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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

SOBRE A CASA DE CULTURA LUIS BRASIL QUE EU NÃO ESQUECI

“O futuro pertence àqueles que acreditam na beleza de seus sonhos.”

Elleanor Roosevelt

Vou falar aqui sobre o artista, o projeto da Casa de Cultura e a importância dele  para a história, a cultura e a política da cidade aqui e sobre tudo que eu creio que este debate deve trazer à tona. Farei uso de diversos textos meus já publicados em meu blog, com o objetivo de atualizar o debate e suscitar boas lembranças do futuro. E espero que suscite boas reflexões, bons debates e mais contribuições em especial dos agentes culturais e dos demais interessados e cidadãos de nossa cidade.

A obra do pintor e amigo Luis Brasil tem várias séries que ao longo dos anos 70, 80, 90, até seu desaparecimento em 2006, foram sendo elaboradas e vendidas na rua para diversos amigos, conhecidos e mesmo transeuntes e, estas foram também, intercaladas com trabalhos de certa forma encomendadas por bares ou restaurantes, pizzarias ou cafés. Algumas são bem conhecidas e disseminadas na cidade. Por exemplo, tem as mulheres, os meninos – aqui uma nota: para ele eram “os meninos de rua”, pedintes, esmoleiros, menores abandonados, - as rosas, os girassóis, bicicletas, pandorgas, pássaros e eu já vi muitas xilogravuras do Brasil com trabalhadores no seu cotidiano.

Sobre o projeto que foi apresentado em setembro e outubro de 2012 pela SMC, na gestão da qual eu fazia parte, existem diversos detalhes bem importantes que envolvem tanto a justificação da escolha do artista quanto a concepção de uso do espaço e  as melhorias no prédio da prefeitura velha que serviriam inclusive para mantê-la e preservá-la. Além disso, tem a minha opinião contrariada – e talvez de mais pessoas – sobre o resultado do debate na transição da Casa de Cultura e sobre a situação política criada e suas conseqüências por disposição e vontade, deliberação e intenção do governo que tomaria posse em primeiro de janeiro de 2013.

Sobre a concepção de uso de espaço cito aqui resumidamente a divisão interna proposta no projeto original: 1. Sede da Secretaria da Cultura;2. Sala de ensaios  Coral Municipal;3. Sala de ensaio para Cia de Dança; 4. Sala de ensaio para Núcleo de Pesquisa Teatral;5. Atelier Livre de Artes Plásticas;6. Sala de Cinema e auditório para seminários e palestras;7. Sala de música e estúdio para ensaio e audição de apresentações depequeno porte; 8. Galeria de Arte (acondicionada para exposições de grande porte);9. Depósito para objetos de arte;10.Espaço para o Café;11.Copa interna;12.Sala para oficinas teóricas equipada com carteiras, mesas e lousa;13.Sala da Associação dos Amigos da Casa de Cultura;14.Sala de reuniões para a comunidade.

A justificativa, na minha cabeça pelo menos, era muito simples: Luis Brasil era uma artista popular, era um artista local, era um artista com uma obra de qualidade, era um artista educador, influenciou e educou outros artistas e compartilhou com artistas de diversas linguagens na cidade, trabalhou por três décadas em São Leopoldo, deixou uma obra disseminada em muitos lugares da cidade e com muitas pessoas, não alcançou o sucesso, mas deixou uma grande lição de sensibilidade e uma mensagem humanizadora.

Já a justificativa formalizada era a que segue: O Patrono LUIS BRASIL MANOEL GAUDÊNCIO RESERES GOULART FILHO, (1943-2006), ou simplesmente Luis Brasil residiu em São Leopoldo de 1973 até seus últimos dias de vida em 2005. Foi morador da Antiga Casa do Estudante onde hoje temos a Câmara Municipal. É reconhecido em catálogos nacionais e possui uma vasta e representativa obra plástica que passa por diversas técnicas e múltiplas fases e temáticas.

Da xilogravura, passando pelo pastel, giz, cera. Também teve contratados seus serviços para realizar murais e telas em residências de amigos, conhecidos. Seu traço foi reconhecido como extremamente singular e esteticamente marcante por vários de seus pares e em sua trajetória na cidade produziu de forma abundante obras fazendo uso de materiais, tintas e técnicas sempre no convívio intenso com seus amigos, contemporâneos. Dedicava atenção especial a educação estética das camadas populares, sendo que temos registros de diversos jovens que se iniciaram nas artes plásticas a partir do seu estímulo, provocação, orientação e apoio.

