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terça-feira, 14 de maio de 2013

A ESTÉTICA, A INTRODUÇÃO DA LÓGICA E A DEDUÇÃO METAFÍSICA COMO PREÂMBULOS DA DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL B: UMA ANÁLISE DA CRÍTICA DA RAZÃO PURA DE IMMANUEL KANT: TRABALHO DE GRADUAÇÃO DE DEZEMBRO DE 1993


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA












A ESTÉTICA, A INTRODUÇÃO DA LÓGICA
E A DEDUÇÃO METAFÍSICA COMO PREÂMBULOS
DA DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL B:
UMA ANÁLISE DA CRÍTICA DA RAZÃO PURA
DE IMMANUEL KANT











DANIEL ADAMS FOEIRA
0651/89-3
HUM 199 - TRABALHO DE GRADUAÇÃO
PROF. GABRIEL DE BRITTO VELHO














PORTO ALEGRE                                                                         DEZEMBRO DE 1993











































Veritas Temporis filia
Aulio Gélio










SUMÁRIO



INTRODUÇÃO (p.04);


1 O TRANSCENDENTAL - a tarefa (p.07);


1.1. ESTÉTICA (p.15);


1.2. LÓGICA - INTRODUÇÃO E DEDUÇÂO METAFÍSICA (p.18);


CONCLUSÃO (p.27);


NOTAS 


BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL 


BIBLIOGRAFIA ADICIONAL 



















INTRODUÇÃO







            Em filosofia, como em qualquer atividade intelectual, um trabalho inconcluso é uma eterna preocupação. Por isso, este trabalho tem a sua existência marcada por um signo desagradável e insatisfatório para o seu autor, pois, na verdade, este trabalho representa uma ínfima parte daquilo que esta investigação - sobre a Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant (Kritik der reinen Vernunft, 1781-1787, doravante também designada de KrV), procurava apresentar como resultado.


            No entanto, este trabalho cumpre uma finalidade específica de caráter acadêmico inadiável, isto é, facultar ao seu autor a obtenção dos seus últimos créditos e do seu último conceito - literal e temporalmente - dentro do curso de filosofia da UFRGS. Isto, por si só, obriga o seu autor a abandonar a ladainha propedêutica e passar à exposição direta das origens, do método e dos objetivos do mesmo.


            Este trabalho apresenta de modo resumido e abreviado, ainda que discutido, alguns pontos relativos ao papel da Estética Transcendental e da Lógica Transcendental (Introdução e Dedução Metafísica como preâmbulos preparatórios aquilo que  relativamente será realizado na Dedução Transcendental da Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant.


            Nasceu ele da necessidade de uma análise preparatória do conceito de Sujeito em Kant e, também, de que para isso se realizasse uma leitura mais panorâmica das passagens precedentes à Dedução Transcendental; esta análise deveria, inicialmente, desembocar em um tratamento da Dedução Transcendental, mais especificamente da relação aí estabelecida ou apresentada entre “autoconsciência” e “autoconhecimento” (respectivamente nos parágrafos §16-17 e §25 da Crítica da Razão Pura). Esta foi durante um bom tempo uma fixação temática do seu autor.


            Como os resultados relevantes e suficientes para tal tratamento não foram atingidos e alcançados de modo satisfatório, restou-nos apresentar o que foi feito a contento para tal fim. Ainda que falte nisso um amparo detalhado de toda a bibliografia já trabalhada, julgamos possível e razoável que este trabalho seja julgado como um trabalho de graduação, dado o caráter e a natureza do assunto e, também, dada a extensão e o estilo do tratamento aqui realizado já.


            O método aqui utilizado é o de discussão e comentário de texto, com maior ênfase na exposição, apresentação e reconstrução - dentro do jargão técnico - daquilo que é apresentado como “transcendental” por Kant e de alguns pontos relativos a isto na Estética e na Analítica. O método, portanto, não tem originalidade alguma, sobrando, assim, espaço para a interpretação propriamente dita e a verificação de alguma capacidade explicativa. Esta, por sua vez, procurou concentrar-se sobre as tarefas próprias da filosofia transcendental, bem como, sobre o modo como se pode interpretá-las.


            Isso justifica, portanto, o titulo do trabalho e, ainda, a própria divisão deste. Ainda que esta divisão tenha um caráter excessivamente geral, é possível acompanhar os passos nela contidos, pois passam sobre o texto da KrV de um modo que respeita ao máximo a própria ordem da exposição na mesma.


            O primeiro - e único - capítulo, tem o título de “o transcendental” e os seus dois sub-capítulos são designados por “estética” e “lógica”. Esta simplificação procura mostrar que há uma subordinação das mesmas, na obra de Kant, ao conceito kantiano de “transcendental” que as acompanha e qualifica.


            “Transcendental” em Kant é a caracterização de sua filosofia na hora da chegada, pois na hora da partida ela é “crítica”.


            Quando denominamos ou caracterizamos - a Lógica (Introdução e Dedução Metafísica) e a Estética - com o nome “preâmbulos”, entendemos que ambas podem ser consideradas e, de fato, o são aqui como uma espécie de “umbral” da dedução transcendental, o que não significa que estas sejam premissas da dedução. A tarefa aqui é simplesmente apresentar o que nelas torna “inteligível” ou compreensível o que se apresenta sob a Dedução Transcendental dos Conceitos Puros do Entendimento.


            Para a Dedução Transcendental ser compreendida alguns “conceitos” e, principalmente, a natureza transcendental da investigação kantiana, devem ser de domínio do intérprete. Talvez isso possa ser dito em poucas palavras, mas preferimos aqui uma alternativa que explicitasse ao máximo isso.


            Assim, o objetivo aqui pode ser resumido ao título do capítulo. O “transcendental” será exposto dentro do registro da estética e da analítica, para oferecer uma compreensão da natureza da investigação kantiana e da sua tarefa específica dentro da história da filosofia.


            Quanto as fontes utilizadas optamos, para esta análise, por fazer referência e uso da Segunda Edição da Crítica da Razão Pura (doravante KrV B), na tradução de nosso mestre Valério Rohden e de Udo Baldur Moosburguer (vide bibliografia ao final), pois é desta edição que retiramos como objeto de estudo a Dedução Transcendental.


            Quanto às referências bibliográficas informamos que as passagens da KrV citadas as tem de dois tipos, quando inseridas no texto entre parênteses e quando referentes à citações extensas separadas do texto são apresentadas sem parênteses. As notas, por sua vez, são apresentadas entre parênteses, em números arábicos. Encontram-se as mesmas e suas observações e as suas referências bibliográficas ante a bibliografia.


            Os comentadores selecionados e consultados para esta análise e reconstrução são, basicamente, Lebrun, Torretti, Hoffe e Allison; mas constam da bibliografia outras obras que foram auxiliares e, ainda, esta bibliografia é complementada por uma bibliografia específica para a análise da Dedução Transcendental que aqui não foi utilizada, mas que é apresentada com o intuito de obter também complementação bibliográfica do professor quanto ao tema que, ainda, será objeto de investigação ulterior.


            Finalizando, queremos agradecer a algumas pessoas que contribuíram para que esta investigação na qual está inserido este Trabalho de Graduação fosse iniciada, desenvolvida, ampliada e suplementada, ainda que não concluída até o momento.


            Aos nossos professores Paulo Francisco Estrella Faria, Balthazar Barbosa Filho, João Carlos Brum Torres, Valério Rohden e Ernildo Stein que, de modo direto e indireto e muitas vezes intenso, influenciaram este trabalho. Aos colegas Jânio Alves, Sílvio César Camargo, Gustavo Doninelli Mendes, Alfredo Carlos Storck, Eduardo Vizentini de Medeiros, Peter Riang dalla Riva de Oliveira e Élfio Ricardo Doninelli Mendes que fizeram parte do Grupo de Estudos Kant e que, em diferentes momentos e de diferentes maneiras, contribuíram também para que este trabalho fosse possibilitado e realizado.


