a solução política que o PT tem tentado dar às suas diferenças internas e brigas de posições internas.

Ricardo Kotschko e outros petistas próximos de Lula, afirmam por aí ou deixam entender que Dilma está isolada. Isso quer dizer isolada de Lula. Que houve uma ruptura e afastamento. O Ricardo é um ótimo jornalista e muito amigo do Lula. Portanto, seria razoável fiar na opinião e juízo dele. Porém penso que é Lula quem deve dizer isso claramente. Tarso Genro afirma que Dilma precisa falar e que o governo precisa falar. Pois, aqui para mim vale a mesma regra: Lula deveria falar isso. Como eu sei que ele nunca vai dizer isso então o isolamento virá uma questão de opinião e interpretação sem efeito político, salvo relativizar a crise e alargar o colchão de problemas da presidenta que inclui Política Econômica, Petrobras e base no Congresso, a também sinalizar a orfandade da presidenta em relação a eles e, quem sabe?, Lula.  Outros atribuem os problemas do governo à personalidade de Dilma.  Penso que isso é um exagero e que segue a linha do desgaste da presidenta e da rejeição da formação do ministério. O raciocínio é simples: não gostei do ministério então Dilma errou. Tá feito o quadro psicologista da Dilma: isolada, calada e sem escutas de bons conselheiros. Mas ela formou o governo sem o PT? Ora essa. Não...

Quando olho para Pepe Vargas e Miguel Rossetto, com Mercadante e Jaques Wagner no governo federal não me foge a ideia de que o racha interno ainda é um reflexo da necessidade de constituir novos protagonistas. Com tudo isso que fazem acabarão por transformar o PT definitivamente num partido da ordem, não porque perde o poder mas porque cada vez mais se adapta as suas agruras, como aliás o PMDB tem feito desde Tancredo Neves.

Me repetindo, divirjo de muitos apenas com a tentativa de atribuição do problema exclusivamente à Dilma. Ela não é mesmo o principal vetor desta borrasca. Por isso, tendo a ficar menos impetuoso ainda em relação a soluções abruptas e diagnósticos. Há no fundo deste oceano um grande monstro tentando se safar mais uma vez, como em diversas outras situações. E ele não tem mesmo o DNA do PT não.

Diria até, que ao contrário do Roberto, Dilma não está tão isolada quanto Getúlio e Jango estiveram nos seus últimos dias, porque é bom lembrar que o PT ainda tem bem mais fichas na mesa e que a conjuntura é bem diversa e, sendo assim, o governo tenderá a ser mais forte do que parece. O silêncio de Dilma - que Tarso aponta - é uma medida cautelar ainda, porque há sim algo que ainda não pode ser revelado pelo governo e que deverá mudar a situação e o estado de coisas. Todos que pedem a renúncia esquecem que o novelo de lã não foi ainda desfiado em sua inteireza. E nem a fala e nem um gesto desesperados e segue sem uma boa pergunta e uma provocação decisiva. O que, para mim e provavelmente para o governo, ainda não é o suficiente, nem tudo que desejamos e precisamos para responder de forma inconteste cada acusação e ilação. As pessoas podem falar o que quiserem e responder como quiserem aos fatos e aos desafios da vida, a presidenta só pode falar quando tiver todos os elementos finais em mãos, incluso aqueles que surpreenderão os oposicionistas que esperam derrubar o governo antes que as velas em chamas do destino recaiam sobre eles também. É sim, para usar uma figura uma guerra de fogos...e em meio a isso alguns se precipitam antes do metal estar devidamente temperado...

Só que Dilma não é de forma alguma a única operadora no cenário, nem seu governo depende exclusivamente da opinião e do juízo dela. Para mim é mais razoável ainda fiar que o governo vive uma grande crise sim e uma prova disto não é somente o isolamento da presidenta, mas sim também a falta de solidariedade – o que fica evidente quando o debate personaliza e foca em Dilma - em relação ao governo e ao projeto que - mesmo no presidencialismo - não é só ela nem só dela não. Mas para mim isso tudo passará e será superado também.

O Roberto Horácio de Sá Pereira ergueu uma tese da renuncia da Dilma. E eu creio que é melhor isso vir dele do que de outros. O debate que se seguiu em diversos lugares – repetindo as baixarias já conhecidas - foi até melhor do que muitos outros, porque expôs bem as compreensões diferentes do processo e do cenário ao meu ver. E nesse caso mostrou muita assimetria moral, cognitiva e também ideológica entre muitos que opinaram, espinafraram e debateram tua tese.

Enfim, eu entendi a tese dele como carregada do propósito e de uma hipótese honrada de preservar a esquerda brasileira. Porém seria, como disse o Ulisses Pinheiro, uma confissão de culpa, com a vergonhosa condição de ser isso feito sem sequer haver um indiciamento da presidenta ou uma prova. Ora, uma presidência não pode se abalar nem com chuvas, nem com trovoadas, nem ventanias ou borrascas, nem tempestades ou tsunamis. E é esta a presidência que eu quero neste país em que vivo.

A eleição de 2014 foi muito pior do que imaginamos, pois construiu um rearranjo de forças tanto fora como dentro do PT, ergueu e consolidou uma plataforma anti-petista e impôs um limite ao projeto do PT. Dentro do PT muitos quadros de altíssima qualidade e capacidade não foram eleitos e reeleitos. Fora do PT, foram eleitos as peças e personagens mais conservadoras da história recente do Brasil. A mídia estabeleceu à direita todas as suas prioridades éticas e morais, econômicas e políticas como nunca antes. E os conflitos que Dilma promoveu – não preciso lembrar para ninguém da lista de enfrentamentos corretos, na saúde, na memória histórica, com Cuba – e alguns deles bem mais do que necessários, deram o caldo de cultura que levou a um segundo turno duríssimo, passada a tragédia de Eduardo Campos.  Na política, eu creio como muitos, que não há espaço vazio ou vácuo de poder e é na emergência e na urgência que surgem as soluções, não antes, nem depois. E Lula tem papel certo nisto e neste processo todo...

O problema, afinal, é que efetivamente com o laço que tomamos nas urnas em 2014 – o laço que a esquerda brasileira tomou com a ajuda da imprensa da anti política e do anti petismo dos conservadores e cripto liberais foi terrível – com a hegemonia conservadora atual e a conta para pagar da sustentabilidade do emprego e renda, a única coisa que nos restou foi essa Presidenta com estes desafios e com este quadro que está ai. Vamos recuar e desistir apesar disto?

A maior parte das pessoas que se preocupam com uma plataforma política de esquerda no Brasil e que pensam sobre isso dizem: Não! E eu digo junto: Não passarão!!!


Fiz este texto pensando em muitos outros colegas que pelo Brasil se dedicam a debater a realidade política nacional com seriedade de propósitos e com este ímpeto moral.

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