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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

UM SEBO, INTERESSES, UMA FOTO, UM LIVRO: CONTRA A BUSCA DO ABSOLUTO

1. ENTRANDO NUM SEBO – UM LUGAR DO RELATIVO

Toda vez que entro em um sebo, que passo por sua porta, após caminhar na calçada e pensar se entro ou não entro, entro porque sei que posso encontrar algo que vou gostar.

Algo que vou passar trabalho para evitar a compra ou que vou ficar pensando por dias, semanas e até meses em comprar.

Em alguns momentos eu adquiro de primeira, mas, na maior parte das vezes, resisto bravamente.

Tem algumas coisas que regulam isso.

De um lado, os recursos disponíveis e a relação entre esta obra e o que anda me ocupando no momento, e, também, a forma de incluir mais uma leitura na minha dieta de outras leituras em andamento.

De outro lado, minha dose, no momento, de coragem e autocontrole ou meu domínio sobre meus impulsos afetivos em relação à livros e à ideias, que é grande.

Dá vontade de abraçar o mundo ou a biblioteca do congresso.

Quando falo em leituras em andamento, quero dizer duas coisas.

Uma, que nem sempre leio um único livro de cada vez, a outra é que não termina a minha leitura de um livro em sua última página, ela pode continuar para além e ao longo dos tempos futuros.

E esta força, este impulso ao desatino de comprar mais livros do que posso ler ou de comprar livros por adoração não depende e nem se importa muito em qual sebo eu esteja.

E mesmo em uma banca de revista ou jornal, sempre há algo para me atrair a atenção.

Nem sempre é um livro de filosofia.

Porque sempre dou uma olhada meio que geral nas estantes de literatura, educação, sociologia, história e filosofia e então...

2. MEUS DIVERSOS INTERESSES - POUCA IMPORTÂNCIA

No mais das vezes é uma obra dos meus diversos interesses aleatórios.

Uma obra que responde às minhas fixações ou curiosidades literárias maiores ou menores.

As maiores são como uma biblioteca dos clássicos, já as menores as vezes são bem mais interessantes, porque para mim o maior clássico sempre é aquele que pouca gente sabe que é.

E estas suspeitas foram forjadas por referências aqui e ali, deste ou daquele que me entusiasmaram e me fizeram abrir certos livros.

Vou exemplificar isso um pouco mais.

Às vezes são apenas novas conexões para pistas lançadas em uma nota de pé de página de alguém que li há muito tempo ou recentemente.

Persigo, às vezes e muitas vezes, como um caçador uma pista e traço as ligações e relações possíveis entre diversos nomes de uma grande enciclopédia que jamais será escrita.

Me detenho em um caso que atraiu a atenção, um extrato ou resumo de obra de um caderno literário e faço as associações possíveis.

Imagine comigo você que tal autor é contemporâneo deste ou daquele, estudou nesta ou em outar escola, pertenceu a este ou aquela corrente filosófica, doutrinária, defende esta ou aquela política .

Preste atenção naquela capa curiosa, um sobrenome interessante, um clássico já empoeirado pelo tempo e pela modernidade ligeira que o descartou.

Sei lá, algo acontece que me faz ver num livreto um detalhe para algo de grande atenção.

Me parece que eu intuo, quase sempre é isso que sinto mesmo, que há ali algo relacionado aos meus objetos de coleção, coleção de problemas, coleção de assuntos, coleção de estilos, velhas referências e referenciais laterais.

Não são meus “vastos” conhecimentos ou coleções de informações que me levam à isso.

Conhecimentos estes que tem diminuído na razão inversa de minhas leituras, ou seja, quanto mais leio, menos sei.

Não são eles, então, que me levam a apanhar em um sebo esta ou aquela obra, mas sim aquelas pequeninas curiosidades.

Pequeninas curiosidades que são movidas por uma dúvida, uma desconfiança ou uma suspeita de que a algo mais que ainda não foi visto pensado ou trabalhado junto.

Bem, confesso que não sei se isso é bobice, espécie, ou uma versão acrítica de um certa variante de investigação aleatória e causal, não planejada e acidental.

Pensando bem, ou, melhor, devo dizer, apenas, que não sei como isso acontece.

O fato é que quando procuro algo e aceito que nem sempre este algo está num lugar muito previsível, acabo por encontrá-lo acidentalmente ali.

Um encontro numa certa prateleira ou esquina, numa certa divisão ou intersecção entre um tempo e outro.

Entre uma fresta do tempo de tudo que há na livraria ou no sebo querido de cada um de nós.