            Um último agradecimento é aqui dirigido ao CNPq, que possibilitou as condições materiais para que este trabalho fosse realizado, na medida em que o seu autor é Bolsista de Iniciação Científica desta importante instituição brasileira.



















1. O TRANSCENDENTAL (A TAREFA)







            A obra de Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura (Kritik der reinen Vernunft, KrV), teve duas edições. A primeira (1781) é o resultado de longos anos de investigação sobre os problemas da Metafísica ocidental, que é segundo Kant o teatro de disputas infindáveis da razão humana. (vide prefácio de KrV A VIII)


            Já a segunda edição da KrV (de 1787 - assinalada comumente pela letra “B” nas citações) é o resultado de seis anos de revisão e uma nova elaboração de partes do texto – em especial da Dedução Transcendental - inicialmente publicado e que teve, à época, uma recepção outra daquela esperada pelo seu autor.


            Porém, ambas conservam os mesmos objetivos, quais sejam, basicamente, determinar a possibilidade, os princípios e a extensão de todo o conhecimento a priori (A 2/B 6). (1)


            Para realizar isso, Kant produz uma distinção entre juízos analíticos e sintéticos (A 6, 10) e busca estabelecer como princípios juízos sintéticos a priori para todas as ciências teóricas da razão. (2)


            O estabelecimento destes juízos envolve, entretanto, uma exposição e uma prova dos mesmos, as quais são realizadas num registro diferenciado tanto do domínio metafísico (teatro de disputas tradicional), quanto do domínio empírico (das ciências em geral),


            Para construir este território neutro, em relação às disputas metafísicas, e, em relação às ciências já consolidadas, em pleno e fértil exercício de suas atividades, Kant utiliza um conceito que, por si só, devidamente analisado, apresenta outro domínio do pensamento puro e, portanto, dos conhecimentos humanos.


            A filosofia para Kant, já dez anos antes da publicação da KrV, é a “filosofia transcendental” (Carta a Marcus Herz, de 21 fevereiro de 1772). E é este acrescendum à “filosofia” que vai dar o caráter e a natureza deste novo domínio e, por conseqüência, de um novo procedimento na investigação filosófica ocidental. (3)


            O termo “transcendental” traz consigo toda a filosofia de Kant. Tanto na primeira edição A quanto na segunda edição B da KrV, temos uma definição de boa parte dos termos utilizados por Kant, para o transcendental não é diferente.


            Em A, Kant define “transcendental” assim:


            “Chamo transcendental a todo o conhecimento que não se ocupa só de objetos, senão de nossos conceitos a priori sobre objetos em geral...’ A 11


            Já na edição B, a definição é deste modo apresentada:


            “Denomino transcendental todo o conhecimento que em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com o nosso modo de conhecimento de objetos na medida em que este deve ser possível a priori.” B 25


            Uma rápida comparação entre estas definições aponta para algumas alterações que, por um lado, são superficiais e completamente inteligíveis dentro do espírito da KrV, e que, por outro lado, nos ajudam a compreender parte do que deveria ser apresentado ou exibido pela KrV, bem como, parte do que deveria ser provado ou demonstrado na mesma. (4)


            Em ambas, Transcendental refere a uma totalidade de conhecimentos. Na segunda, esta totalidade “em geral se ocupa não tanto com objetos”, enquanto na primeira “não se ocupa só de objetos”. Sendo, portanto, implicado aí que em A o Transcendental 1. se ocupa de objetos, mas 2. não se ocupa somente destes, enquanto em B, o Transcendental, em geral não se ocupa só de objetos, mas que - interpretando - especificamente pode se ocupar deles.


            De qualquer modo o Transcendental, segundo estas definições, não estaria voltado “tanto” ou ocupado “somente” com os objetos, mas sim também ocupado com outra coisa. Nesta análise deve se destacar, ainda, que o Transcendental é uma totalidade de conhecimentos abstraída de outra totalidade mais abrangente de conhecimentos, sendo as notas “se ocupar ou não de objetos” uma das maneiras de diferenciar a totalidade do Transcendental da outra totalidade.


            De certo modo, podemos interpretar esta “totalidade” de conhecimentos da qual é abstraída a totalidade a totalidade que se ocupa só de objetos (conforme as definições) como um compósito tanto de conhecimentos das ciências em geral, quanto da metafísica, em particular.


            O caso é que, segundo Kant, a parte metafísica não pode ainda ser designada propriamente de um conhecimento ou de uma ciência digna desse nome, pois, essencialmente, e do modo como é apresentada é um dogmatismo injustificado. (5)


            Isso, esta ligado direta e indubitavelmente à possibilidade de se tornar, após um exame e uma tematização distinta da tradicional, a metafísica urna ciência legítima. Como para isso o recurso ao que é dado no domínio empírico absolutamente insuficiente, pois a metafísica é uma “ciência” teórica, cabe, então, um recurso ao que viria a caracterizar todas as ciências teóricas.


            Por isso, Kant ao abstrair do modo de conhecer os objetos, os próprios objetos, fala de uma ciência teórica em geral que, na definição, representada por “conceitos a priori”, na medida em que estes, por serem a priori, são aplicáveis a todos os objetos de conhecimento.


            Nesse sentido, ao determinar uma “totalidade” restrita, Kant procura, também, encontrar aquilo que ofereceria as condições sob as quais todo o restante — que, sem dúvida, maior em extensão - tem a sua possibilidade dada. (6)


            Assim, já aí temos uma espécie de subordinação, no que, diz respeito a certas condições, dos conhecimentos de objetos ao conhecimento (metafísico ou transcendental) das condições sob as quais os objetos são cognoscíveis. O que explica, também, o sentido de “não se ocupa só de objetos” e também o sentido em que este conhecimento se ocuparia de objetos. (7)


            Posto isto, as definições apontam para um objetivo, até aqui, dividido em duas partes: 1. para as condições sob as quais os objetos são cognoscíveis; e 2. para o conhecimento indireto ou mediado dos objetos.


            Quanto ao que segue, na definição, em A “senão de nossos conceitos a priori” e, em B, “mas com o nosso modo de conhecimentos de objetos”, temos também algumas diferenças elucidativas. Pois, com conceitos a priori já é indicado naquilo que aparecerá em seguida em B, a saber, “na medida em que este deve ser possível a priori”, no sentido em que, para Kant, ter ai em mãos conceitos a priori é o mesmo que ser capaz de demonstrar um conhecimento a priori ou a sua possibilidade.


            Quanto ao que aparece em B, o nosso “modo de conhecimento de objetos” reporta-nos não ao conhecimento de objetos de uma ciência particular, mas sim ao “modo de conhecer” inerente e constante em todas as ciências.


            Isso aponta, ainda, para a possibilidade de se estabelecer um dado conhecimento a priori para todas as ciências, através do estabelecimento de conceitos a priori aplicáveis a todos os objetos destas ciências entendidos sob um nome, introduzido ao final da definição de A, de “objeto em geral”.


            Sendo assim, as definições de “transcendental” das duas edições nos mostram que a investigação transcendental é:


1. todo um conhecimento abstraído de outro;
2. não se ocupa só de objetos;
3. investiga o nosso modo de conhecer;
4. tem um caráter a priori;
5. trata da possibilidade de conhecer objetos a priori;
6. trata de conceitos a priori;
7. considera os objetos como objeto em geral.


            O que significa que de qualquer modo que a entendamos a definição de transcendental devemos entendê-la como uma referência a um conhecimento a priori. Se á assim, então o domínio do transcendental, a natureza da investigação transcendental a sua exibição e a sua prova deve ser, também, de caráter a priori.