E, por fim, tinha como característica muito destacada a aposta na arte e na cultura popular, sendo famosas suas digressões sobre a importância do artista ir onde o povo está e do artista estar relacionado também à realidade política da cidade e do pais. Era um exemplo de engajamento político e de apoio as lutas coletivas dos estudantes universitários, meninos de rua, defesa das mulheres e militava também por muitas outras causas culturais, como a música, patrimônio histórico, livro e leitura, etc.

Sobre o artista ele dizia: "O artista é gente que come, bebe, luta por uma igualdade social entre os que não tiveram oportunidade de ver, ouvir, conviver e elaborar com as mãos o belo sem vaidade."

O projeto transformava o prédio histórico da Prefeitura Municipal, inaugurado em 1941, com seu estilo modernista, em uma grande centro de cultura com espaços adequados para diversas linguagens artísticas que não possuem espaço público suficiente e adequado na Casa de Cultura José Pedro Boéssio – Biblioteca Pública. Esta linguagens são música, dança, pintura, fotografia, e etc. Uma das características importantes ao que este projeto também respondia era este aspecto histórico, cuja nossa proposta coletiva e compartilhada pelos conselhos de cultura e o conselho patrimônio histórico englobava a realização de uma valorização do centro histórico da cidade, com a idéia de conferir a ela e a cada prédio histórico um memorial descritivo de sua importância na história da cidade de modo a valorizar, destacar, preservar e significar cada imóvel e monumento no panorama histórico da cidade. Isso contribuiria para sua preservação e educaria a cidadania na compreensão da importância da cidade. Um exemplo é este pequeno esboço de expressão e valorização sobre o prédio como segue: O debate na cidade acerca da utilização do Palácio Municipal (antigo prédio da PMSL) pode nos ajudar a recolocar a questão do patrimônio histórico de São Leopoldo e da importância da história da cidade para os seus habitantes e para a região e estado. Muitas cidades no Rio Grande do Sul, tem características culturais, sociais, políticas e econômicas marcantes.

São Leopoldo é com certeza uma destas pois não há um item, dos citados antes, em que a sua contribuição na formação do estado e do país não seja considerado relevante. É por esta razão que além de São Leopoldo ser oficialmente o Berço da Colonização Alemã no Brasil, após um período de disputa com outras cidades que tinham esta pretensão, São Leopoldo tem relevante contribuição política e econômica com o Brasil. A futura Casa de Cultura Luis Brasil representa isto em alta dignidade, pois o prédio construído entre 1939 e 1941 é representativo de um período histórico em que São Leopoldo atingiu um auge econômico e cultural no estado. Após ser a segunda cidade mais importante e, mesmo, após a emancipação de Novo Hamburgo, São Leopoldo conservava um status político e econômico muito relevante na região metropolitana. O prédio da prefeitura municipal foi inaugurado com a presença do Presidente Getúlio Vargas. E a cidade era governada desde os anos 20 por um complexo político coordenado pelo PRR – Partido Republicano Riograndense que mais tarde foi sucedido pelo PTB, na redemocratização pelo PDT e em parte também pelo PT, haja vista a extrema importância dada por estas agremiações políticas a um estado forte e dirigente da economia e da sociedade. Além do trabalhismo – que conheces bem pelo teu PDT, o republicanismo e o positivismo são características muito presentes na matriz política e ideológica do RS. Ainda que possam discutir isto em outros detalhes é importante perceber que em São Leopoldo esta escola – ao contrário da liberal – e muitas vezes combinada com as formações religiosas católicas e luteranas com influência e protagonismo político, sempre esteve presente na vida pública desta cidade com assento na Câmara de Representantes e depois Vereadores e com forte participação na gestão pública. Pois bem, o prédio da Prefeitura Municipal – que sucedeu o prédio da Intendência Municipal, o qual você pode visualizar em retrato atrás do busto do Theodomiro Porto da Fonseca, na escadaria de entrada da antiga prefeitura, é representativo disto. Aproveito para dizer e citar que muitos prédios dos anos 10 e 20 do século XX são representantes deste período – e são quase a maioria dos prédios listados como patrimônio histórico com o objetivo de preservação e que podem contribuir em muito para o incremento do Turismo da cidade.