3. UM LIVRO, UMA FOTOGRAFIA, UM CASAL, NENHUMA LEMBRANÇA

Desta vez, após abandonar um interesse antigo por um impulso repentino, a obra de Hannah Arendt, Julgamento e responsabilidade, voltou para a prateleira – por conta do mau agouro que significa para mim encontrar dentro dela o que encontrei.

Apesar de tal obra e seu anexo me trazer à curiosidade e atenção, seja para a doutrina ética que Hannah Arendt apresenta ali, seja, inclusive, por me criar – como num instantâneo – no centro de minha mente, personagens novas e um enredo novo de uma aventura nova.

Mas, o caso é que esta desgraçada e prolixa mente com sua fertilidade pueril, originária da forma como a realidade bateu em se mesma ao longo do tempo e que uma mente normal já teria se recomposto e voltado ao seu devido lugar natural de silencio e contemplação não resistiu e como base de suas ficções ou inventivas, recuei, mas pensei e imaginei.

Preferi não ter que haver de me ocupar e reencontrar, em meio às páginas de um livro, uma bela foto de despedida ou lembrança de uma moça chilena para um amigo ou affair que a esqueceu ali.

Um mau agouro porque é algo perdido e que para quem mais importava não está mais entre seus bocados e cuidados.

Nesta foto, um moça escreve no seu verso uma dedicatória super carinhosa, mas não parece que seu par lhe deu algum valor. Ou que pelo acaso a tenha esquecido ali e uma namorada mais ciosa tenha aproveitado para embutir-lhe nas obras de despensa ao sebo.

Porém, esta foto diz me algo sobre o amor e a amizade efêmeras e suas expressões mais nobres.

Pode ser também que quiçá o belo jovem tenha falecido e que os despojos de um jovem romântico, restasse aos seus pais, amigos ou irmãos.

E que, assim ao acaso, tenham resolvido vender suas obras ao sebo em linha direta sem menor exame ou atenção.

Restando então aquele vestígio do dia que dá testemunho de um afeto e que pode dar pistas de outros.

Muita coisa é possível, mas isso me mostra também mais uma vez como encontro coisas curiosas dentro de livros em sebos.

E também que não dá para decidir assim tomar parte ou numa tragédia ou numa comédia da vida de outrem.

4. BUSTOS DOMECQ

Bem, eu segui adiante e perseverei, sem muita resistência na aquisição de um livro ou livreto.

Levei para meu acervo as Crônicas de Busto Domecq, numa bela edição de bolso da Editorial Losada.

É uma obra curiosa esta.

É curiosa pelos seus autores.

É curiosa pelo que possui entre suas páginas.

E a publicação no espanhol portenho a torna mais atraente ainda por carregar dentro de si uma aula de linguagem, metalinguagem e ironias finas sobre escritores e as ditas pessoas notáveis.

É de 1967 e lança uma espécie coletânea de crônicas em que ele - esta personagem fictícia chamada de Bustos Domecq - aborda justamente o contato que teve com muitos artistas de uma modernidade extravagante em Buenos Aires, sejam eles arquitetos, escultores, pintores, gastrônomos, poetas ou romancistas

Em casa, ao folhear com curiosidade as crônicas, ler algumas e após selecioná-las pelos títulos, encontro o atraente texto En Búsqueda del Absoluto (pp.35-41), no qual Jorge Luis Borges e/ou Adolfo Bioy Casares, fazem uma certa exposição de motivos, via Bustos, das geniais inventivas não reconhecidas de uma personagem literária fictícia que eles batizam como Nierenstein Souza.

Ocorre que Nierenstein faleceu e Bustos foi vistar sua biblioteca onde encontra um busto de Balzac.

Não se surpreenda leitor, ao julgar nas laterais de sua atenção que trata-se aqui de um conjunto de pistas e senhas para o encontro de um nobre segredo nesta crônica, porque é esta mesma a disposição para o maravilhoso compartilhada por Borges e Casares.

A personagem fictícia Bustos, passa então a comentar, narrar, depor e detalhar as importâncias notáveis para ele desta outra personagem fictícia, Nierenstein, com uma certa dose de abundantes adjetivos e estabelecendo a importância ilustrada da persona que sabe ydish, latin, francês, inglês e advinha o holandês.


E é, ao final da crônica elogiosa, laudatória e voluptuosa que vemos ótimas pistas para um irônico classicismo piegas e uma bela referência - salvadora para mim no empreendimento de entender certos desatinos de Kerouac e outros – à obra de Honore de Balzac sobre a Busca do Absoluto, ou, La Recherche de l' Absolu.  

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