            Assim ingressa no debate e passamos a nossa análise ao termo “a priori” que antes já havia sido apresentado como predicado dos juízos sintéticos a serem estabelecidos. (8)


            O conceito de “a priori” está ligado, na tradição filosófica, ao seu oposto de “a posteriori”. Ambos designam certa diferença relativamente aos nossos conhecimentos. Um conhecimento é considerado a priori quando é independente do que nos é dado através dos sentidos, enquanto ele é tomado como a posteriori quando deles depende.


            Esta distinção básica está ligada também a outra distinção ainda. Um conhecimento é puro ou empírico, relativamente a sua origem, pois ou bem ela é dada pelos sentidos em uma experiência, ou bem não.


            Isto é um dos primeiros pontos apresentados na introdução da KrV (B 1-2). Lá Kant nos afirma assim:


            “...embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência. Pois poderia bem acontecer que mesmo o nosso conhecimento de experiência seja um composto daquilo que recebemos por impressões e daquilo que a nossa própria faculdade de conhecimento...fornece de si mesma...” B 1


            O que, em seguida, nos leva até a distinção própria de a priori e a posteriori, pois:


            “é uma questão que requer uma investigação mais pormenorizada (...) se há um tal conhecimento independente da experiência e mesmo de todas as impressões dos sentidos. Tais conhecimentos denominam-se a priori e distinguem-se dos empíricos, que possuem suas fontes a posteriori, ou seja, na experiência.” B 2



            Mas para caracterizar rigorosamente um conhecimento “a priori” Kant nos dá mais duas notas deste. Para distinguir definitivamente um conhecimento puro a priori de um conhecimento empírico temos que considerar que:


            “a experiência nos ensina que algo á constituído deste ou daquele modo, mas não que não possa ser diferente. Em primeiro lugar, portanto, se esta se encontra em uma proposição pensada ao mesmo tempo com sua necessidade, então ela é um juízo a priori; se, além disso, não á derivada senão de uma válida por sua vez como uma proposição necessária, então ela é absolutamente a priori. Em segundo lugar, a experiência jamais dá aos seus juízos universalidade verdadeira e rigorosa...” B 3



            O “a priori” significa para Kant, então, um índice de que um dado conhecimento é pensado com necessidade e universalidade, ao mesmo tempo, prescindindo de qualquer exceção ao que ele afirma.


            A sua importância está em diferenciar os conhecimentos puros, dos conhecimentos empíricos, bem como, em constituir um conhecimento distinto e salvo do caráter acidental e contingente de boa parte da experiência no domínio empírico. Isso, portanto, também vai caracterizar a investigação transcendental como distinta das investigações teóricas das ciências em geral. (9)


            Outro ponto, ainda, relativo à relação entre conhecimento transcendental e juízos sintéticos a priori. Na medida em que alcançamos o domínio transcendental, deveríamos encontrar tanta os conceitos a priori, quanto os juízos a priori que os contém. Mas, esses juízos não podem ser somente a priori eles devem ser ainda sintéticos, isto é, eles devem conter algo que os tornem férteis para o uso das ciências. (10)


            Kant diferencia juízos analíticos de sintéticos, afirmando o seguinte:


            “Em todos os juízos em que for pensada a relação de um sujeito com o predicado (...) essa relação é possível de dois modos. Ou o predicado B pertence ao sujeito A como algo contido (ocultamente) nesse conceito A, ou B jaz completamente fora do conceito A, embora esteja em conexão com o mesmo. No primeiro caso denomino o juízo analítico, no outro sintético.” B 10


            Portanto, a diferença está no predicado estar ou não contido no conceito do sujeito que ele qualifica. Isso fica mais fácil de se entender se recorrermos, agora, à diferença entre examinar um conceito (exame “transcendental”) e examinar um objeto (exame “empírico”); pois, assim, será analítico o juízo que para ser verdadeiro (ou, com outra terminologia mais rigorosa, válido) exige apenas um exame do seu conceito, enquanto será sintético, o juízo que para o estabelecimento da sua verdade, exige de nós um exame do seu objeto, o qual ele afirma ter esta ou aquela outra propriedade.


            Assim, entendemos o final da citação acima em que “B jaz completamente fora do conceito A, embora esteja em conexão com o mesmo” (idem). Assim a diferença destes juízos consiste na existência de uma conexão, no juízo, entre A e B, em que ou bem B está contido em A, ou bem B não está contido em A. Mas resta ainda elucidar um pouco mais esta propriedade a priori. (11)


            Se, entendemos que um juízo sintético requer para o estabelecimento da sua verdade um exame empírico, como pode haver um juízo que seja tanto sintético de caráter empírico, quanto a priori de caráter transcendental?


            Segundo Kant, entretanto, “nos juízos sintéticos a priori falta completamente esse recurso” por nós antes apresentado de ir até o objeto ou à experiência a que ele se refere (veja-se B 12).


            “Se devo sair do conceito A para conhecer outro conceito B como ligado a ele, o que é isso sobre o que apóio e que torna a síntese possível, visto que aqui não possuo a vantagem de procurá-la no campo da experiência?” B 12-13


            Esta propriedade de ser a priori deveria ser encontrada, então, num domínio distinto da experiência; por isso, Kant distingue também conhecimentos a priori de conhecimentos a posteriori. Sendo os primeiros conhecimentos referentes às condições de inteligibilidade da experiência e os segundos, sem a necessidade e a universalidade antes referidas, os conhecimentos que em geral nós temos das coisas como estando ora assim, ora de outro modo.

            Isso, assim nos parece, faz Kant buscar e examinar mais os juízos sintéticos a priori, na exata medida em que os mesmos fariam uma ponte entre o necessário e universal e aquilo que contingente, mas somente cognoscíve1 na medida em que possa vir a ter alguma inteligibilidade. (12)

            O procedimento de busca destes juízos divide a racionalidade humana em duas faculdades em que uma daria conta do conteúdo sensível dos nossos conhecimentos dos objetos e a outra, por sua vez, vai dar conta do conteúdo inteligível dos nossos conhecimentos de objetos. Kant denomina a primeira faculdade de “sensibilidade” e o lugar de sua exposição e prova na KrV será a “Estética Transcendental”, enquanto a segunda faculdade e denominada de “entendimento” e o seu lugar na KrV A a “Lógica Transcendental”, Ambas deverão conter princípios sintéticos a priori, e ambas serão necessárias para o conhecimento das ciências. (13)


            Desse modo, o conceito de “transcendental” em Kart apresenta uma tarefa específica para a filosofia em relação aos “problemas da metafísica” Que se traduzem por duas posições: o ceticismo e o dogmatismo; isto é, a filosofia transcendental, deveria suplantar estas duas posições: exibindo e provando o caráter a priori de certos juízos sintéticos. Com isso, este exame estabelece e determina a possibilidade, os princípios e a extensão de todo o conhecimento a priori, o que significa, também, determinar rigorosamente o domínio ou a extensão do domínio de aplicação legítima destes juízos, o que é o mesmo que estabelecer os seus limites.


            Num primeiro momento esta tarefa tem um caráter “crítico”, mas após o seu término esta se estabelece como uma doutrina que Kant vai designar de Idealismo Transcendental. Por isso, a KrV é denominada de “crítica” e não de “Filosofia Transcendental”, pois é apresentada ao “tribunal da razão” uma proposta de doutrina.


            Relativamente ao ceticismo LOPARIC afirma que Kant vai procurar “domesticá-lo”, ou seja, colocá-lo à serviço da razão, transformá-lo em método (não como Descartes) para atingir a partir de um exame rigoroso os limites internos da razão, assim afirma LOPARIC:


            “A teoria kantiana dos limites da razão concerne, portanto, apenas aos limites internos das teorias metafísicas. Kant desconhecia por completo a existência de limites internos de outros tipos de teoria, como, por exemplo, os das teorias formais, demonstradas somente no nosso século por Gödel. Apesar disso, é a Kant que se deve atribuir o mérito de ter elaborado uma primeira teoria dos limites necessários do conhecimento, iniciando assim urna linha de investigação que visa internalizar o ceticismo na teoria do conhecimento e dessa forma domesticá-lo definitivamente.” LOPARIC. p.74.