Ou seja a história da cidade não pode ser tratada simplesmente como capítulos de livros e referências discursivas, mas deve ser preservada materialmente em seus prédios, documentos e narrativas.

Assim, o destino do Prédio da Antiga Prefeitura como Casa de Cultura é um símbolo importante para a história e a promoção cultural da cidade e dá efeito sim a preservação da história política. Merecendo em momento oportuno um belo memorial do prédio para conhecimento e dignificação desta história.      

A situação política, entretanto, de 2012 até hoje não foi e não é favorável a tudo isso. Mas é preciso ponderar aqui certas coisas sobre isso, em defesa do projeto. Sou daqueles que aprendeu que às vezes um grupo político – que pode não ser o meu - sabe coisas ou propõe cosias que servem e fazem muito bem para toda a cidade e esta proposta nossa da Casa de Cultura Luis Brasil é uma delas para mim. Ocorre que ela sofreu certa resistência e boicote dissimulado. Porque foi confundida com uma marca ideológica e houve intransigência dos vencedores da eleição de 2012 por outro lado. Dissimulada com muita cordialidade nas agendas de negociação sobre o tema, é claro, durante a transição. Mas eu creio que a coisa é mais simples do que foi pintada e que só faltou generosidade e compreensão do outro lado. E foi assim que eles impediram o projeto de casa de cultura de ser possível. Mas eu ouso endurecer aqui porque quando a gente vê o que foi feito de lá para cá se percebe que foi pura manobra e muita mesquinhez que impediu isso. E, eu lembro bem de cada gesto em torno disso, e as pessoas que operaram isso estão no meu caderninho, não porque irei me vingar, mas porque aprendi ali com a companhia de outros amigos que não posso contar e que o povo não pode contar ou esperar isso dessas pessoas, alguma forma qualquer de generosidade política. Só isso. Não falarei aqui dessas pessoas, porque isso é uma coisa que deve doer muito mais na consciência do que na opinião pública, ainda que alguns possam ter tido prazer em boicotar este projeto. Para mim foi um erro e nesse jogo da política eu creio que este erro faz muita diferença contra eles, porque é o que nós podemos chamar de FALTA no jogo político. E esta falta é um sintoma de perversidade política a mesma perversidade que persegue os adversários ou mesmo aqueles que apenas pensam diferente e isso é ruim para a democracia e em especial para a área cultural.

O Luis Brasil tinha sim características muito peculiares – mas bem vistas as coisas todos os artistas tem isso de uma ou outra forma - ele era um político porque tinha toda uma concepção de arte e uma forma de pensar que era radicalmente política e culturalmente política...e tinha ideologia, lado e partido...mas isso não deveria valer para lhe impugnar a obra ou a contribuição...portanto dai você vai entender quando digo falta de GENEROSIDADE acima...

Mas aparece no caso dele o exemplo do debate entre cultura e política. Algumas pessoas gostam muito de pensar que a “Cultura sempre esteve e continua estar acima de Partidos e Políticas”, mas isso é um equívoco e também uma forma de política sobre a cultura. Visto de uma forma mais analítica, num sentido sim, a cultura está acima da política porque seus objetos, obras, criações e autores podem sim transcender e ultrapassar a dimensão política atual em que eles vivem, e no caso serem portadores de significados e mensagens para outros tempos – de certa forma até transcenderem ao tempo presente a história do presente. Mas não parece nada correto tentar explicar ou contextualizar a vida do artista e a sua obra de forma dissociada de um certo tempo histórico ou de uma certa circunstancia política ainda que esta possa ser singularmente vivenciada pelo artista ou artificiosamente representada na obra. E o caso do Brasil é singular porque nele justamente a obra, os matérias usados, os lugares onde produziu, sua forma de produzir, suas “séries” esta diretamente relacionada ao pensamento político e a vivência histórica dele.

Mas, enfim, ser capaz de entender tudo isso também é uma questão política e cultural ainda...quer dizer, a viabilidade da CASA DE CULTURA LUIS BRASIL vai depender ainda e será para mim um indicador da qualidade política de nossa cidade e de um grande progresso cultural na cidade em todos os temas e conceitos acima apresentados ou referidos ou não. A bola está com os cidadãos e aqueles que ora são gestores da cultura na cidade.


São Leopoldo, 14 de fevereiro de 2014.  

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