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terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

BARTHES E O CALOR NO LIMITE DA EXPRESSÃO E DA ORIGINALIDADE - REESCRITO

“Um amigo acaba de perder alguém que ele ama e eu quero dizer-lhe minha compaixão. Ponho me então a escrever-lhe espontaneamente uma carta. Entretanto, as palavras que encontro não me satisfazem: são “frases”: faço “frases” com o mais amoroso de mim mesmo; digo-me então que a mensagem que quero mandar a esse amigo, e que é minha própria compaixão, poderia em suma reduzir-se a uma simples palavra: Condolências. Entretanto, o próprio fim da comunicação a isso se opõe, pois essa seria uma mensagem fria, e por conseguinte inversa, já que o que eu quero comunicar é o próprio calor da minha compaixão. Concluo que para retificar minha mensagem (isto é, em suma, para que ela seja exata) é preciso não só que eu a varie, mas ainda que essa variação seja original e como que inventada.” BARTHES, Roland. Crítica e Verdade. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007, p.18 (Prefácio)

Roland Barthes, para explicar a diferença, ou, melhor, para apontar para o limite entre originalidade e banalidade na escritura, usa como exemplo o tema das condolências. Isto é, trata daquilo que é para qualquer um de nós que se comunica com muitos, mas que se comunica com muitos com muito carinho e atenção e cuidado com o outro, sempre um grande desafio: como dizer algo que console, mas que não repita simplesmente o consolo de outros, as palavras de outros e o sentido de outros? Como atingir uma autenticidade e originalidade inéditas ou inauditas?
Após reler o texto com mais atenção fiquei pensando nas razões afetivas, estéticas e intelectuais disto, desta espécie de fronteira do dizer. 

Porém, conclui minha interpretação delirante optando pela solução barthesiana do “calor”. De que só há uma forma de dizer isto é tentando transmitir calor no que dizemos ou escrevemos.   

 Tenho exatamente a mesma impressão em muitas situações. Até mesmo em felicitações e parabéns. E aqui no Facebook vivemos isto quando felicitamos dez, quinze e até trinta pessoas em um dia, entre amigos, conhecidos, colegas e amigos virtuais. Quando há aquela sensação de que não há nada que você diga que dê conta de seu afeto especifico ou da sua forma de relação e você sente vontade de ir para além do protocolar “Parabéns!”. 

É que se você investigar e se auto-inquirir melhor verá que sente algo em relação aquela pessoa como único ou absolutamente próprio, mas que no entanto não ganha facilmente expressão, pois há uma tendência a reproduzirmos e fazermos variações indistintamente. Vez que outra eu acrescento uma espécie de senha ou índice através de uma ou outra palavra pela qual marco a diferença ou afinidade, o afeto e a sintonia de nossa amizade.  

Meu insight sobre isto semana passada ao ler esta bela passagem e ficar meditando sobre o exemplo e a reflexão verossímil barthesiana, foi que a representação, a significação e a nossa interpretação disto vai mudando, mas que nunca atingimos uma espécie de ideal que corresponda ao nosso sentimento. 

Que aqui nosso sentimento se defronta com os limites do pensável, cuja fronteira os poetas, os escritores, as poetas e as escritoras se acostumaram a habitar, como quem, anda numa corda bamba a fazer piruetas ou como os jogadores de futebol (os laterais e antigos ponteiros e muitos craques) que conseguem fazer aquelas jogadas emocionantes sobre a linha que demarca o campo e o fora do campo.  

Mas algo nos toca muito e eu creio que toca aos outros quando atingimos algo muito próximo deste ideal, quando não é nem demasiado nem menor. Usando a linguagem dele: a gente não quer usar frases e torná-las lapidares e usar elas de novo, usar elas mais uma vez. Gostaríamos de criar frases muito próprias e únicas. A gente quer dizer uma única vez com sentido e nunca mais dizê-lo a ninguém mais, mas isso não é possível porque não inventamos uma nova linguagem para cada situação. Usamos a mesma linguagem, temos uma espécie de tábua finita de vocábulos e combinações que – ainda que pareçam infinitos para alguns, com o tempo ficam limitados e muito precisos, por nossas escolhas e opções de gosto e calor. Está tábua que refere aos mesmos sentimentos vai sendo transformada ao longo da vida e é marcada também por nossas fases, etapas e momentos. 

Assim, neste gesto, nesta repetição, não queremos representar, mas sim ultrapassar este limite da representação com alguma autenticidade única de tal modo que a representação posta de nosso sentimento seja unívoca, não falseável e efetivamente autêntica.  Este efetivamente autentica que uso aqui poderia, tranquilamente, ser substituído por efetivamente pessoal e singular. Quase como uma assinatura única. 

Por isto, eu percebi que a palavra dita tem seu poder redobrado sobre a escrita porque ela carrega em seu ato mais calor e mais emoção, mais identidade e pessoalidade. Quando eu mesmo felicito os aniversariantes aqui tendo sempre a deixar “um grande abraço amigo” porque sei que há calor nesta expressão, não importa quantas vezes eu a repita. Mas também porque adotei isto como uma assinatura pessoal e de meu sentimento pessoal. Assim, como sei e tenho acreditado nisto mais a cada dia que passa, que meu desejo e minha esperança de reencontro na vida eterna conforta todo aquele que está propenso a aceitar conforto pela palavra. E assim ultrapassamos a representação como diria Bergman...

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