            Portanto o estabelecimento dos limites da razão tem um caráter inédito que deve ser bem observado, pois o mesmo feito de modo a resolver dois problemas, basicamente. Sendo o primeiro, não tanto o do ceticismo, mas o dogmatismo com suas pretensões ilimitadas e irrefletidas de avançar na especulação metafísica em terreno pouco seguro e impertinente aos instrumentos de que a razão humana dispõe, e, por outro lado, o segundo relativo ao próprio ceticismo que recusa a possibilidade de um conhecimento seguro em qualquer domínio,


            Deste modo, o mote transcendental dá o caminho para a resolução dos problemas metafísicos, na medida em que ao determinar de um modo a priori o conhecimento apresente, também, as condições sob as quais este é possível e as condições sob as quais o seu uso é legítimo e seguro, portanto, as regras e o domínio de aplicação legítimo destas regras.


            Quanto à isso ainda, vale anotar, Brunschvicg na sua obra Le Progrès de La Conscience é da mesma opinião:


            “L’originalité de la critique kantienne consiste à justifier l’objectivité de la connassaince physique, en rompant l’alternative sculaire d’un phenomenisme à tendance sceptique et d’un rationalisme à pretention dogmatique.” Brunschvicg, p.290


“A originalidade da crítica kantiana consiste em justificar a objetividade do conhecimento físico, rompendo com a alternativa secular de um fenomenismo de tendência cética e de um racionalismo com pretensões dogmáticas.”



            Acrescentando, aliás, que a justificação original do conhecimento físico - empírico – é um rompimento frente às tendências céticas que ele designa ali como fenomenismo e de um racionalismo com pretensões dogmáticas, consideramos importante que o nosso próximo passo seja ver mais de perto um capítulo disto na Estética Transcendental.




















1.1. ESTÉTICA







            A Estética Transcendental (B 33-73) apresenta os princípios sensíveis do conhecimento humano, mas insere-se, assim como a Lógica Transcendental, num grande capítulo da KrV: A Doutrina Transcendental dos Elementos. esta indica-nos com o seu título que o “transcendental” se transforma em “doutrina”, mas que, além disto, ele possui também seus “elementos”.


            Os elementos tratados, na Estética, são as intuições, mas antes de entrarmos em um tratamento do que sejam elas, temos que dar conta de um aspecto que as exibem e as aproximam dos elementos da lógica, os conceitos. Ambos, conceitos e intuições são considerados por Kant como representações, isto é, como algo que representa algo sob algum aspecto. Ao mesmo tempo, que os juízos contém suas representações e são, também, ao seu modo, representações, pois se estão a conectar termos que representam algo, devem representar de algum modo este algo também.


            Isto é uma das partes importantes da doutrina dos elementos que será desenvolvida mais no capítulo 3 do Idealismo Transcendental. (14)


            A estética trata da sensibilidade e de um tipo de representação que lhe pertence. Kant define assim a sensibilidade “a receptividade da nossa mente para receber representações” (B 75). Portanto, a sensibilidade estaria ligada à recepção de representações, mas isso, ainda, pode ser mais qualificado, pois, se entendemos bem a definição de transcendental antes, então, podemos dizer que a Estética Transcendental trata tanto da recepção de representações quanto do modo como se dá a recepção de representações e dos seus conceitos ou princípios a priori.


            Assim, em seguida veremos que a estética divide as intuições em dois tipos. Temos como “instrumentos” de recepção da sensibilidade, as intuições empíricas e as intuições puras. As intuições empíricas seriam dadas através de uma experiência particular, mediante a sensação (B 34) como que “um efeito sobre a capacidade de representação” (idem) o seu objeto seria “indeterminado” e receberá o nome de fenômeno (ibidem). Kant trata, então, deste fenômeno e discrimina nele duas coisas.


            A primeira é a sua matéria “aquilo que corresponde nele à sensação”, e a segunda é a sua forma “aquilo que faz com que o múltiplo do fenômeno possa ser ordenado em certas relações” (B 34). Aí, então, surge a intuição pura que seria responsável pela forma pura da sensibilidade em geral e que deve apresentar-se como princípio a priori.


            Esta “intuição pura” ou a “forma pura da sensibilidade” deve ser entendida como a priori, no sentido transcendental. Kant afirma adiante um pouco que as intuições puras são duas e somente duas, a saber, o espaço e o tempo que devem por conseqüência ser exibidos e provados com sendo justificadamente transcendentais, isto é, sem nenhum amparo na experiência empírica. E é uma prova disso que Kant procura fazer no decorrer da estética. (15)


Na conclusão da estética Kant recapitula o que procurou fazer e dizer ali:
           

            “que toda nossa intuição não é senão a representação de um fenômeno; que as coisas que intuímos não são em si mesmas tais quais a intuímos, e que nem as suas relações são em si mesmas constituídas do modo como nos aparecem e que, se suprimíssemos o nosso sujeito ou, também, apenas a constituição subjetiva dos sentidos em geral, em tal caso, desapareceriam toda a constituição, todas as relações dos objetos no espaço e no tempo, e mesmo espaço e tempo.” B 59


            Isso aponta para algo que vamos explorar mais adiante, tanto na Lógica Transcendental (o capítulo cuja análise virá a seguir). quanto no tratamento da autoconsciência, a dependência das representações e mesmo de todo conhecimento relativamente ao sujeito é central no pensamento de Kant. Uma passagem da Lógica de Jäsche (feita de anotações de um curso de lógica de Kant) exemplifica isso de forma lapidar. Vejamos:


            “Todo o nosso conhecimento envolve uma dupla relação: primeiro, uma relação com o objeto; segundo, uma relação com o sujeito. Sob o primeiro aspecto, ele relaciona-se com a representação; sob o segundo, com a consciência como condição universal de todo o conhecimento em geral. (A rigor, a consciência é uma representação de que uma outra representação está em mim.)” Lógica, A 40


            Adicionando-se a isso o caráter a priori, dado pela acepção de transcendental, temos que a condição universal da consciência é na investigação uma condição estabelecida a priori. (16)


            O próximo passo é, então, compreender em que lugar esta condição é estabelecida e exibida por Kant o que nos envia para a Lógica Transcendental.


            Mas para concluir este último passo, vamos ver o fecho que Kant dá a este que corrobora o tratamento dado até aqui e que é indicativo para as passagens posteriores.


            Ao final da estética, Kant conclui assim:


            “Aqui temos uma das partes requeridas para a solução do problema geral da filosofia transcendental: como são possíveis proposições sintéticas a priori?
- a saber, intuições puras a priori, espaço e tempo, nos quais, se no juízo a priori quisermos sair do conceito dado, encontramos aquilo que pode ser descoberto a priori não no conceito, mas na intuição que lhe corresponde, e ser ligado sinteticamente àquele. Por esta razão estes juízos jamais alcançam além dos objetos dos sentidos e só podem valer para objetos de uma experiência possível.” B 73



            A outra parte da solução do problema será apresentada na Lógica, mas daqui se tira alguma coisa mais. Está já posto assim que, se os juízos jamais alcançam além dos objetos dos sentidos com os juízos sintéticos a priori; então, parte importante da tarefa de determinar a extensão de todo o conhecimento a priori, já está realizada, a saber, a representação dos objetos dos sentidos e da experiência possível, que, por sua vez, será constituída a priori pelos princípios já apresentados de sua possibilidade.



























1 .2. A LÓGICA TRANSCENDENTAL - Introdução e Dedução Metafísica







            A Lógica Transcendental é a segunda parte, como já vimos antes, da Doutrina Transcendental dos Elementos e vai apresentar tanto os elementos quanto os seus princípios correspondentes. É dividida a Lógica Transcendental em duas partes. A primeira divisão - que será nosso objeto de trabalho aqui - é denominada de Analítica Transcendental e a segunda divisão - que para efeito de economia e circunscrição será excluída deste trabalho - é designada por Dialética Transcendental.


