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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

MELANCOLIA FILOSÓFICA: DAVID HUME


"Mas antes de me lançar nessas imensas profundezas da filosofia que se apresentam diante de mim, vejo-me inclinado a deter-me um instante em minha presente situação, e a avaliar essa viagem a que me propus fazer e que sem dúvida requer o máximo esforço e arte para ser concluída com sucesso. Sinto-me como um homem que, tendo encalhado em muitos recifes e tendo escapado com grande dificuldade de um naufrágio em um pequeno estreito, tem ainda a temeridade de retornar ao mar no mesmo navio avariado e castigado pelo mau tempo, e ainda carrega a sua ambição tão longe a ponto de percorrer o globo nessas circunstâncias desvantajosas. Minha memória dos erros e da perplexidade do passado tornaram-me desconfiado do futuro. A condição debilitada, a fraqueza e a desordem das faculdades que devo utilizar em minhas investigações aumentam a minha apreensão. E a possibilidade de emendar e corrigir tais faculdades leva-me quase ao desespero, e quase a preferir perecer nas pedras em que me encontro no momento, do que aventurar-me na imensidão do alto mar. Esta súbita visão de perigo em enche de melancolia; e como ocorre com essa paixão, dentre todas as demais, perder-se em si mesma, eu não posso deixar de alimentar o meu desespero com todas essas reflexões desanimadoras que o presente assunto me oferece com tamanha abundância. 

Sinto-me assustado e confuso com esta situação desesperante em que me encontro em minha filosofia, e imagino a mim mesmo como um monstro estranho e grosseiro que, não sendo capaz de se misturar e se unir em sociedade, foi expulso do convívio humano, totalmente abandonado e deixado inconsolável. De bom grado misturar-me-ia à multidão em busca de proteção e cordialidade, mas sendo possuidor de tal deformidade, não posso ousar misturar-me. Convido a outros que se unam a mim com o objetivo de constituir uma sociedade à parte, mas ninguém me atende. Todos se opõem à distância e temem a tormenta que me golpeia de todos os lados. Expus-me à inimizade de todos os metafísicos, lógicos, matemáticos e mesmo teólogos; devo alegrar-me com os insultos que tenho de suportar? Declarei a minha desaprovação de seus sistemas; devo surpreender-me por eles expressarem seu ódio de minha pessoa? Quando contemplo todas as disputas, contradições, calúnia e difamação; quando dirijo a minha atenção para o meu interior, não encontro nada senão dúvida e ignorância. 

Todo o mundo me opõe e me contradiz; tal é a debilidade que experimento que todas as minhas opiniões se desfazem e caem por si mesmas quando não sustentadas pela aprovação dos outros. Cada passo que dou com vacilação e cada nova reflexão me faz temer um erro ou um absurdo em meu raciocínio. Ora, com que confiança posso aventurar-me a um empreendimento tão audaz quando, além das infinitas debilidades que me são peculiares, descubro tantas outras que são comuns à natureza humana? Posso estar seguro de que ao abandonar todas as opiniões estabelecidas chegarei à verdade? E por qual critério devo distingui-la se a fortuna guia por fim os meus passos? Após o mais preciso e exato dos meus raciocínios, não posso dar uma razão do porquê deva eu assentir a ele e não experimento mais do que uma forte inclinação a considerar os objetos fortemente do ponto de vista a partir do qual se me apresentam."

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