            A Dialética transcendental (B 349-732) trata basicamente de duas coisas dos conceitos da razão pura e das inferências dialéticas da razão pura que apesar de estarem calcados em uma “lógica da ilusão” tem um papel regulador e limitador, também, quanto à extensão de nossos conhecimentos, principalmente no que diz respeito às querelas comuns da metafísica. (17)


            A Analítica Transcendental, por sua vez, é dividida em dois livros: a Analítica dos Conceitos (B 90-169) e a Analítica dos Princípios (B 169-349). A primeira é propriamente o objeto de nosso trabalho, pelo menos no que diz respeito aos dois próximos capítulos, aqui ela será mais ou menos sumariada, por outro lado a analítica dos princípios não será abordada aqui como objeto de exame, mas somente como recurso para uma interpretação do nosso problema. (18)


            Já no inicio da Lógica Transcendental, Kant nos apresenta do que estamos a tratar nesta:


            “Nosso conhecimento surge de duas fontes principais da mente, cuja primeira é receber as representações (a receptividade das impressões) e a segunda a faculdade de conhecer um objeto por estas representações (espontaneidade dos conceitos); pela primeira um objeto nos é dado, pela segunda é pensado em relação com essa representação (como simples determinação da mente). Intuição e conceito constituem, pois, os elementos de todo o nosso conhecimento, de tal modo que nem os conceitos sem uma intuição de certa maneira correspondente a eles nem intuições sem conceitos podem fornecer um conhecimento,” B 74


            E, como estamos na lógica, o lugar dos conceitos, Kant acrescenta que estes devem ser compreendidos de modo especifico, trazendo de novo à tona o caráter transcendental:


            “o conceito puro - contém - unicamente a forma de um pensamento de um objeto em geral. Somente intuições ou conceitos puros são possíveis a priori...” B 75


            A Lógica é o lugar dos conceitos e a sua faculdade vem a ser o entendimento, para isso também há uma definição, assim:


            “denominamos entendimento ou espontaneidade do conhecimento a faculdade do próprio entendimento produzir representações.” Idem.


            Portanto, na lógica, deveria ser mostrado como o entendimento produz as representações o que, por sua vez, nos leva até a fonte das mesmas. Antes disso, ainda, Kant distingue a lógica geral da lógica transcendental, sendo a lógica geral aquela que:


             “trata somente da forma do entendimento que pode ser fornecida às representações, seja qual for a origem destas,” B 80


            A lógica transcendental, o que realmente “interessa” no estabelecimento de uma filosofia transcendental, seria uma lógica:


            “na qual não se abstrairia de todo o conteúdo do conhecimento, pois a que contivesse simplesmente as regras do pensamento puro de um objeto excluiria todos os conhecimentos que fossem de conteúdo empírico.” B 80


            Como para a filosofia transcendental é preciso uma referência ao conteúdo empírico, mas de modo a priori, a sua lógica terá tanto as regras do pensamento puro quanto do pensamento empírico, bem como as fontes e as suas origens.


            Mais adiante Kant explicita o que havíamos apontado antes no que diz respeito a relação entre transcendental e a priori, vejamos:


            “transcendental tem que ser denominado não todo o conhecimento a priori, mas somente aquele pelo qual conhecemos que e como certas representações (intuições ou conceitos) são aplicadas ou possíveis unicamente a priori (isto é , - transcendental tem que se chamar - a possibilidade do conhecimento ou o uso do mesmo a priori).” B 80


            O que traz, portanto, uma distinção ou subdivisão dos conhecimentos a priori em dois tipos: 1. conhecimentos a priori, mas não transcendentais; e 2. conhecimentos a priori e também transcendentais. Isto restringe os conhecimentos transcendentais a uma subclasse dos conhecimentos a priori que será, por sua vez, restrita e subdividida em mais dois tipos: 1. conhecimentos que versam sobre a possibilidade do conhecimento; e 2. conhecimentos que versam sobre o uso do mesmo a priori.


            Isto, no entanto, faz com que mantenhamos, ainda, as sete características da investigação transcendental extraídas das definições da primeira e da segunda edição de KrV (A 11 e B 25, respectivamente).


            Mais adiante isso fica mais claro, pois:


            “transcendental pode chamar-se apenas o conhecimento de que estas representações de modo algum são de origem empírica, e a possibilidade pela qual podem não obstante se referir a priori a objetos da experiência.” B 81



            O que não afasta o transcendental do empírico, mas apenas o coloca como condição de possibilidade de um conhecimento empírico. Com isso, o transcendental, ganha a sua especificidade própria, na medida em que se faz necessário para o empírico por conter a possibilidade deste, pois “refere-se a priori a objetos da experiência”, mas não ao seu conhecimento. Em seguida Kant dá de forma pontual e textualmente isso, porquanto:


            “A distinção entre o transcendental e o empírico pertence, portanto, apenas a crítica dos conhecimentos e não concerne à referência dos mesmos ao seu objeto.” B 81


            Assim, quando procedemos a um exame a crítica dos conhecimentos, separamos o transcendental do empírico, mas quando referimos um conhecimento ao seu objeto esta distinção inexiste, pois - interpretando - se assim for vai separar o que está ligado no conhecimento.


            Assim, estamos preparados para compreender o que vem a ser uma lógica transcendental e qual a sua respectiva tarefa na filosofia transcendental. Curiosamente, Kant introduz isso utilizando o termo de que poucos filósofos fazem uso. É com uma certa “expectativa” que introduz Kant a sua distinção definitiva entre lógica geral e lógica transcendental apontando nesta passagem o peso do que será um núcleo da lógica transcendental incumbido ao mesmo tempo não de definições, mas sim de estabelecer a sua validade objetiva, isto, a sua legitimidade para todo e qualquer conhecimento de objetos.


            “Na expectativa de que, talvez, existam conceitos que possam se referir a priori a objetos - não como intuições puras ou sensíveis, mas apenas como ações do pensamento puro, que são, por conseguinte, conceitos, mas tampouco de origem tanto empírica quanto estética formamo-nos antecipadamente a idéia de uma ciência relativa ao conhecimento puro do entendimento e da razão mediante a qual pensamos objetos de modo inteiramente à priori. Uma ciência que determinasse a origem, o âmbito e a validade objetiva de tais conhecimentos, teria que se denominar lógica transcendental porque só se ocupa com as leis do entendimento e da razão, mas unicamente na medida em que é referida a priori a objetos/ e não, como a lógica geral, indistintamente tanto aos conhecimentos empíricos quanto aos conhecimentos puros da razão.” B 81-82



            Deve-se destacar daí os seguintes termos obtidos nesta análise:


1. “ações do pensamento puro.,.conceitos”;
2. “determinar a origem”;
3. “determinar o âmbito”;
4. “determinar a validade objetiva”.



            Estas servirão para assinalar, no que segue, o que é executado pela “Analítica dos Conceitos” dentro da Analítica Transcendental onde se encontram os parágrafos em que o nosso tema é tratado por Kant. A analítica dos princípios tem parte nestas tarefas e passamos agora a tratar ambas sob a rubrica que as reúne, a saber, a Analítica Transcendental.


            A Analítica Transcendental, inserida na Lógica Transcendental, tem uma tarefa específica, no que respeita a determinação da origem, do âmbito e da validade objetiva do conhecimento puro a priori. Para Kant:


            “Esta analítica é a decomposição do nosso inteiro conhecimento a priori nos elementos do conhecimento puro do entendimento,” B 89


            Estes elementos, como já dissemos, são os conceitos, e Kant acrescenta agora as condições que esta analítica terá que cumprir:


            “... l) que os conceitos sejam puros e não empíricos; 2) que pertencem não à intuição e à sensibilidade, mas ao pensamento e ao entendimento; 3) que sejam conceitos elementares e bem distinguidos dos conceitos derivados ou compostos de conceitos; 4) que a sua tábua seja completa e que preencham inteiramente o campo do entendimento puro.” B 89


            Estamos, na analítica, a ponto de ter todo o entendimento puro sob os olhos. Mas, nessa passagem, temos ainda algumas características do “entendimento puro” a serem destacadas:
           

            “...distingue-se inteiramente não apenas de toda e empírico, mas até mesmo de toda a sensibilidade, É, portanto, uma unidade subsistente por si, auto-suficiente/ e que não pode ser aumentada por nenhum acréscimo provindo do exterior.” B 89-90


            Agora, passando-se para a Analítica dos conceitos, temos que esta vai realizar “a ainda pouco tentada decomposição da própria faculdade do entendimento” com o objetivo de “investigar a possibilidade dos conceitos a priori” (veja-se as duas passagens em B 90-91),


            Mas, do mesmo modo que, as intuições podem ser distinguidas em puras e empíricas, os conceitos também podem ter e cabe esta distinção; e, pelo que já foi exposto até aqui, esta distinção vai requerer a separação dos conceitos do conteúdo empírico ao qual eles estão, por assim dizer, colados. Isto é afirmado por Kant de modo a sugerir, também, uma distinção, já pressuposta, nas passagens anteriores, entre a experiência e as condições empíricas.


            Temos que dar atenção a isso devido a sua importância para um tratamento das questões relativas ao âmbito e a validade objetiva dos conceitos, Kant afirma o seguinte:


            “Seguiremos, portanto, os conceitos puros até seus primeiros germes e disposições no entendimento humano em que se encontram prontos, até que sejam enfim desenvolvidas por ocasião da experiência e que, liberados das condições empíricas inerentes a eles, sejam apresentados em sua pureza pelo mesmo entendimento.” B 91



            Isto significa que a validade objetiva dos conceitos, para ser exibida, dependerá de certa “liberação” das condições empíricas, ou seja, de que a sua exposição seja feita de tal modo que para a mesma não seja necessário recurso a estas condições empíricas. Isso, segundo entendemos, é aquilo que faz o caráter a priori de tais conceitos, pois se condicionados empiricamente no podem ser aqueles que estabelecem as condições de inteligibilidade da experiência.


            O primeiro capítulo da Analítica dos Conceitos é denominado assim: “Do fio condutor para a descoberta de todos os conceitos puros do entendimento”; nele Kant apresenta algo, relativamente aos conceitos, que vai distinguir o seu empreendimento daquele realizado por Aristóteles na sua obra “Categorias” e, também, na “Metafísica”.


            Isto já estava escrito na sua carta Marcus Herz (já citada), lá, quinze anos antes da segunda edição da KrV, Kant já expressava que com base em um “pequeno número de leis do entendimento” poderia classificar as categorias que Aristóteles “justapôs  inteiramente ao acaso” de modo a “determinar os limites, da metafísica”. Afirmava, também, que para isso conduzia a “filosofia transcendental” a um certo “número de categorias” (pp, 235-236).


            Portanto, caberia não simplesmente apresentar conceitos, más também ordená-los sob um princípio comum ou, melhor, sob um princípio não ocasionalmente encontrado, mas, antes disso, presente no entendimento puro. Os conceitos devem, então, “se interconectar segundo um conceito ou idéia.” (B 92)


            Esta idéia ou conceito, porém não é ainda claramente expressa. Teríamos, então, que ver isso mais de perto para sermos capazes de compreender qual vem a ser, afinal, esse fio condutor, capaz de nos exibir para uma prova os conceitos a priori do entendimento puro. Pelo menos, antes de entrarmos na relação entre a autoconsciência e o autoconhecimento, haja vista que tal fio condutor apresenta, simultaneamente, as condições de organização das representações tanto da primeira quanto da segunda dentro da analítica dos conceitos na segunda edição da KrV. (19)


            Pois bem, no texto Kant no nos ajuda muito, mas tomando-se a exposição subseqüente e o que ela expõe, podemos passar ou, ultrapassar, esse problema. No texto, seguem-se três seções do “fio condutor” antes do capítulo segundo da Analítica dos Conceitos que será tratado no nosso próximo capítulo (o 2º deste) da “Dedução”. Estas três seções nos mostram a aplicação do fio condutor para a descoberta de todos os conceitos puros do entendimento. (20)


            No preâmbulo, ainda, destas seções Kant afirma que aquela:


            “interconexão, porém, fornece uma regra pela qual se poderá determinar a priori o lugar da cada conceito puro do entendimento e a completude de todos em conjunto...” B 92


            Mas não apresenta aqui a regra somente a sua necessidade. Já, na primeira seção, faz notar que o entendimento, até então, tem sido definido de modo negativo, como “uma faculdade não sensível. de conhecimento.” (B 92)


            Em seguida afirma que “o conhecimento de cada entendimento... é um conhecimento mediante conceitos, não intuitivo, mas discursivo” (B 93) o que vai caracterizar e apontar para o modo como o entendimento é apresentado comumente.


            O entendimento é, em geral, compreendido como certa capacidade de conhecer os objetos e expressar esse conhecimento por meio de sentenças, proposições ou juízos (aqui ainda não faz muita diferença isto). Neste sentido, Kant vai expressar o seguinte:



            “Todas as intuições enquanto sensíveis repousam sobre afecções e os conceitos, por sua vez, sobre funções. Por função entendo a unidade da ação de ordenar diversas representações sob uma representação comum. Conceitos, portanto, funda-se sobre a espontaneidade do pensamento, tal como intuições sensíveis sobre a receptividade das impressões.” B 93


            Isto nos dá uma idéia relativamente ao entendimento que já estava presente antes, pois a espontaneidade é aí entendida como relativa a uma atividade do sujeito sobre as suas representações, sendo a função a unidade desta atividade ordenadora que vai submeter esta diversidade a uma representação comum. Mas, mesmo assim, a regra para encontrar os conceitos ainda não está plenamente manifesta ou exibida.


            Para isso, Kant introduz a idéia de que esta função é apresentada através de um juízo, como já havíamos dito, que tem ou contém em si as representações relativas a um objeto, sejam estas conceitos e intuições, assim, nos diz Kant:


            “Visto que nenhuma representação se refere imediatamente ao objeto, a não ser a intuição, então um conceito jamais é referido imediatamente a um objeto, mas a alguma outra representação qualquer deste (seja ela intuição ou mesmo já conceito). Logo, o juízo é o conhecimento mediato de um objeto, por conseguinte a representação de uma representação do mesmo.” B 93

           
            O que nos indica que a regra para encontrar os conceitos consiste em tomar os nossos juízos e examinar o que neles pode ser um conceito, na medida em que este jamais é referido de modo imediato ao objeto, como vimos acima. Portanto, como procuramos conceitos puros, temos que nos ocupar daqueles conceitos em que a referência ao objeto, de um ponto de vista transcendental, é feita de modo absolutamente indireto, ou seja, esta deveria ser mediada, assim cremos, por uma referencia a um conceito empírico.


            Vejamos agora como Kant chega a estas mesmas conclusões, sem, entretanto, esquecermos que os conceitos são encontrados em juízos; ou seja, para examinar um conceito precisamos de um juízo no qual ele esteja presente, Antes disso, Kant considera os juízos de um modo específico, retomando a “unidade da ação de ordenar diversas representações sob uma representação comum”, isto é, aquilo que ele designou de “função” (ver B 93, passim), considera que:


            “todos os juízo são funções da unidade sob nossas representações, pois para o conhecimento de objetos é utilizada, ao invés de uma representação imediata, outra mais elevada que compreende sob si esta e diversas outras, e deste modo muitos conhecimentos possíveis são reunidos sob um só.” B 94


            O que indicaria a possibilidade de “reduzir todas as ações do entendimento à juízos” (idéia) nos aproximando, então, da possibilidade de encontrarmos a regra mediante a qual “se poderá determinar a priori o lugar de cada conceito puro do entendimento” (B 92), na medida em que através desta “redução” teríamos a formulação de uma espécie de matriz de todos os conceitos puros, agora entendidos como “predicados de juízos possíveis” de algo como “um objeto ainda indeterminado” (veja-se isto em B 94).


            Adaptando-se a isso, temos que o conceito como “predicado de um juízo possível” possibilita que:


            “As funções do entendimento podem, portanto, ser todas encontradas desde que se possa apresentar completamente as funções da unidade nos juízos.” B 94


            Portanto, o “fio condutor” está condicionado pela possibilidade de uma apresentação completa das funções da unidade do entendimento. Para isto, Kant apresenta, nas segunda e terceira seções do “fio condutor”, o que ele designa por, respectivamente, “tábua dos juízos” e “tábua das categorias”; as quais são alcançadas através de uma abstração “de todo o conteúdo de um juízo em geral” (para os “juízos”) e de urna espécie de “síntese” pura que “representada de modo universal, d o conceito puro do entendimento” (para as categorias).


            Isso, porém, como o próprio termo indica, é somente uma “apresentação”. No nosso vocabulário aqui falamos em exibição, o que indica simplesmente a possibilidade de ser apresentado, em seu caráter a priori e transcendental, tanto os juízos como as categorias de um modo organizado e/ou ordenado, mas não ainda a sua prova ou demonstração transcendental que dá a justificação e o caráter legítimo do seu uso. Antes da “prova” dos mesmos, Kant detém-se pormenorizadamente a explicar os títulos e os momentos destas tábuas, para, então, passar a sua dedução,


            A dedução é dividida em duas deduções. A primeira recebe o qualificativo de “metafísica” e, na verdade, consiste nesta exibição feita a partir da segunda seção do “fio condutor” (B 95—116), enquanto a segunda dedução é qualificada propriamente de “transcendental” e vai se encarregar de provar duas coisas relativamente aos conceitos exibidos na “dedução metafísica”, a primeira consiste em demonstrar que a autoconsciência transcendental é a origem de toda a síntese, já a segunda é que as categorias tem sua aplicação limitada a determinado domínio, a saber, aquele da experiência possível. (21)


            Como chegamos até os “umbrais” da Dedução Transcendental, dentro da Analítica Transcendental, concluímos aqui esta etapa da investigação, pois tudo que poderia ser apresentado em seqüência diz respeito a própria dedução transcendental. (22)































CONCLUSÃO








            Ao longo do desenvolvimento deste trabalho, foi possível apresentar a tarefa e as sub-tarefas de uma filosofia transcendental. Para isso, foi utilizada, inicialmente, uma analise do conceito de “transcendental” e, posteriormente, uma exposição da Estética Transcendental à luz das suas tarefas frente aos objetivos da filosofia transcendental. Isso tudo, deveria desembocar no estabelecimento de algumas tarefas de justificação e prova para uma “dedução transcendental”.


            A tarefa de uma filosofia transcendental consiste em dissolver alguns problemas metafísicos e dar à metafísica uma aparência mais respeitável. Para isso é construída  uma nova perspectiva perante as relações entre a metafísica e as ciências em geral. Perspectiva essa que pode ser caracterizada por “transcendental”, a saber um “conhecimento que em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com o nosso modo do conhecimento de objetos na medida em que este deve ser possível a priori...” (B 25).


            Vimos aqui que o fato dela ser uma consideração a priori está vinculado ao fato dela constituir-se como uma “condição de inteligibilidade da experiência”. Condição esta que está representada e concentrada no “juízo sintético a priori” que seria um instrumento de conhecimento, caracterizado pelo seu fértil e ampliativo papel perante as ciências. Visto deste modo, a filosofia transcendental, ainda, é considerada como um conjunto de conhecimentos independente da experiência, mas que, ao mesmo tempo, dá as condições através da quais esta experiência é possível.


            Vimos também que para estabelecer tudo isso Kant divide a nossa faculdade de conhecimento em duas faculdades e que esta divisão foi acompanhada por outra das representações utilizadas para conhecer. Assim, temos o entendimento e a sensibilidade, os conceitos e as intuições que, para serem transcendentais, devem ser considerados também no seu caráter a priori e exibidos a provados enquanto tais.


            Antes de ingressar na exibição e na prova, observamos que isso é feito relativamente a duas posições metafísicas correntes. O ceticismo e o dogmatismo, segundo Kant, tem um desconhecimento do âmbito e dos limites da metafísica, agora, em última forma, entendida como uma investigação transcendental. E, desse modo, apontamos a originalidade da posição kantiana.


            Seguindo, no desenvolvimento deste trabalho, abordamos a Estética, para mostrar o papel desta no estabelecimento da filosofia transcendental, Nesta as intuições foram apresentadas como princípios sensíveis do conhecimento. Foi posto, então, o conceito de “fenômeno” que discriminado nos dá como elementos de sua possibilidade as intuições puras e, também, a pura forma da sensibilidade que, bem entendidas, limitam os nossos juízos aos objetos dos sentidos. Neste momento é geralmente apontada a dependência de todo o nosso conhecimento ao sujeito destas representações, pelo menos de modo a se compreender o caráter transcendental como vinculado a esta dependência. Assim, fica estabelecida uma das partes da determinação da possibilidade dos juízos sintéticos a priori.


            Na abordagem da Lógica, abstraímos desta a Dialética Transcendental, a Analítica dos Princípios e uma parte da Analítica dos Conceitos e a Dedução Transcendental, para compreender o que é, na Lógica, relativo à uma exibição ou apresentação dos conceitos e o que é relativo a uma prova dos mesmos.


            Vimos que para apresentar os conceitos Kant usa um “fio condutor” sobre o conceito de “juízo possível”. Antes disso, ainda, tratamos da diferença entre uma Lógica Geral e uma Lógica Transcendental em que, a tarefa desta última, é formulada por Kant, bem como, a distinção entre transcendental e empírico, é adequada a uma abordagem dos conceitos na sua referência a priori aos objetos.


            Assim, algo que estava presente na estética reaparece ali com o mesmo nome, O conceito de “objeto em geral” que possibilita a referência a priori a todos os objetos de conhecimento. Foi apresentada, então, a importância do entendimento e da sua espontaneidade para o pensamento em geral to foi caracterizado como uma atividade discursiva por Kant, aproximando, então, da nossa caracterização das “condições de inteligibilidade da experiência”.


            Entendendo-se, deste modo, a tarefa da 1ógica como vinculada a determinação da origem, do âmbito e da validade objetiva dos conceitos puros, na medida em que, do mesmo modo que, na estética as intuições puras devem ser mostradas como que possibilitando a experiência sensível, os conceitos puros devem ser mostrados como que possibilitando o pensamento sobre esta experiência sensível.


            O “fio condutor” de Kant nos leva para uma exibição dos conceitos puros em duas tábuas, a dos juízos e a das categorias. Mas, tudo isso, vai desembocar na Dedução Transcendental, em que a prova da a prioridade destes conceitos, da intuitividade (limitação & experiência) e da idealidade dos mesmos (como representações dos fenômenos e não da coisa em si), tem o seu lugar.


            Desse modo este trabalho tornou inteligível o conceito de transcendental a tarefa da filosofia transcendental e, deve ser destacado, deixou para um outro desenvolvimento e tratamento a Dedução Transcendental e, por conseqüência, o estabelecimento para fins de conhecimento da doutrina kantiana do Idealismo Transcendental e, para fins de resolução dos problemas da metafísica, a Dialética Transcendental.


            Concluindo, foi possível mostrar em que sentido a estética e a analítica podem ser entendidas como preâmbulos da Dedução Transcendental, ou como “umbrais” da mesma.


            Ambas, a estética e a analítica, devem ser entendidas aqui como uma exposição prévia daquilo que, ao final, deveria ser provado pela Dedução Transcendental. Pois é nesta Dedução que fica como que assentado o vínculo, a conexão de todas estas representações à uma consciência originariamente sintética que, por isso, é responsável pela produção espontânea das mesmas e, noutro sentido, é responsável pela determinação do âmbito e da validade objetiva destas, na medida em que pode determinar aquilo que lhe acessível a priori e conhecer aquilo que é compatível com este conhecimento a priori.



































NOTAS







(1) Sobre isso, consultar LEBRUN, pp. 1-169, principalmente quanto aos problemas da metafísica que Kant procura resolver; TORRETTI, pp. 19-60, também realiza uma boa introdução a esse tema em Kant; outra referência importante é HEIDEGGER, pp. 13-24; já HÕFFE, por sua vez, enfatiza mais o “duplo” abandono do empirismo e do racionalismo por parte de Kant (p, 49), mas intitula a sua introdução do “0 campo de batalha da metafísica”, com o que concordamos em parte, mas mais adiante apontamos para a criação de um domínio neutro, Apesar disso, há concordância de um modo geral com o que expressamos aqui, ver pp. 45-51.


(2) Entenda-se a distinção entre juízos analíticos e sintéticos como um ponto de partida para a determinação de todo o conhecimento a priori; um pouco mais adiante tratamos do caráter a priori que complementa isso.


(3) Consideramos importante perceber que a originalidade e a distinção do projeto kantiano para a metafísica é que de um modo geral consiste na criação de uma “nova filosofia” o que traduzimos pelo estabelecimento de um domínio neutro entre a metafísica mesma e as ciências em geral. Pois, mesmo que o seu objetivo fosse tornar a metafísica urna ciência - o que o levou a trabalhar no território ou “campo de batalha” da mesma. Podemos considerá-lo como criador de um novo domínio, pois a filosofia transcendental é absolutamente distinta, nos procedimentos e resultados, de toda e qualquer outra filosofia anterior, na resolução dos problemas da metafísica, Dos autores consultados, tanto LEBRUN quanto ALLISON parecem apontar nesta direção. O primeiro na medida em que aponta para a resolução da própria metafísica, já o segundo por reconstituir a própria doutrina de Kant - o Idealismo Transcendental - faz desta, de certo modo, uma orientação defensável, portanto, justificada. Mas isto não será tratado aqui.


(4) Existem, sem dúvida, outras definições em Kant, de transcendental. Algumas, inclusive, pré-críticas na KrV (ver  TORRETTI, pp. 51-52), mas para a nossa finalidade estas duas são suficientes. ALLISON, também, aborda isso, mas fica só como indicação aqui (ver toda a primeira parte de sua obra, pp. 29-113).


(5) ver Lebrun, p.50.


(6) Julgamos importante sublinhar que um tratamento mais rigoroso, deveria qualificar e elucidar mais “as condições de possibilidade da experiência” como expressando, na verdade, as “condições de inteligibilidade da experiência”; pois a dúvida não reside na existência ou não de objetos ou da experiência (como no caso cético), mas sim sobre a inteligibilidade e a justificação desta inteligibilidade de uma experiência de cognição humana, seja isso feito discursivamente ou no pensamento puro. Allison nos parece bem próximo disto com seu conceito de “condição epistêmica”. De qualquer modo, renova-se aqui a discussão “epistemologia versus ontologia” em Kant.


(7) mais adiante temos o conceito de “objeto em geral” que substituir isso. Veja-se p. 10 e p, 20, o que nos aponta para um futuro tratamento de “objeto em geral” e “juízo em geral” que, possivelmente, está conectado com o estabelecimento da validade objetiva e da limitação das categorias a experiência possível,


(8) o “a priori” está indissoluvelmente ligado à filosofia transcendental de Kant. Veja-se B 26. Deleuze (pp.19-2l) apresenta a priori e transcendental juntos. De certo modo, ambos estão ligados intrinsecamente.


(9) pois não examina objetos, mas as condições dos “objetos” serem interpretados como tendo tais ou tais propriedades, sendo assim pensáveis ou cognoscíveis.


(10) o nome disso em Kant é “ampliação”, pois os juízos analíticos não acrescentam nada, enquanto os juízos sintéticos possuem a propriedade de serem aplicados produtivamente em outras circunstâncias.


(11) aqui uma pequena correção, a propriedade a priori de um juízo, não é mais de um conhecimento. Veja-se p. 11,


(12) talvez essa seja a nossa única tese aqui presente, por outro lado ela também não é só nossa. Ver nota 6.


(13) não demos muita atenção a este ponto, pois alguns consideram que Kant quer fundamentar filosoficamente as ciências e outros que a sua única ocupação é tornar a metafísica uma ciência respeitável. Porém, em Kant a última pretensão envolve a primeira. Mas não vamos nos deter nisso.


(14) outra desatenção aqui é relativa a presença de uma “teoria da representação” em Kant, isto tem um lugar excelente para ser tratado ou, melhor, dois lugares. O primeiro é numa introdução à teoria crítica de Kant. Já o segundo - para nós mais interessante - é numa exposição do conceito de “autoconsciência transcendental”. Nesta última seria assaz fértil tratar do vinculo, em geral, entre uma “filosofia da consciência” e uma “teoria da representação” em Kant para, talvez, aplicar na interpretação de outros filósofos, A leitura de BRUNSCHWICG pareceu nos sugerir esta possibilidade para toda a história da filosofia, com exceção de alguns poucos filósofos. Devotadamente observamos também a exclusão aqui neste ponto do texto do capitulo 3 deste trabalho.

(15) no tratamos aqui do estabelecimento das duas intuições puras ou, em outro sentido, das formas puras da sensibilidade, pois ambas apesar de apresentarem também uma modalidade de prova transcendental que seria importante numa comparação, talvez, com a prova da dedução transcendental, são sumariadas na recapitulação e na conclusão através de suas notas básicas e resultados. Porém, faltou aí a distinção entre as duas intuiç5es puras ou (n.b,) formas puras da sensibilidade como que vinculadas ao sentido interno (tempo) e ao sentido externo (espaço), mas agora isso está sublinhado.


(16) Isto é “uma condição estabelecida a priori” comparar com B 36 “que nada mais  reste senão a intuição pura e a mera forma dos fenômenos, a única coisa que a sensibilidade pode fornecer a priori.” Isso nos coloca no domínio da investigação transcendental em que, de um lado, temos a mera forma dos fenômenos e, de outro lado, a condição universal da consciência, mas isso nos remete já para o núcleo da Dedução Transcendental.


(17) A Dialética Transcendental conclui a determinação dos limites e, por conseguinte, a determinação da extensão dos nossos conhecimentos a priori.


(18) A Analítica dos Princípios é “somente um cânone para a capacidade de julgar” (B 171) não exibindo os conceitos mas apenas mostrando as regras de sua aplicação (não é um organom – lógico como o de Aristóteles). O Esquematismo, entretanto, é distinto nesta analítica dos princípios.

(19) São as “condições de organização”, na medida em que fornecem os princípios para classificar os juízos e as categorias,


(20) o termo “descoberta” consta no texto, mas trata-se de descobrir a fonte dos conceitos através do uso de uma regra.


(21) ver Hoffe, p.93, o tratamento divide a dedução transcendental em dois passos 1. §15-20 e 2, §22-27 (ver tb. pp.90—l02)


(22) o que se seguiria, portanto, é outro trabalho, conforme nossa introdução.









BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL







KANT, Immanuel, Crítica da Razão Pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujao. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1985, 680p. (para edição A)

_____________ Crítica da Razão Pura, Trad, de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 42lp. (para edição B)

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